Com o avanço da guerra em Gaza perpetrada pelas Forças de Defesa de Israel (FDI), o movimento de trabalhadores de gigantes da tecnologia No Tech for Apartheid, composto por
funcionários do Google e da Amazon, iniciou uma série de protestos e paralisações contra a atuação dessas empresas em Israel.
Entre as iniciativas contestadas está o projeto Nimbus, no qual ambas as empresas fornecem serviços de armazenamento em nuvem aos militares e ao
governo de Israel.
O contrato, no valor de US$ 1,2 bilhão (R$ 6,5 bilhões), permite "maior vigilância e coleta de dados ilegais sobre os palestinos e facilita a expansão dos assentamentos ilegais de Israel em terras palestinas", afirmaram os trabalhadores em carta oficial.
Para Sérgio Amadeu da Silveira, professor da Universidade Federal do ABC (UFABC), doutor em ciência política e pesquisador de redes digitais e das implicações da inteligência artificial, as big techs não são apenas ferramentas que surgem para melhorar a experiência do usuário, mas são, atualmente, "infraestruturas de ataques a populações civis".
Amadeu classifica as big techs também como "
estruturas de poder político global" e cita o projeto Lavender, desenvolvido pelo Exército israelense à base de
inteligência artificial.
O projeto, de acordo com o professor, rastreia as informações da população da Faixa de Gaza a partir do "uso que elas fazem
de telecomunicações, da Internet, de buscadores, de redes sociais. Esses dados alimentaram uma base que existia e um
modelo pré-treinado para detectar quem seria do Hamas ou simpatizante do Hamas".
Ainda citando a obra, Amadeu conta que jornalistas israelenses detectaram que a tecnologia tinha a chance de errar 10% em relação a detectar quem seria ou não do Hamas. Independentemente disso ou do nível de proximidade ou simpatia pelo grupo militante palestino, os detectados pelo sistema eram punidos.
"A gente precisa discutir essa ideia de produção de alvos a partir de redes sociais, de vigilância em comunicações", chama a atenção o professor, criticando o método da tecnologia de detecção de alvos, que estabelece que uma pessoa pode ser atingida por um míssil a partir de reações nas redes sociais. "Isso tem que ser considerado um crime de guerra", acrescenta.
Amadeu argumenta que o Brasil tem empresas de processamento de dados construídas há muito tempo para a proteção de dados, entretanto, "por conta do avanço do neoliberalismo no mundo, várias gestões de vários governos não se prepararam para uma soberania digital".
"Soberania de dados diz respeito a que a nossa sociedade possa ter governança plena sobre os dados que são sensíveis de sua população, dos seus indivíduos", explica.
Apesar de o Brasil ter algumas infraestruturas de armazenamento de dados, o professor indica que "o próprio governo federal tem incentivado que seus órgãos coloquem dados na chamada nuvem dessas
big techs, em especial da Amazon, da Microsoft e do Google".
Com essa política, inúmeros são os dados de brasileiros que vão parar "nas mãos das big techs", sejam dados educacionais — segundo pesquisa do Observatório Educação Vigiada, citada por Amadeu, 70% das infraestruturas de e-mail, de listas de discussão, de armazenamento de pesquisas e das universidades brasileiras foram entregues ao Google.
Um dos motivos dessa "entrega" dos dados públicos a gigantes da tecnologia seria um preço mais convidativo em um primeiro momento. Já a longo prazo, o custo-benefício é questionado pelo especialista.
Dados compartilhados com aplicativos do governo federal ou o uso de um modelo de linguagem pronta, feito por uma big tech, preferidos pelo Poder Judiciário a fim de "resolver o problema dele rápido", são exemplos de dados públicos sensíveis no controle de gigantes da tecnologia.