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Avanço do PL em comissões da Câmara eleva o custo para a articulação política de Lula, diz analista

Em entrevista à Sputnik Brasil, lideranças do PL afirmam que pretendem priorizar o tema da segurança pública nos debates de comissões da Câmara, enquanto analista político aponta momento desafiador para o governo Lula.
Sputnik
Na semana passada, 19 das 30 comissões permanentes da Câmara dos Deputados elegeram seus respectivos presidentes.
O resultado das votações refletiu o avanço da oposição no Congresso. Das 19 comissões que definiram seus presidentes, 12 ficaram com a oposição. Desse total, cinco comissões ficaram com o PL, atual reduto do bolsonarismo, entre elas a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ), considerada a mais importante da Câmara, que ficou sob o comando da deputada Caroline de Toni (PL-SC), tida como uma das parlamentares mais oposicionistas.
A nova configuração das comissões traça um panorama desafiador para o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em um momento que o chefe de Estado lida com a pressão gerada por seu posicionamento crítico à ofensiva israelense na Faixa de Gaza. Somadas a isso estão as eleições municipais deste ano, que prometem ser um teste de força entre governo e oposição.
A Sputnik Brasil conversou com duas lideranças do PL, a deputada federal Silvia Waiãpi (PL-AP) e o deputado federal Alberto Fraga (PL-DF) — eleito presidente da Comissão de Segurança Pública —, para entender como será a atuação da legenda frente às comissões conquistadas, e com o cientista político Ernani Carvalho, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), para analisar que impactos o avanço do PL em comissões da Câmara pode ter no governo Lula.

Como o PL pretende gerir as comissões obtidas?

Recém-eleito presidente da Comissão de Segurança Pública, o deputado Alberto Fraga diz ver como "natural" o avanço do PL em comissões da Câmara.

"É natural porque o PL é o maior partido da Câmara e pelo regimento — quem tem que fazer a primeira escolha é o partido majoritário —, portanto não é nenhum tipo de coisa absurda."

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Já a deputada Silvia Waiãpi diz considerar o avanço da legenda algo "super positivo" e afirma que os parlamentares "que assumiram a presidência dessas comissões são pessoas completamente comprometidas com a sociedade".

"Garanto que agora nós teremos a aprovação de leis que beneficiem a sociedade brasileira."

Ambos os parlamentares afirmam que a gestão do PL terá entre suas prioridades a questão da segurança pública, tema que Silvia acredita que transitará mais rapidamente com o avanço do PL nas comissões. Isso porque, segundo a deputada, pessoas engajadas no tema "tornarão a ser valorizadas por meio dessas comissões".
"Nós temos muitas leis para aprovar, muitos projetos de lei para apresentar e sabemos que se estivermos […] muito bem coordenados, essas leis sairão muito mais rápido agora, até porque estamos em um período de ano eleitoral e alguns trabalhos poderão ser interrompidos, então é necessária uma completa agilidade diante disso."
Alberto Fraga, por sua vez, destaca que pretende pautar projetos que ele considera de extrema importância em sua gestão na Comissão de Segurança Pública.

"Vamos insistir em alguns pontos, como o fim do 'saidão' [como é chamada a saída temporária de detentos das prisões em datas específicas], como votar o projeto do Código de Processo Penal. Vamos também brigar pela redução da idade penal, enfim, existem muitos temas de grande interesse da comissão e da sociedade brasileira."

Há risco de transformar as comissões em arenas de embate político?

Questionada sobre o risco de as comissões serem convertidas em ferramentas de embate entre governo e oposição, e se haverá margem para o diálogo entre as partes, principalmente no que diz respeito a temas críticos para a sociedade, Silvia Waiãpi diz acreditar na possibilidade de equilíbrio, apesar das diferentes vertentes ideológicas.

"Eu só posso falar por mim, eu faço uma oposição consciente e técnica. Então, na minha percepção, poderá haver diálogo com os parlamentares que representam também uma outra parcela da população que apoia este governo. Porém, como nós somos a maioria, nós acreditamos que haverá, sim, um diálogo se eles não quiserem atrapalhar, não quiserem problemas. Eu estou completamente a favor do diálogo entre os parlamentares. Isso não quer dizer que eu apoie ou que eu seja base do governo."

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Ela acrescenta que já participou de muitos debates anteriores com visões opostas, incluindo discussões sobre projetos de lei indígenas com viés político diferente do que ela defende.
"A primeira coisa que eu fiz foi tentar manter o diálogo, ver quais eram os pontos com que eu concordava, com quais eu não concordava. Eu expus a minha opinião, nós chegamos em consenso e, dentro desse consenso, eu ajudei inclusive a aprovar projetos de lei feitos por indígenas de viés completamente diferente do meu", diz a deputada.
"Eu acho que a gente tem que avaliar aquilo que é bom para o povo brasileiro. Se não fere ou se não ferir o meu entendimento sobre soberania nacional, sobre o meu país e sobre os direitos da população, do cidadão que paga o imposto e que precisa do retorno dessa representatividade, de pessoas que querem a mudança do seu país e dignidade para o seu povo, com certeza nós vamos conversar muito bem", complementa.
Já Alberto Fraga diz que pretende prezar o diálogo harmonioso, mas não exclui a possibilidade de embate com parlamentares da base aliada do governo.
"É a nossa intenção, pelo menos na minha [gestão no comando da] Comissão de Segurança Pública, nós vamos tentar um diálogo. Se não houver o diálogo, aí temos que ir para o embate, mas eu prefiro discutir, fazer um diálogo proveitoso, amistoso e harmonioso. Se o governo não quiser, aí nós vamos ter que fazer o embate."

