A União Europeia (UE) impôs sanções à Rosatom, que administra as usinas de energia atômica da Rússia, logo após o início da operação militar especial russa na Ucrânia, em fevereiro de 2022. Já o Senado dos EUA aprovou em 30 de abril deste ano um projeto de lei para proibir a importação de urânio russo (HR 1042), que aguarda sanção do presidente Joe Biden.
Um dos elementos dessa perigosa "desconexão" de Moscou é a recusa em comprar combustível nuclear russo. Nas últimas semanas, dois perigos decorrentes dessa política ocidental ficaram evidentes.
Primeiro, alimentar reatores nucleares de fabricação russa com combustível não russo na Europa Oriental pode ser perigoso.
Em 2019, quando as usinas nucleares ucranianas começaram a usar combustível produzido pela empresa americana Westinghouse por razões políticas, o chefe da Rosatom, Aleksei Likhachev, explicou que os reatores russos exigem combustível produzido de acordo com os padrões russos. Adaptar reatores russos para usar combustível da Westinghouse é possível, mas requer cooperação, que não foi bem recebida pelo lado ocidental, comentou ele.
A Rosatom fornece 100% do urânio da classe HALEU (urânio de baixo enriquecimento de alta pureza), com um grau de 5% a 20% de enriquecimento, aos EUA, não sendo nenhum desses combustíveis produzidos em solo americano.
Reatores russos e soviéticos ainda estão em operação em muitos países europeus, incluindo República Tcheca, Eslováquia, Bulgária e Finlândia.
O segundo perigo: a UE não tem a capacidade de substituir o combustível russo. Se a cooperação com a Rússia cessar, os europeus terão que fechar mais reatores nucleares que produzem energia.
Após a "saída do átomo" da Alemanha em 2022 e a queda na geração de energia na França e no Reino Unido, novos fechamentos podem levar à mais profunda crise energética na Europa em décadas.
Tanto a estatal russa Rosatom como especialistas internacionalmente conhecidos têm alertado sobre os riscos da política ocidental voltada para a substituição do combustível e da tecnologia russos por alternativas ocidentais menos confiáveis.
"O contexto político não deve desestabilizar os processos de mercado", disse a Rosatom em comunicado emitido na segunda-feira (6). "A cooperação internacional baseada em condições de mercado mutuamente vantajosas e transparentes agora é de importância crítica."
No entanto, na quarta-feira (8), o Reino Unido revelou outro projeto voltado para tornar o uso de combustíveis nucleares russos "irrelevante".
Londres anunciou que gastaria quase US$ 251 milhões (mais de R$ 1 bilhão) na construção de uma planta para produzir urânio da classe HALEU no noroeste da Inglaterra. O projeto pretende impulsionar os setores de energia nuclear em declínio do Reino Unido e da França, tornando o HALEU "o combustível nuclear do futuro".
Para a UE e o Reino Unido, a decisão de impor sanções à Rosatom após 22 de fevereiro não poderia ter sido tomada em um momento pior.
Na Alemanha, a última usina nuclear foi fechada em 15 de abril de 2023, aumentando a crise energética. O ministro da Economia, Robert Habeck, agora é acusado de não informar a população sobre os perigos da "saída do átomo" da Alemanha. Vários veículos de mídia alemães publicaram os "documentos de Habeck", mostrando que ele agravou deliberadamente a crise energética que atingiu a Alemanha em 2022–2023.
O setor nuclear britânico também está em declínio. A promessa do ex-primeiro-ministro Boris Johnson de tornar um quarto da produção de energia do país nuclear até 2050 já fracassou. O projeto de uma grande usina nuclear, Hinckley Point C, já tem atraso de quatro anos na construção, o que significa que poderá se tornar operacional apenas em 2031.
Ainda segundo um especialista no ramo, investidores chineses estão abandonando o setor de energia nuclear europeu devido à pouca confiabilidade e às sanções ocidentais — ou ao medo de novas sanções que possam surgir no futuro.