Na última semana, o ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, e a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) anunciaram no evento Open Ports e Waterways (OPW Brasil 2024) um cronograma de outorgas de terminais portuários, hidrovias e canais de acesso.
Realizado na B3 em São Paulo, o OPW prevê uma captação de R$ 14,5 bilhões nos leilões dos setores portuários, além de investimentos de R$ 64 bilhões oriundos da iniciativa privada em Terminais de Uso Privado (TUP), Estações de Transbordo de Carga (ETC) e Instalações Portuárias de Turismo (IPTur).
Para este ano, está previsto o leilão de 16 empreendimentos em um valor de R$ 8 bilhões. Entre os principais ativos de 2024 está o terminal de minerais do porto de Itaguaí, no Rio de Janeiro, que deve arrematar o valor de R$ 3,5 bilhões.
No próximo ano serão 11 ativos leiloados, entre eles os canais de acesso aos portos de Paranaguá (Paraná) e Itajaí (Santa Catarina). Ao todo, o próximo ano deverá ver um investimento de R$ 4,9 bilhões. Por fim, em 2026 serão oito empreendimentos, com o valor total de R$ 1,6 bilhão.
Para os especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil, foi um passo importante na melhoria dos serviços portuários brasileiros, ajudando a reduzir o "custo Brasil" e a descentralização do porto de Santos que, hoje, segundo o ministro Costa Filho, concentra 30% das atividades portuárias brasileiras.
Larry Carvalho, advogado especialista em logística, comércio exterior e agronegócios afirma que apesar de bons investimentos nos portos no Sudeste e no Sul, o triunfo dessa rodada de outorgas são as concessões no chamado Arco Norte, região de atividades portuárias no Norte e Nordeste brasileiro.
Hoje o Arco Norte é responsável por exportar quase 40% das cargas de soja e milho do Brasil, sublinhou Carvalho, escoando muito da carga produzida na região do Matopiba — acrônimo que denomina as regiões do Maranhão, de Tocantins, do Piauí e da Bahia —, do Mato Grosso e de Rondônia.
"Graças ao aproveitamento da bacia hidrográfica do Amazonas, o Arco Norte tem um custo logístico de exportação de 30% a 40% mais barato do que descer para Santos ou Paranaguá."
Previsto para ocorrer em 2025, o leilão da hidrovia do rio Madeira será a primeira concessão de hidrovias do país. Consideradas a "última fronteira" da infraestrutura do país, as hidrovias são "o modal mais sustentável e com custo de implementação mais baixo", afirmou Eduardo Nery, diretor geral da Antaq.
Segundo Carvalho, essas outorgas irão atuar justamente na manutenção, dragagem, sinalização e demais obras que permitem uma navegabilidade segura e eficaz nos rios brasileiros. "Esta será a cereja do bolo, principalmente para o agronegócio brasileiro que aguarda a definição para que os investimentos na região possam aumentar."
Brasil tem 50% de área portuária ociosa
Além de, pela primeira vez na história deste país, arrendar as hidrovias, o Ministério dos Portos e a Antaq também vão outorgar terminais portuários, a administração de canais de acesso e outras infraestruturas logísticas.
De acordo com dados do Tribunal de Contas da União (TCU), o Brasil pode ter quase 50% das áreas ociosas em portos públicos. Isso representa um enorme potencial não explorado de serviços portuários. Nesse sentido, o arrendamento de áreas portuárias vem com o objetivo de dar utilidade a essas áreas com novos terminais.
"Por exemplo, dentro do mesmo porto vão ter várias áreas arrendadas para empresas distintas. Em Mucuri você tem a parte de silos arrendada para exportadores de trigo, tem o terminal petroleiro arrendando para a Petrobras. Planeja-se também um arrendamento de outros três armazéns para a área de fertilizantes e coque [combustível derivado do carvão]."
Já os canais de acesso, destacou Carvalho, também melhorarão com a administração privada. Há alguns portos no Brasil, como o de Itajaí, Paranaguá e o de Santos, que possuem um canal único de acesso e, até então, a gestão desses canais é feita pelo governo federal.
O grande problema disso, aponta Carvalho, é que qualquer manutenção necessária, como a dragagem de sedimentações, fica dependente de licitações.
"A gente sabe que, historicamente, no Brasil, o procedimento licitatório é um procedimento que termina demorando bastante."
"A questão de sedimentação é contínua", afirmou Carvalho. "Então o ideal é que se tenha uma manutenção de dragagem contínua também."
Em troca de oferecer uma manutenção permanente no ponto de acesso ao porto, a empresa privada poderá fazer a cobrança de tarifas para todos os navios que passarem por ali, destacou o especialista.
Concessões feitas por Lula mantêm a soberania nacional
Regida pela Lei dos Portos de 2013, a atividade portuária é, além de um bem econômico do país, um ativo estratégico, ressalta Carvalho.
Hoje, o Brasil conta com 36 portos organizados em gestão pública e um sob concessão privada, o de Vitória, além de outros 144 terminais de uso privado em operação. Os portos públicos, explica Carvalho, são geridos pela entidade federal da Companhia Docas ou são delegados a municípios, estados ou consórcios das três esferas, que agem como Autoridade Portuária.
Segundo o especialista, as concessões feita pelo governo não pretendem mudar isso. "Quando se fala hoje de arrendamento portuário, fala-se de arrendamento de áreas operacionais ociosas", afirma Carvalho. "Estamos falando de arrendamento de áreas para o setor privado, áreas dentro de porto organizado, dentro de portos públicos."
"Não se fala de privatização ou concessão. Não se trata da privatização da Autoridade Portuária."
No governo do ex-presidente Bolsonaro também houve o arrendamento de áreas portuárias, lembra Carvalho. Entretanto, foi decidido também iniciar a desestatização da Companhia Docas.
Para começar o processo foram escolhidos os portos de Vitória, concedido à iniciativa privada em 2022, e Santos, cujo processo não foi efetuado, uma vez que o "governo atual tem uma posição contrária a essa privatização da Docas". Dessa forma, Vitória é hoje o único porto organizado sob gestão privada do Brasil.
"Por questão de soberania nacional e estratégica, o novo governo optou por não realizar a concessão total da Autoridade Portuária de Santos", afirmou Carvalho. "O governo entende que é melhor manter a administração do porto na figura da Autoridade Portuária, arrendando apenas áreas."