Avanço do PL em comissões expõe processo iniciado no governo Dilma

Para o cientista político Ernani Carvalho, o resultado das votações para compor as comissões da Câmara reflete "uma mudança significativa na estrutura de poder entre os Poderes da República".
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Segundo ele, desde o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, houve um aumento no grau de liberdade de parlamentares para negociar as chamadas prebendas, termo utilizado para designar a negociação de cargos e liberação de emendas parlamentares em troca de apoio a pautas do governo.

"Há uma forte tendência do Parlamento, do Congresso, de dirigir posições com mais efetividade, tornando-se, assim, um bloco em que o governo teria que, para além de negociar as chamadas prebendas do presidencialismo de coalizão, […] negociar pontualmente com cada partido alguns dos pontos."

Ele acrescenta que isso tornou "mais custosa a transação do governo com o Parlamento" e cita como exemplo "as emendas parlamentares, que agora são obrigatórias".
"Não há mais o caráter eventual de aqui e ali o governo retirar a possibilidade dessas emendas serem orçadas e executadas. Hoje isso já não acontece, o que torna a vida do presidente, dentro de um ambiente de negociação com o parlamento, muito mais complicada", explica o cientista político.
Carvalho afirma que todo esse processo "rebate na distribuição das posições-chave da Câmara", principalmente diante do alto número de parlamentares de oposição eleitos no pleito de 2022.

"Embora o governo Lula tenha ganhado a eleição, a repercussão da eleição do presidente Lula nas Casas legislativas não foi a mesma. Pelo contrário, nós tivemos o PL se tornando se não o partido mais forte, um dos mais fortes do Congresso, e capitaneando uma oposição que há tempos não se via. Talvez, se pensarmos em termos de paralelo, uma oposição que fazia frente de forma muito forte ao governo foi na época do Fernando Henrique, em que o PT fazia esse trabalho", afirma Carvalho.

"Então o presidencialismo de coalizão lá atrás permitia que o presidente conseguisse 'tratorar', ou seja, trazer para si os principais postos do Legislativo, e isso não vem acontecendo, o que torna a vida do presidente muito mais difícil. Ele tem de ser muito mais cauteloso e muito mais habilidoso no trato com o parlamento e com a base governista", complementa.
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Ele afirma considerar que o avanço do PL nas comissões permanentes representa uma derrota para o governo Lula, principalmente no que diz respeito à CCJ da Câmara.

"É de praxe que a Comissão de Constituição e Justiça esteja, se não na mão do partido governista, pelo menos na mão de um partido aliado. Mas ficar na mão da oposição é claramente uma derrota, não há dúvida disso."

A vitória da oposição na Câmara pode afetar a agenda política de Lula?

Sobre a possibilidade de o avanço do PL em comissões-chave da Câmara comprometer a agenda política do governo, Carvalho afirma que antes é preciso entender qual é a agenda do presidente Lula.
"A agenda do presidente tem se voltado, por um lado, para discussões internas do que é uma forma de reconstrução do Estado. Ele acusa o bolsonarismo de destruir o Estado e várias políticas públicas. Por outro lado, há uma agenda que eu diria muito mais pomposa, muito mais atraente para o presidente, que é, de certa forma, investir em um terceiro mandato presidencial, construindo uma imagem internacional, que está voltada exclusivamente para o campo das relações internacionais."
Ele acrescenta que essas são as duas agendas que aparentemente pautam o governo Lula e diz que, nesses termos, "as derrotas experimentadas dentro do parlamento teriam uma repercussão muito mais forte na lógica de funcionamento do Estado".
"Eu diria que rebate pouco nessa proposta do governo, ou pelo menos do presidente Lula, de se tornar uma grande figura internacional, mediando conflitos, inclusive dando opiniões aqui e ali que são bastante controvertidas."

Há risco de instrumentalização das comissões?

Carvalho sublinha que as comissões permanentes do Congresso, sobretudo da Câmara, "são uma ferramenta importante para a gerência do Estado brasileiro, para a tomada de decisão e para o encaminhamento de propostas importantes, principalmente a Comissão de Constituição e Justiça".
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"Então são ferramentas que podem ser utilizadas tanto para a proposição de projetos que não sejam do interesse do governo, imputando um custo [político] no sentido de desmobilizar essas propostas, […] mas também podem se valer de procedimentos de obstacularização de propostas do governo. Talvez, nesse sentido, sim, seria uma ferramenta muito forte na mão da oposição, porque tem a possibilidade de travar a agenda do governo, alguns projetos especiais que sejam do interesse do governo podem ser parados, travados, e a coisa não anda. Aí, sim, há uma possibilidade forte de instrumentalização, isso vai depender muito da capacidade do governo de negociar."

