Nesta sexta-feira (26), o presidente da França, Emmanuel Macron, considerou a aplicação de sanções contra líderes de assentamentos israelenses na Cisjordânia, em função do aumento da violência contra palestinos.
Durante conversa com o rei da Jordânia Abdullah II, os líderes "condenaram de maneira firme as recentes declarações de Israel sobre os assentamentos", que são "contrários à lei internacional", reportou a AFP.
A iniciativa francesa ecoa a aplicação de sanções pelos EUA contra colonos considerados extremistas por Washington. Na semana passada, os Estados Unidos sancionaram o líder do grupo de assentados Levaha, Bentzi Gopstein, próximo do ministro da Segurança Pública de Israel, Itamar Ben-Gvir.
Itamar Ben-Gvir, ministro da segurança nacional do novo governo de Benjamin Netanyahu, participa de uma reunião semanal de gabinete em 3 de janeiro de 2023
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Nesta semana, o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, avalia a aplicação de sanções contra a unidade das Forças de Defesa de Israel, Netzach Yehuda, reportou o portal Axios. Autoridades norte-americanas estudam aplicar a Lei Leahy, que proíbe os EUA a enviar ajuda militar e financeira para unidades militares que estejam implicadas em violações aos direitos humanos.
Caso aplicada, essa seria a primeira vez que os EUA imporiam sanções contra forças militares de Israel, com consequências abrangentes para a aliança entre os dois países.
"Com certeza será um divisor de águas. Os EUA são o maior aliado de Israel no cenário internacional, é uma aliança especial", disse a professora de Relações Internacionais e assessora do Instituto Brasil-Israel, Karina Calandrin, à Sputnik Brasil. "A aplicação de sanções pelos EUA contra Israel coloca em xeque o futuro dessa relação."
Segundo ela, a unidade Netzach Yehuda "atua como uma milícia nos assentamentos na Cisjordânia", com o objetivo "de ocupar mais territórios e estender a ocupação israelense", até que "os palestinos percam o direito" às terras.
Fumaça sobe após explosão perpetrada pelas Forças de Defesa de Israel (FDI) no campo de refugiados Nur Shams, na Cisjordânia, em 20 de abril de 2024
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O governo israelense respondeu de forma dura à intenção norte-americana de aplicar sanções à unidade militar Netzach Yehuda. De acordo com postagem do ministro da Defesa, Benny Gantz, na plataforma X, a decisão "abriria precedente perigoso e passaria a mensagem errada aos nossos inimigos comuns em tempos de guerra".
"Se alguém acha que pode impor sanções contra uma unidade das Forças de Defesa de Israel – eu lutarei contra isso com todas as minhas forças", declarou o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, na plataforma X.
De acordo com Calandrin, as sanções dos EUA têm como alvo a política de assentamentos e sua ligação intrínseca com a extrema direita do país. As sanções acirrariam as disputas entre a extrema direita e demais frações do governo israelense sobre o financiamento dos assentamentos, que poderia levar a um racha no governo, explica a assessora do Instituto Brasil-Israel.
O primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu, ao centro, sorri enquanto Itamar Ben-Gvir, ministro da Segurança Nacional, e o ministro da Educação, Yoav Kisch, à esquerda, olham para o parlamento de Israel, o Knesset, em Jerusalém, 22 de fevereiro de 2023
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"Os partidos da extrema direita foram eleitos prioritariamente com votos de colonos, então é interessante para esse partido que o financiamento [aos assentamentos] continue", disse Calandrin. "Será uma queda de braço, que pode levar um grupo a sair da coalisão, o governo a perder a maioria e novas eleições serem convocadas."
Morde e assopra
Apesar da retórica inflamada, os EUA ameaçam a aplicação de sanções alguns dias após terem aprovado pacote de ajuda de US$ 26 bilhões (R$ 133 bilhões) para Israel. O financiamento é essencial para que Israel continue a sua operação militar em Gaza, que já vitimou cerca de 34 mil pessoas e coloca os moradores do enclave em situação de fome e extrema carestia.
Para o professor de Relações Internacionais da PUC-SP e pesquisador do Grupo de Estudos sobre Conflitos Internacionais, Bruno Huberman, os EUA acenam com sanções contra Israel para aplacar as crescentes críticas a Tel Aviv por sua condução violenta da operação em Gaza.
"Essas seriam ações que não teriam efetividade verdadeira. São medidas mínimas de mitigação", disse Huberman à Sputnik Brasil. "Mas para o público interno [norte-americano] e para seus parceiros internacionais, mostra que os EUA supostamente estariam tentando conter Israel."
O contexto eleitoral nos EUA e aumento dos protestos contrários à guerra em universidades de elite do país pressionam o governo Biden a fornecer respostas, ainda que limitadas.
Policial detém um manifestante no campus de universidade em Atlanta, nos Estados Unidos, 25 de abril de 2024
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"Biden está colocando sua reeleição em risco por causa de Israel. Uma boa parte do seu eleitorado mais progressista, de ascendência árabe, os muçulmanos, estão abandonando a candidatura Biden", considerou Huberman. "Essas ações contra Israel podem garantir votos para Biden entre os grupos mais à esquerda do Partido Democrata."
As eventuais sanções contra Israel também são um aceno a parceiros internacionais dos EUA, insatisfeitos com o comportamento de Tel Aviv. Com seu principal aliado no Oriente Médio cada vez mais isolado, os EUA procuram controlar qual será o caráter da resposta internacional a Israel.
"Os EUA procuram estar no controle das ações de contenção a Israel. Querem controlar quais sanções são aceitáveis, e quais são inaceitáveis", explicou Huberman. "Sanções a setores militares específicos são toleráveis, mas sanções econômicas não, por exemplo."
Nesse sentido, as sanções propostas por Washington têm como alvo a extrema direita israelense, grupo que nutre relações instáveis com o atual governo na Casa Branca.
Palestinos inspecionam as ruínas de um prédio residencial após ataque aéreo israelense em Rafah, Faixa de Gaza, em 29 de março de 2024
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"Biden busca conter a extrema direita sem necessariamente se opor ao governo de Israel. O argumento é que haveria uma diferença entre esses atores que atuam de forma violenta contra a Palestina e o governo israelense como um todo. Mas não há", declarou Huberman. "Esses atores são o governo. Representam o Estado, são um braço do Exército."
A estratégia de Washington com as sanções aventadas, portanto, são de aplicar a "tática das 'maçãs podres', indicando que o problema não seria a política contra a Palestina como um todo, mas sim alguns membros que se excedem e propagam ideias de extrema direita".
"De resto, o apoio dos EUA a Israel nas áreas que realmente importam continua inalterado: ajuda militar, apoio na resposta israelense ao Irã. Então, por mais que haja uma crise nas relações, essas sanções não são um divisor de águas", concluiu o especialista.