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'Negar o uso do espaço pelo adversário': potências se preparam para a guerra orbital, diz analista

CC BY 2.0 / Força Aérea dos EUA / Satélite dos EUA
Satélite dos EUA - Sputnik Brasil, 1920, 23.05.2024
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EUA e aliados votaram contra resolução proposta por Rússia e China na ONU para proibir a instalação de armas no espaço sideral. A militarização do espaço abriria Caixa de Pandora e corrida armamentista entre grandes potências, com consequências imprevisíveis para a humanidade, alertaram especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil.
Nessa segunda-feira (20), resolução proposta por Rússia e China no Conselho de Segurança da ONU para proibir a instalação de armas convencionais e de destruição em massa no espaço foi rejeitada por países ocidentais liderados pelos EUA. A resolução tinha como objetivo impedir não só a militarização do espaço sideral, mas também uma nova corrida armamentista.
A resolução patrocinada por Rússia e China contou com o apoio dos membros não permanentes do conselho como Equador, Guiana, Argélia, Moçambique e Serra Leoa. No entanto, o voto contrário de EUA, França e Reino Unido impediram a aprovação do documento.
"Os EUA e seus aliados, apesar das medidas que tomamos para incluir as propostas deles, se opuseram à nossa iniciativa construtiva e abrangente", disse a representante oficial do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, Maria Zakharova. "Dessa forma, eles demonstraram que a sua prioridade em relação ao espaço não é o manter livre de armas nucleares, mas sim o transformar em um campo de batalha."
No final de abril, EUA e Japão apresentaram resolução para banir a instalação de armas de destruição em massa no espaço – o que já foi feito pelo Tratado do Espaço Sideral de 1967. O texto nipo-americano, no entanto, não proibia a instalação de armas convencionais no espaço, o que foi considerado uma falha grave por Moscou.
© Sputnik / Sergei GuneevA representante oficial do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, Maria Zakharova, participa de seu briefing semanal em Moscou, Rússia, 3 de março de 2024
A representante oficial do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, Maria Zakharova, participa de seu briefing semanal em Moscou, Rússia, 3 de março de 2024 - Sputnik Brasil, 1920, 23.05.2024
A representante oficial do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, Maria Zakharova, participa de seu briefing semanal em Moscou, Rússia, 3 de março de 2024
A resolução proposta por Rússia e China nesta semana incluía a maioria das proposições da resolução de EUA e Japão, mas expandia o seu escopo. Dentre as propostas da resolução sino-russa estavam a adoção de "medidas urgentes para prevenir a instalação de armas no espaço e a ameaça de uso da força no espaço, assim como a partir do espaço contra a Terra e a partir da Terra contra objetos no espaço", conforme reportou o jornal Kommersant .
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O representante da Rússia no Conselho de Segurança da ONU, Vasily Nebenzya, lamentou os votos contrários à resolução, dizendo que há um fosso entre "aqueles que querem uma exploração pacífica do espaço, e aqueles que querem a sua militarização".

"Pedimos a todos que pensem sobre as consequências que os habitantes da Terra terão que enfrentar em caso de militarização do espaço sideral", disse Nebenzya durante reunião do conselho. "E as chances deste cenário se tornar realidade - como foi provado novamente por EUA e seus aliados, está, infelizmente, se tornando cada vez mais provável."