Cenário atual indica retomada do bolsonarismo?

Questionado sobre se o avanço da oposição nas comissões pode sinalizar uma retomada de fôlego do bolsonarismo como força política, Carvalho se mostra cético. Ele afirma que o cenário atual tem a ver, em primeiro lugar, com uma reestruturação de parlamentares de direita, incluindo membros do próprio PL, dentro de uma dinâmica de oposição.

"O PL e alguns partidos que estão fazendo oposição ao governo Lula, eles não têm uma espécie de DNA da oposição, eles não trabalhavam dentro de uma dinâmica de oposição, mas sim de composição. Eram considerados partidos que formavam base aliada com o governo, seja ele qual for, seja qual for a bandeira ideológica, e ajudavam o governo a governar desde que esse governo abrisse os cofres, com prebendas, cargos e o que a gente chama pork barrel [termo usado para designar emendas orçamentárias individuais]", diz o especialista.

"Com a mudança do perfil do parlamentar na Câmara, voltado mais para um parlamentar de direita, com discurso ideológico mais arraigado, […] esses partidos estão aprendendo a ser oposição. Então acho que o primeiro ponto a pensar é que é uma pedagogia do aprendizado na direita, nessa direita que tem se constituído como um polo efetivo de poder no Brasil. Eles estão aprendendo a se constituir como um polo oposicionista", complementa.
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Porém ele afirma que se isso vai se converter em fôlego para o bolsonarismo é algo que é preciso ver com calma, "porque uma coisa é o bolsonarismo no campo político, fazendo oposição ao governo Lula, outra coisa é o bolsonarismo que está sendo processado por crimes contra a ordem do Estado, contra a democracia".
"É preciso ver se essas coisas não vão ser separadas. Eu creio que a tendência é que sejam separadas, ou seja, esse aumento de poder na Câmara não vai servir como uma distensão nesse campo mais judicial. Até porque o Judiciário, o Ministério Público, a polícia, eles trabalham com outra dinâmica, não com a dinâmica eleitoral. Não vejo aí uma possibilidade de apaziguamento nesse campo, muito pelo contrário. Acho que as coisas vão seguir o caminho que estão tomando, que é o apontamento, a acusação e o processamento dessas pessoas que foram envolvidas [nos atos investigados], com o futuro julgamento na Justiça."

Há margem para negociação por parte do governo Lula?

Carvalho afirma que "Lula tem sinalizado para esses partidos mais à direita a possibilidade de compor em vários aspectos, só que essas composições não têm sido frutíferas para o governo".
"Veja o caso do União Brasil, onde o ex-presidente [da legenda] foi tirado do posto porque dava apoio a Lula, mas os seus parlamentares [colegas de partido] não apoiavam o governo. O próprio partido resolveu tirar o presidente, mostrando que há uma sinalização mais preocupante para o governo, que essa ala, que era a mais contrária à composição com o governo Lula, ganhou força. E essa situação se repete em vários partidos, Republicanos, Podemos, e por aí vai. Isso vai requerer muita habilidade do presidente Lula para construir essas composições."
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Ele ressalta que as tentativas de composição do governo não têm sido efetivas no que diz respeito à aprovação de projetos e propostas de governo no Congresso.

"Isso mostra um buraco na articulação política do governo, que, aliás, vem sendo fruto de reclamação constante dos líderes das Casas legislativas, tanto do presidente do Senado [Rodrigo Pacheco] como do presidente da Câmara [Arthur Lira]."

Como o cenário atual pode impactar as eleições municipais?

Carvalho afirma que tanto o ex-presidente Jair Bolsonaro como o presidente Lula consideram as eleições municipais uma espécie de prova dos nove da eleição passada, ou seja, "querem disputar em campo aberto qual das propostas a população considera melhor". Porém ele adverte que "essa estratégia é muito mais rentável para a oposição do que para o governo".
"Como o governo tem o ônus de governar, construir alianças, sendo governo, é bastante mais difícil. Porque aqui e ali você vai ter que preterir sua base aliada em apoio a outros candidatos, seja por questões ideológicas, seja por questões pragmáticas", explica Carvalho.
O especialista aponta que, por outro lado, "a oposição é mais livre para formar essas alianças e pode surfar também em um momento negativo do governo federal".

"Que é o que tem se desenhado, as pesquisas de opinião têm apontado para um decréscimo da popularidade do presidente e da aprovação do seu governo. E isso me parece apontar para um avanço da oposição, em geral, e do PL, em particular, nas prefeituras municipais nas eleições vindouras agora de outubro", conclui o especialista.

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