Panorama internacional

Testes nucleares subcríticos dos EUA podem desencadear nova corrida atômica, diz analista

EUA anunciam a realização de mais um teste nuclear subcrítico em laboratório subterrâneo, gerando forte reação internacional. Ainda que não viole tratados, o evento pode gerar uma nova onda mundial de testes nucleares, com consequências para a saúde humana e segurança internacional, acreditam especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil.
Sputnik
Na última segunda-feira (20), a Administração Nacional de Segurança Nuclear do Departamento de Energia dos EUA informou ter conduzido um teste nuclear subcrítico para coletar "dados essenciais" sobre as ogivas nucleares norte-americanas.
O teste nuclear subcrítico, realizado em laboratório subterrâneo, é o terceiro empreendido pela administração Biden e o 34º a ser realizado desde que os EUA impuseram moratória sobre testes envolvendo explosões nucleares em 1992.
A Administração Nacional de Segurança Nuclear dos EUA informou em comunicado que "depende de experimentos subcríticos para coletar informações valiosas para apoiar a segurança, a confiabilidade e a eficácia das ogivas nucleares [dos Estados Unidos] da América, sem o uso de testes de explosivos nucleares".
"Planejamos aumentar a frequência desses experimentos subcríticos para continuar a coletar dados importantes sobre materiais de armas nucleares, sem a necessidade técnica de um retorno aos testes subterrâneos com explosivos nucleares", disse Marvin Adams, vice-diretor de programas de defesa da Administração Nacional de Segurança Nuclear dos EUA.
De acordo com a especialista em política nuclear, doutora em Estudos Estratégicos Internacionais e especialista em política nuclear, Michelly Geraldo, testes nucleares subcríticos são mais seguros por não gerarem uma explosão nuclear.
Imagem de ogiva nuclear norte-americana instalada no interior do estado de Dakota do Norte
"O teste subcrítico não alcança uma reação nuclear em cadeia e sustentada. Ele leva ao rendimento zero, ou seja, sem liberação de energia", disse Geraldo à Sputnik Brasil. "Ele é um experimento realizado em um ambiente controlado, justamente para adquirir dados essenciais e estudar o comportamento das matérias e materiais nucleares, como plutônio e urânio."
O professor aposentado do Departamento de Energia Nuclear da UFMG e delegado da Associação de Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG), Inácio Campos, concorda, e lembra que testes subcríticos são realizados não só para "garantir a segurança e eficácia de ogivas nucleares", como sua "integridade e performance, sem desencadear uma explosão nuclear".
Ainda que a condução de testes subcríticos realizados em laboratórios subterrâneos não necessariamente viole acordos internacionais sobre testes nucleares, como o Tratado de Interdição Parcial de Ensaios Nucleares de 1963 e o Tratado de Interdição Completa de Ensaios Nucleares (CTBT, na sigla em inglês) de 1996, a decisão norte-americana gerou críticas internacionais.
Foto tirada pela Agência Nuclear de Defesa dos EUA em 1980, mostra a enorme cúpula construída sobre uma cratera deixada por um dos 43 testes nucleares sobre a ilha Runit, em Enewetak, nas Ilhas Marshall.
O governador da região de Hiroshima, no Japão, publicou carta aberta endereçada ao presidente dos EUA, Joe Biden, na qual expressa frustração quanto ao teste e reafirma o caráter "desumano" e "imoral" das armas nucleares.
"Senhor presidente [Biden], na Cúpula do G7 em Hiroshima, realizada há um ano, juntamente com outros líderes do G7, o senhor expressou a sua aspiração ao desarmamento nuclear. Isso foi verdadeiramente significativo. Apenas um ano depois, porém, os Estados Unidos realizaram um teste nuclear subcrítico, que decepcionou tremendamente os cidadãos de Hiroshima", escreveu o governador de Hiroshima, Hidehiko Yuzaki.
Para Yuzaki, a realização de testes subcríticos abre as portas para que outros países nuclearmente armados conduzam ensaios, minando esforços internacionais em favor da não proliferação e desarmamento nuclear.
