Nesta quarta-feira (10), o Conselho de Segurança da ONU encaminhou proposta de adesão da Palestina à organização como membro pleno. A decisão vem 12 anos após a Palestina ser aceita como membro observador da ONU.
O pedido palestino para adesão plena à ONU estava parado desde 2011, por inação do Conselho de Segurança. Atualmente, a Palestina é um membro observador da ONU, assim como a Santa Sé, responsável pela administração do Vaticano. Estados observadores podem participar dos debates na ONU, mas sem direito a voto.
Em avanço sem precedentes, o presidente do Conselho de Segurança solicitou ao comitê de adesão da ONU que emita decisão sobre a entrada da Palestina como Estado-membro na organização ainda no mês de abril.
Para o representante palestino na ONU, Riyad Mansour, a Palestina esperava que o Conselho de Segurança da ONU implementasse "o consenso global sobre a solução de dois Estados" e "admitisse o Estado da Palestina para adesão plena" na ONU.
Apesar do avanço, o Conselho de Segurança da ONU ainda não conseguiu implementar resolução sobre cessar-fogo na Faixa de Gaza. Os repetidos vetos dos EUA impedem a aplicação de resoluções contundentes para colocar fim às hostilidades.
Ainda na quarta-feira (10), o chanceler russo Sergei Lavrov criticou a posição de EUA e aliados em relação ao conflito na Palestina, durante visita do coordenador especial das Nações Unidas para o Processo de Paz no Oriente Médio, Tor Wennesland, a Moscou.
Lavrov lamentou a falta de foco na solução de dois Estados e reiterou a posição russa em favor da "criação de um Estado da Palestina independente, dentro das fronteiras de 1967 com Jerusalém Oriental como sua capital, coexistindo em paz e segurança com Israel".
Sergei Lavrov, ministro das Relações Exteriores russo, durante reunião com representantes dos comitês de relações exteriores dos parlamentos dos Estados-membros do BRICS no centro de imprensa do Ministério das Relações Exteriores do país, em Moscou, Rússia, 11 de abril de 2024
© Sputnik / Serviço de imprensa do Ministério das Relações Exteriores da Rússia
Para o chanceler russo, ainda que seja necessário condenar os ataques perpetrados pelo Hamas em Israel em 7 de outubro de 2023, que levaram à escalada nas hostilidades, eles não justificariam a "punição coletiva de milhões de palestinos".
A posição russa sobre o conflito israelo-palestino é similar à brasileira, o que sugere possível cooperação entre Brasília e Moscou, acreditam especialistas em política externa russa ouvidas pela Sputnik Brasil.
"Brasil e Rússia defendem a solução de dois Estados [...] e condenaram tanto os ataques de 7 de outubro, quanto a dura retaliação que Israel tem feito, causando a morte de inúmeros civis", disse a doutoranda em Relações Internacionais pelo Santiago Dantas (UNICAMP/UNESP/PUC-SP), Fernanda Albuquerque, à Sputnik Brasil. "Além disso, nem Brasil, nem Rússia classificam o Hamas como uma organização terrorista."
A sintonia entre as posições de Brasil e Rússia ficou clara durante conversa telefônica entre o presidente russo Vladimir Putin e seu homólogo brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, realizada nas primeiras semanas da atual operação israelense. Durante a conversa, Lula e Putin pediram observância à solução de dois Estados e medidas urgentes para desescalar as hostilidades.
Presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, durante encontro com o presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas, em Nova York, Estados Unidos, 19 de setembro de 2023
© Ricardo Stuckert / Presidência da República
No entanto, a Rússia tem maior capacidade para influenciar a comunidade internacional e pressionar por um cessar-fogo em Gaza, notou a doutoranda em Ciências Políticas pela USP, Giovana Branco.
Segundo Branco, "a Rússia oferece no Oriente Médio uma forma de balanceamento em relação à política tradicional dos EUA. Enquanto os EUA apoiam Israel, de forma que até pouco tempo era de alinhamento automático, a Rússia promove a necessidade de um Estado palestino".
"A principal contribuição da Rússia para um cessar-fogo é exercer pressão no Conselho de Segurança, o que ela já vem fazendo", disse Branco à Sputnik Brasil. "A Rússia também usa o conselho para criticar a política dos EUA em relação ao conflito."
De fato, o chanceler russo Lavrov aponta a política dos EUA para a questão palestina como uma das responsáveis pela crise atual. Em encontro com o secretário-geral da Liga Árabe, Ahmed Aboul Gheit, Lavrov notou que Washington tentou impedir a continuidade dos trabalhos do Quarteto, grupo formado por EUA, União Europeia, Rússia e ONU, indicado por resoluções do Conselho de Segurança como responsável pelo tema.
