Após exatos 21 anos da guerra, nesta quarta-feira (20), Bustani relata como o 11 de Setembro foi instrumentalizado para justificar agendas políticas americanas de guerra.
O ex-embaixador estava no comando da OPAQ desde 1997 e foi reeleito de forma unânime para um segundo mandato em 2000.
Segundo ele, a narrativa foi fabricada pelos EUA para justificar a invasão ao Iraque, alegando a presença de armas de destruição em massa. "Saddam Hussein estava totalmente desarmado", afirma.
Em janeiro de 2002, o então presidente americano, George W. Bush, referiu-se ao Irã, ao Iraque e à Coreia do Norte como um "eixo do mal" e acusou o regime de Saddam de conspirar para desenvolver armas químicas e nucleares.
"Essa classificação, cunhada pelo então presidente dos EUA, influenciou diretamente a política externa e as ações militares da nação americana. A invasão do Iraque foi, portanto, vista como uma resposta a essa percepção de ameaça."
Ameaça nuclear
O ex-embaixador falou com os jornalistas Melina Saad e Marcelo Castilho, do podcast Mundioka, e descreveu a irritação estadunidense quando o Iraque e a Líbia decidiram aderir ao Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP), contrariando o complexo militar-industrial americano, que possui amplo financiamento privado e, àquela altura, já considerava uma futura invasão dos EUA ao Iraque.
Ele havia atuado para convencer países árabes a aderir à convenção, destacando os benefícios econômicos e de segurança que a adesão proporcionaria. No entanto, Bustani ressalta que, a partir daí, enfrentou uma grande oposição dos EUA, que tinham como objetivo final a mudança de regime no Iraque e já construíam uma narrativa para usar o suposto desenvolvimento de armas de destruição em massa pelo governo de Saddam Hussein como justificativa.
Segundo ele, a OPAQ tinha apurado que as armas químicas do Iraque haviam sido destruídas após a Guerra do Golfo e que não havia capacidade para retomar os estoques. Foi aí que a campanha para a sua demissão teve início.
"O Iraque tinha armas químicas antes, e elas foram destruídas pelo pai de Bush [George H. W. Bush] na Primeira Guerra. O Iraque tinha armas químicas que foram desenvolvidas graças à tecnologia fornecida pelos americanos e pelos franceses."
De acordo com o diplomata brasileiro, antes mesmo da invasão do Iraque, o próprio serviço de inteligência do Reino Unido já tinha admitido que o país não possuía as tais armas de destruição em massa.
"E, de repente, você vê o Reino Unido com o [então premiê Tony] Blair se juntar com o Bush para fazer essa guerra absurda. Obviamente eu fiquei meio perplexo. Por que como é que o próprio serviço de inteligência que sempre me informou agora faz com que o primeiro-ministro do Reino Unido apoie, e não só apoie, mas estimule o Bush a fazer a guerra no Iraque?", questiona.
Ascensão e queda
Apesar de elogios iniciais do então secretário de Estado, Colin Powell, sobre seu trabalho, sua posição começou a ser minada ainda nos primeiros meses do governo de George W. Bush, relata, com críticas do governo americano à sua gestão. "A posição dos americanos começou a mudar."
Ele destacou como a ascensão do governo Bush trouxe consigo uma nova mentalidade na política externa americana, centrada na guerra contra o terror e que, naquele momento, já tinha escolhido o Irã, o Iraque e a Coreia do Norte como seus grandes inimigos.
"Eles tinham que encontrar um inimigo responsável por aquilo", afirmou, mencionando a rápida mudança de foco em direção ao Iraque, mesmo sem ligação com os ataques do 11 de Setembro.
Ele, que chefiou o Departamento de Organismos Internacionais do Ministério das Relações Exteriores durante os governos Itamar Franco (então PMDB) e Fernando Henrique Cardoso (PSDB), viu-se alvo de uma intensa pressão dos EUA para endossar a narrativa das armas de destruição em massa no Iraque, uma justificativa que possuía "falta de evidências substanciais" e "informações contraditórias".
Os EUA eram os maiores contribuintes do orçamento da OPAQ e, mediante suas ações para evitar o conflito, ameaçaram retirar seu apoio financeiro à entidade.
Em abril de 2002, a pedido de Washington, uma votação especial foi realizada e teve 48 países a favor de seu afastamento, com 7 contra e 43 abstenções.
"A minha grande decepção naquele momento foi a falta de apoio do país que me indicou, que foi o Brasil", lamentou. "Não me deu apoio, combinou com os americanos de me derrubarem. E eu tinha que negar isso, porque todos os países tinham percebido isso."
Segundo Bustani, a origem do ataque do 11 de Setembro deve ser compreendida através de uma lente histórica, remontando às relações conturbadas entre os EUA e os países muçulmanos do Oriente Médio. O ex-embaixador argumenta que a frustração e o ressentimento resultantes dessas políticas foram combustíveis para a ascensão de grupos contrários ao Ocidente.
"Se você pensar por que aconteceu o Bin Laden, você tem que voltar para trás para perceber o que criou a necessidade de um grupo terrorista de origem muçulmana", exemplifica.
O diplomata destaca que a imposição da visão de mundo americana, a tentativa de impor um modelo único e a falta de aceitação da diversidade cultural contribuem para alimentar o sentimento antiocidental.
Nova ordem mundial
Bustani também abordou a necessidade de uma reforma internacional, destacando o papel do BRICS como um contrapeso ao poder ocidental. Ele entende que é preciso uma nova ordem mundial baseada em negociações e diálogo, em oposição à imposição unilateral de valores e interesses.
"Eu acho que a ordem mundial deve ser modificada. Ela tem que ser negociada em novas bases."
Ele enfatiza a necessidade urgente de diálogo e cooperação global para prevenir futuros conflitos. Além disso, que é preciso evitar perpetuar inimigos imaginários, como o comunismo, em detrimento do progresso e da estabilidade internacional.
"Os Estados Unidos destroem, mas não constroem", afirma Bustani, comparando com a abordagem chinesa, que busca estabilidade e desenvolvimento por meio de cooperação e investimentos.
Bustani também expressou preocupação com o estado atual do Brasil, destacando a "influência negativa da ignorância e da desinformação" na sociedade.
Ele lamenta a falta de coragem da imprensa em desafiar narrativas dominantes e alerta contra a polarização e o obscurantismo — exemplificados, segundo ele, pela nomeação controversa de líderes desqualificados para cargos importantes.
Por fim, ele sugere a criação de um conselho de segurança ampliado e o estabelecimento de vetos compartilhados como medidas para promover uma governança global mais inclusiva e eficiente, e afirma que vê um futuro em que a diversidade cultural e política seja respeitada, permitindo convivência pacífica e próspera entre as nações.