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Após fim do apartheid, por que racismo ainda pauta o debate político na África do Sul?

No dia 27 de abril, a África do Sul celebra não apenas o Dia da Liberdade, mas também um marco histórico: as primeiras eleições multirraciais em 1994, que encerraram décadas de Apartheid e elegeram Nelson Mandela como presidente.
Sputnik
"De certa forma, o dia 27 de abril para a África do Sul, para muitas pessoas, é visto não só como a data das eleições de 1994, mas, de certa forma, quase como uma data da independência da África do Sul", destaca o pesquisador do Instituto Sul-Africano de Assuntos Internacionais (SAIIA, na sigla em inglês) Gustavo de Carvalho, em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil.
Trinta anos após esse momento emblemático, o país enfrenta um novo ciclo eleitoral, mas apesar de progressos, os desafios continuam. "Em grande medida, o que nós temos visto são novos partidos emergindo dentro da África do Sul, questionando essa posição do Congresso Nacional Africano [CNA] ou trazendo uma narrativa de incapacidade de gerenciar o país."
Carvalho destaca aos jornalistas Melina Saad e Marcelo Castilho que, ao longo das três últimas décadas, o país presenciou o aumento dos serviços para populações negras e o crescimento da classe média negra, superando numericamente a classe média branca.

"Cada vez mais vemos uma classe média negra crescente, que atualmente já ultrapassa em número o tamanho da classe média branca."

No entanto, ele ressalta desafios estruturais como altas taxas de desemprego e a incapacidade do Estado de fornecer serviços básicos. "A África do Sul tem uma taxa de desemprego extremamente elevada; no momento, cerca de 30%."
As eleições previstas para 29 de maio de 2024 são altamente simbólicas, pois refletem um cenário político mais diversificado.
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O surgimento de novos partidos e a fragmentação política refletem a insatisfação crescente com o ANC e, também, a persistência de divisões étnicas e sociais na sociedade sul-africana. "O processo político relembra muitas dificuldades e desafios que o país viveu nas últimas décadas, mas acaba trazendo uma entrada para um novo momento político e de visão de Estado."
Atualmente, segundo ele, há mais de 40 partidos políticos, com uma variedade de ideologias e abordagens, em meio à desconfiança com a atual gestão. "Esses contextos fazem sentido dentro da sociedade sul-africana, porque, de certa forma, são questões pensadas no dia a dia de todos", destaca o pesquisador, referindo-se a questões raciais ou econômicas, por exemplo.
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Outro fator é a violência eleitoral. Segundo Carvalho, ela é mais concentrada em determinadas regiões, como a província de KwaZulu-Natal e não representa uma ameaça generalizada ao processo eleitoral.
O pesquisador diz confiar na Comissão Eleitoral Independente e na integridade das eleições sul-africanas, que "historicamente, têm sido livres, justas e democráticas".

Como é a desigualdade na África do Sul?

Carvalho reconhece que, embora tenha havido melhorias e maior aceitação em certos espaços, o racismo continua a ser uma realidade na vida cotidiana dos sul-africanos, em meio às questões de desigualdade econômica.
Segundo ele, há uma dualidade peculiar na sociedade, em que a racialização é comum e até mesmo aceita, ainda que o racismo persista como uma questão não resolvida, especialmente fora de grandes centros urbanos.
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Uma das manifestações dessa realidade é a constante referência à raça como ponto de referência em interações sociais comuns.
O pesquisador destaca esse fenômeno, exemplificando que em situações simples, como pedir direções em um restaurante, é comum indicar o caminho com base na raça das pessoas presentes. Tal comportamento, embora aceito localmente, pode ser visto como estranho em outras culturas, diz ele.

O que foi a política do Apartheid?

A pesquisadora de África Subsaariana do Núcleo de Avaliação da Conjuntura (NAC), Luísa Barbosa Azevedo, relembra o contexto histórico em que o Apartheid institucionalizava a discriminação racial, promovendo a exclusão e a segregação da maioria negra pela minoria branca. Esse regime, que perdurou de 1948 até as primeiras eleições multirraciais em 1994, deixou um "legado de injustiça e desigualdade social".

"Esse regime não aconteceu do nada, como também não vai sair do nada. Existe uma grande herança histórica e racial."

Ela ressalta que as eleições de 1994 representaram um ponto de virada na história sul-africana, marcando a ascensão de Nelson Mandela como o primeiro presidente negro do país e simbolizando a promessa de uma sociedade democrática e inclusiva. No entanto, apesar dos progressos alcançados, muitos desafios persistem.

"As políticas de ações afirmativas do governo Mandela beneficiaram bastante, asseguraram direitos e uma transição pacífica para o país", observa. "Trinta anos parecem muito, mas ainda é pouco. A África do Sul optou por uma transição pacífica desse regime de opressão", completa.

Outro fator é que a histórica exclusão de não brancos do processo democrático gerou consequências profundas, afetando diretamente a aprovação de leis e projetos que mantinham os privilégios da minoria branca. "Só projetos que garantiam a manutenção dos privilégios passavam, eram aprovados."
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