Panorama internacional

Países árabes reconhecem a importância de não desagradarem o Irã, diz analista

O retorno das relações diplomáticas entre o Irã e a Arábia Saudita no ano passado, graças à mediação da China, mudou o cenário geopolítico do Oriente Médio. Um ano depois e um conflito em Gaza em jogo, como está hoje o clima entre as duas potências da Ásia Ocidental?
Sputnik
A história da desavença dessas duas nações e do restabelecimento da diplomacia, assim como as possíveis rusgas que o Irã e a Arábia Saudita podem enfrentar graças ao conflito de Israel e Palestina, foi explorada no episódio do Mundioka desta quinta-feira (2), podcast da Sputnik Brasil apresentado pelos jornalistas Melina Saad e Marcelo Castilho.

As relações entre Irã e Arábia Saudita

Com grandes extensões territoriais, o Irã e a Arábia Saudita lutam há algumas décadas pelo protagonismo geopolítico na região da Ásia Ocidental, o que gerou atrito entre os dois países ao longo do tempo.
Não ajuda também que os países "representam dois antagonismos religiosos", afirma Wiliander Salomão, professor de direito internacional da Universidade de Itaúna (UIT).
"A Arábia Saudita é uma potência sunita, e o Irã é uma potência xiita. […] na maioria dos países sunitas, a minoria xiita sempre é perseguida", explicou. "E o Irã sempre dá um jeito de ajudar esses grupos a se defender ou, até mesmo, A atacarem os grupos sunitas majoritários."
Esse caráter religioso explicita até algumas similaridades entre os dois países, afirma Jorge Mortean, geógrafo pela Universidade de São Paulo (USP), mestre em estudos regionais do Oriente Médio pela Escola de Relações Internacionais do Ministério de Relações Exteriores do Irã , doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia Humana da USP e bolsista pela Capes como pesquisador visitante da Universidade McGill, em Montreal.
São "dois Estados pautados em uma estrutura teocrática, mais o Irã do que a Arábia Saudita, mas essa também é um conluio entre um governo civil, que é a casa de Saud, com a organização clérica wahabita, que dita as regras desde 1937".
Contudo, apontam os analistas, a relação dos dois países é também muito influenciada pela geopolítica mundial.
Depois da Revolução Islâmica de 1979, quando a população do Irã destronou o xá Reza Pahlavi e seu governo, "totalmente ocidental e maior aliada dos Estados Unidos", ressalta Salomão, os EUA começaram a incentivar seus aliados a se virarem contra o Irã, destacou o professor.
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Irã e Arábia Saudita: o rompimento de relações em 2016

Após incidentes diplomáticos ao longo das décadas, no início de 2016 o Irã anunciou o rompimento de relações diplomáticas com a Arábia Saudita após 47 pessoas serem condenadas à morte em diversas cidades sauditas, incluindo Nimr al-Nimr, "um clérigo xiita bem influente", disse Salomão.
Desde então uma série de episódios estremeceram ainda mais as relações, como o bombardeio da Embaixada iraniana no Iêmen.
Da mesma forma, foram empreendidos por países do mundo árabe, como o Paquistão, a fim de normalizar as relações das duas potências islâmicas. Mas foi a graças a um acordo mediado pela China que, em 2023, as relações dos dois países foram restauradas.

O que significa a 'amizade' entre Irã e Arábia Saudita?

O restabelecimento dessas relações diplomáticas, ainda que esteja no início do processo, já remodelou o teatro do Oriente Médio, demonstraram os analistas, seja a partir da guerra em Gaza, seja a partir da região na geopolítica mundial.
A verdade é que, para ambos os países, a normalização é uma boa notícia. Para a Arábia Saudita, isso traz estabilidade para a região, que a permite tocar o projeto Visão 2030 da Arábia Saudita, "um plano de metas de longo prazo para mudar a estrutura econômica do país até 2030", explicou Salomão.

"Economicamente, é vital para a Arábia Saudita se tornar menos dependente do petróleo e começar a investir em energia renovável, como energia solar, energia eólica, como já faz com sucesso os Emirados Árabes Unidos."

Já o Irã ganha certo espaço de manobra em sua economia ao conseguir negociar com um vizinho bastante rico. Hoje, aponta Salomão, os iranianos são muito dependentes das compras de petróleo da China.
A China, inclusive, é outra nação que sai como vitoriosa nessa reaproximação que, além de conseguir criar certa estabilidade na região para a sua Iniciativa Cinturão e Rota, "enfraquece a influência dos Estados Unidos na região", afirmou o professor de direito internacional.
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Israel pode causar uma nova cisão?

Israel e Arábia Saudita, através dos Estados Unidos, estavam caminhando para uma normalização das relações até os planos irem por água abaixo com os ataques do Hamas em 7 de outubro e a subsequente resposta israelense.
A inimizade entre o país saudita e Israel só não é maior do que a dos iranianos pelo país israelense. Só que, como ressalta Mortean, Irã e Israel não dividem fronteira, o que complica qualquer contenda entre os dois países.

"Quando se fala da possibilidade de aventar-se algum tipo de conflito, eu acho que a geografia é o maior empecilho."

Como ressalta o pesquisador, um conflito direto entre os dois países mobilizaria muito esforços para ambos os países e mudaria drasticamente a geopolítica da região, algo que nem Israel, nem o Irã nem a Arábia Saudita gostaria que ocorresse, uma vez que ameaça à programação da Visão 2030.

"Nós temos também tropas americanas estacionadas pela região inteira que, com certeza, não ficariam à mercê de um conflito praticamente letal entre israelenses e iranianos", lembrou Mortean.

"Pelo que eu tenho acompanhado […], acho que nem por conversas informais sauditas e iranianos tocam em questões israelenses", disse Mortean. Ou seja, ambos os países evitam tocar em assuntos que podem causar uma nova rixa.
"Nessa escalada de violência com Israel, a Arábia Saudita está se mostrando neutra. Neutra até demais", destacou Salomão.

"Já tem um ano dessas relações, e elas não foram abaladas. Não teve nenhum chefe de Estado dos dois países condenando um ao outro, principalmente esse ataque a Israel", disse Salomão.

A busca por não desagradar o Irã não é exclusiva dos sauditas, ressaltou Mortean.
Recentemente, nas chuvas que fecharam o aeroporto de Dubai, "um voo que vinha de Tel Aviv foi obrigado a desviar para Abu Dhabi [Emirados Árabes Unidos], mas ninguém pode desembarcar", disse Mortean.
"O voo inclusive voltou com o mesmo número para Tel Aviv […], como se o avião tivesse decolado e pousado no mesmo lugar, sem ter pousado no seu destino. E as autoridades emiradenses não deram maiores explicações."

"Isso tudo demonstra que os árabes, de certa forma, reconhecem que é importante uma aproximação com Israel, mas também não querem desagradar qualquer movimento que vá sinalizar qualquer ação que seja contrária aos iranianos."

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