O Capitólio dos EUA é visto enquanto manifestantes se reúnem em manifestação pró-Palestina pedindo um cessar-fogo em Gaza, Washington, 17 de novembro de 2023
© AP Photo / Jose Luis Magana
"Além disso, países do Ocidente são muito ferozes em suas críticas ao conflito na Ucrânia, mas fazem vista grossa ao que está acontecendo em relação a Israel contra os palestinos", disse Branco. "A Rússia realmente coloca esses países em xeque [no Conselho de Segurança da ONU], questionando suas políticas externas duais."
Relações com Israel
Apesar da posição favorável à solução de dois Estados, Rússia e Israel mantêm laços diplomáticos, classificados pelo presidente Putin como "relações sólidas de trabalho". Os contatos entre Israel e Rússia se intensificam desde o reestabelecimento de relações diplomáticas, em 1991, e atingiram seu pico durante o início dos anos 2000.
"A Rússia mantém relações tanto com Israel quanto com a Palestina e realmente tenta manter um equilíbrio", declarou Albuquerque. "Porém, a Rússia muitas vezes é considerada pró-Palestina pela sua defesa do Estado palestino, algo previsto por resolução da ONU [...], e pela Rússia não classificar o Hamas como organização terrorista."
Do ponto de vista pragmático, as relações comerciais entre Rússia e Israel apresentam dinâmica positiva, com superávit significativo para Moscou. Israel adquire de fornecedores russos recursos energéticos, metais, fertilizantes e trigos, que continuarão sendo demandados durante o conflito.
O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, segundo à esquerda, participa da reunião semanal de gabinete no Ministério da Defesa em Tel Aviv, Israel, 7 de janeiro de 2024
© AP Photo / Ronen Zvulun
A Rússia, por sua vez, pode ter mais dificuldades para importar produtos israelenses enquanto as hostilidades continuarem: 75% dos tomates, pimentões e outros alimentos que a Rússia importa de Israel são oriundos de comunidades rurais localizadas próximo à Faixa de Gaza.
"Se por um lado, Israel é aliado dos EUA e votou contra a Rússia em resoluções na ONU sobre a Ucrânia; por outro, Israel não adotou sanções econômicas contra Moscou, como fizeram seus aliados ocidentais", considerou Albuquerque.
Apesar das relações entre Israel e Rússia serem neutras e pragmáticas, o atual conflito desgasta os laços, conforme aumentam as "desavenças de ambos os lados", notou Albuquerque.
"Israel condenou a Rússia por ter recebido uma delegação do Hamas em Moscou, durante uma conferência em fevereiro deste ano. A Rússia havia convidado diversos grupos palestinos para conversas, inclusive a Autoridade Palestina e o Hamas, o que gerou a insatisfação israelense", lembrou Albuquerque. "Por outro lado, recentemente a Rússia condenou o bombardeio de Israel a instalações diplomáticas do Irã na Síria."
Fumaça sobe após ataque aéreo israelense na Faixa de Gaza, visto do sul de Israel, em 31 de outubro de 2023
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As diferenças não retiram a posição da Rússia como possível mediadora do conflito, afinal Moscou mantém relações com Tel Aviv, com os principais grupos palestinos, com o Hezbollah, Irã e diversos atores relevantes no Oriente Médio.
Nesse sentido, uma aproximação entre Rússia e países como o Brasil poderia fortalecer as negociações para o fim das hostilidades na Faixa de Gaza, acredita Branco.
"O Brasil é um aliado possível nessas pressões internacionais para criar alianças entre a maioria global e pressionar pela necessidade de um cessar-fogo em Gaza", sugeriu Branco. "Sozinho, o Brasil tem mais dificuldade de inserção nesse tema."
Segundo a especialista, a política externa brasileira não foi capaz de articular com clareza sua posição sobre o conflito israelo-palestino à comunidade internacional. Além disso, críticas de autoridades brasileiras a Israel "foram mal recebidas pelos aliados ocidentais do Brasil".
Ministro das Relações Exteriores brasileiro, Mauro Vieira, durante discurso em 14 de março de 2024, no Senado Federal, em Brasília
© Foto / Agência Brasil / Lula Marques
"O Brasil tem um papel diminuto em relação ao Oriente Médio, diferentemente da Rússia, que tem inserção na região e consegue, de fato, influenciar discursos, debates e decisões sobre esse tema", concluiu a especialista.
No dia 7 de outubro de 2023, ataque perpetrado pelo Hamas em Israel deu início à mais recente operação israelense na Faixa de Gaza. De acordo com o Ministério da Saúde de Gaza, pelo menos 33.482 pessoas morreram no conflito, em sua maioria mulheres e crianças. Além disso, milhares de pessoas estão desaparecidas sob os escombros de edifícios e objetos de infraestrutura destruídos.