Correspondente aliado visita escombros de Hiroshima após ataque nuclear dos EUA, em 8 de setembro de 1945
De fato, na segunda-feira (20), a Coreia do Norte condenou os testes subcríticos norte-americanos, afirmando que eles exacerbam as tensões e desestabilizam a segurança internacional. Em resposta, Pyongyang diz considerar medidas para reforçar suas capacidades de dissuasão nuclear – o que poderia implicar na realização de mais testes nucleares.
"Países como o Brasil, que estão vinculados ao Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares, veem esse tipo de ação [dos EUA] como um colapso dos acordos", disse Geraldo. "Por mais que, do ponto de vista técnico, o teste nuclear subcrítico não viole o CTBT, isso pode levar a um aumento na frequência e escala desse tipo de ensaio."
Para Geraldo, o aumento na escala poderia significar, inclusive, que futuros testes nucleares não ficariam restritos ao nível subcrítico, tampouco a laboratórios subterrâneos. Os testes mais danosos à saúde humana são os realizados na atmosfera, com danos significativos para as populações e para o meio ambiente.
Base francesa no tol de Moruroa, no sul do oceano Pacífico, onde a França conduziu 138 testes com armas nucleares até 1996, em 13 de fevereiro, 2014. (Foto de arquivo).
"Testes como os dos EUA contribuem para gerar um clima de desconfiança e competição entre os Estados", lamentou Geraldo. "Quando um país realiza um teste subcrítico pode ser percebido pelos demais como uma tentativa de ganhar ou manter uma vantagem tecnológica nuclear."
Além disso, a realização de testes pode ser recebida como uma prova de que o país está modernizando os seus arsenais, ou verificando sua operacionalidade, o que "pode provocar respostas de outras nações, preocupadas com a manutenção do equilíbrio estratégico internacional".
Por outro lado, países nuclearmente armados afirmam que a realização de testes subcríticos configura em uma maneira segura de garantir a manutenção das ogivas nucleares, estacionadas em silos por décadas a fio.
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"As armas nucleares também envelhecem, então é necessário garantir que elas estejam funcionando conforme o projetado", notou Geraldo. "E essa é uma das justificativas dos EUA para realizar esses testes."
Para o professor aposentado do Departamento de Energia Nuclear da UFMG, testes são essenciais para a evolução da pesquisa nuclear. No entanto, ele lamentou que as informações sobre explosões nucleares não sejam compartilhadas internacionalmente, o que leva mais países a realizarem ensaios para obter dados essenciais sobre materiais físseis.
"Também temos que lembrar que a tecnologia segue evoluindo, com a possibilidade de desenvolver a fusão nuclear como fonte de energia. A busca de novas alternativas energéticas pode, sim, levar a uma nova onda internacional de testes nucleares", apontou o professor Inácio Campos. "Países que detêm alto nível de tecnologia certamente conduzirão testes para evoluir esse conhecimento."
Ainda que existam justificativas na seara da segurança nuclear e desenvolvimento tecnológico, testes nucleares impõem riscos à saúde humana, ao meio ambiente e à paz e segurança internacionais, apontou a especialista em política nuclear Michelly Geraldo.
"A comunidade internacional busca proibir a realização de testes nucleares por questões evidentes, já que todo teste de certa forma contribui para a proliferação de armas nucleares e incentiva o desenvolvimento dessa tecnologia", disse Geraldo. "Ainda que os testes subterrâneos sejam os mais seguros, toda explosão nuclear libera grandes quantidades de radiação."
Teste da bomba nuclear americana B61-12
A especialista aponta que, para os críticos de testes subcríticos, esses ensaios vão contra a finalidade do tratado CTBT, uma vez que "são uma ferramenta para desenvolver e aperfeiçoar a tecnologia" de armas nucleares, o que, ao fim e ao cabo, vai contra o objetivo do desarmamento.
Nesta segunda-feira (20), a representante oficial do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, Maria Zakharova, comentou a realização dos testes subcríticos dos EUA, afirmando que, de acordo com a interpretação russa, não há violação do Tratado de Interdição Completa de Ensaios Nucleares (CTBT). No entanto, a Rússia "urge Washington a honrar os seus compromissos de proibição de testes nucleares, renuncie à sua política destrutiva em relação ao CTBT e tome medidas imediatas para ratificar o tratado".
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