Afinal, quais as aplicações que armas convencionais e nucleares poderiam ter no espaço? Elas seriam utilizadas para abater alvos na Terra ou objetos espaciais? E quais os riscos que uma explosão nuclear no espaço representaria para a humanidade? A Sputnik Brasil conversou com especialistas na área para responder a essas e outras perguntas sobre a militarização do espaço.
"Apesar de a ficção científica já ter explorado a possibilidade de uso de armas nucleares no espaço contra invasões extraterrestres ou cometas em rota de colisão com a Terra, o uso mais provável será contra os recursos satelitais do grupo oponente, para liquidar, reduzir ou afetar sua capacidade de comunicação, coordenação estratégica e navegação", disse o professor de engenharia aeroespacial da Universidade Federal do ABC (UFABC), Antonio Gil Vicente de Brum, à Sputnik Brasil.
O uso de armas nucleares contra a rede de satélites de um país inimigo, no entanto, não seria capaz de distinguir objetos militares e civis. Portanto, um ataque geraria fortes perdas financeiras "já que as economias das grandes potências são baseadas nos recursos espaciais próprios e de seus aliados", notou Vicente de Brum.
"Um dispositivo nuclear detonado no espaço atingiria indiscriminadamente tanto satélites de EUA e aliados, quanto de russos e chineses. Não há como controlar isso", apontou Vicente de Brum.
© AFP 2023Lançamento de foguete Longa Marcha 2F do Centro de Lançamento de Satélites de Jiuquan, na China, em 15 de setembro de 2016
Lançamento de foguete Longa Marcha 2F do Centro de Lançamento de Satélites de Jiuquan, na China, em 15 de setembro de 2016 - Sputnik Brasil, 1920, 23.05.2024
Lançamento de foguete Longa Marcha 2F do Centro de Lançamento de Satélites de Jiuquan, na China, em 15 de setembro de 2016
O caráter indiscriminado da explosão nuclear no espaço diminui a sua viabilidade de uso, apontou o doutor em geografia e coronel da reserva da Força Aérea Brasileira (FAB), Carlos Eduardo Valle Rosa. Segundo ele, as capacidades nucleares contemporâneas incluem foguetes em terra que atingiriam alvos no espaço, em particular satélites.

"A intenção é desenvolver novas capacidades para negar o uso do espaço pelo adversário", disse Valle Rosa. "Mas o uso dessas armas no espaço é improvável, já que os efeitos danosos são abrangentes. Elas literalmente inutilizam sensores, antenas, transmissores e toda a parte eletrônica dos satélites."

Os prejuízos para a sociedade na superfície são incomensuráveis, já que gerariam danos para a comunicação terrestre de maneira geral, considerou Valle Rosa. Além do lixo espacial que a explosão geraria, satélites podem perder a sua rota e colidir com outros objetos espaciais, gerando destruição em cadeia.

'"Sistemas militares espaciais seriam destruídos? Sim. Mas também teríamos efeitos na sociedade de uma forma geral, em função da nossa dependência de sistemas satelitais para comunicação e atividade econômica como um todo", alertou Valle Rosa. "Isso é um enorme problema."

Segundo o coronel da reserva da FAB, que conversou com a Sputnik Brasil em caráter pessoal e não em nome da Força Aérea, os EUA realizaram uma explosão nuclear em 1962, que demonstrou o caráter destrutivo que uma explosão nuclear no espaço teria para a vida na Terra.
"Já houve uma explosão nuclear no espaço, conduzida pelos EUA, cujo propósito, em tese, era científico. Houve a detonação de uma bomba de 1,4 megaton, uma arma de relativa baixa capacidade" relatou Valle Rosa. "Os efeitos da detonação no espaço foram muito maiores do que se antevia."
© AP Photo / John RaouxA United Launch Alliance lança o foguete Atlas V com o satélite SBIRS GEO 5 na estação da Força Espacial dos EUA em Cabo Canaveral, na Flórida
A United Launch Alliance lança o foguete Atlas V com o satélite SBIRS GEO 5 na estação da Força Espacial dos EUA em Cabo Canaveral, na Flórida - Sputnik Brasil, 1920, 23.05.2024
A United Launch Alliance lança o foguete Atlas V com o satélite SBIRS GEO 5 na estação da Força Espacial dos EUA em Cabo Canaveral, na Flórida
O coronel relata os danos gerados na superfície em função do teste norte-americano, em particular para equipamentos eletrônicos e para a linha telefônica - essencial para a comunicação na época. A ilha do Havaí foi a maior prejudicada, enfrentando inclusive problemas no sistema de iluminação pública.
Do ponto de vista científico, "os testes causaram uma aurora artificial avermelhada, que iluminou o céu de países e cidades [...] por causa da grande quantidade de partículas carregadas geradas na explosão, em interação com o campo magnético terrestre e a atmosfera", disse Vicente de Brum.
© Foto / Corpo de Fuzileiros Navais da Marinha dos EUA / Anspeçada Dillon BuckLançamento de míssil a partir do polígono de Barking Sands, no Havaí
Lançamento de míssil a partir do polígono de Barking Sands, no Havaí - Sputnik Brasil, 1920, 23.05.2024
Lançamento de míssil a partir do polígono de Barking Sands, no Havaí
"Essa radiação acumulada, somada à da já existente proveniente do Сinturão de Van Allen e a atividade solar, aumenta a atividade radioativa no entorno da Terra, podendo danificar e mesmo destruir veículos espaciais que passem nesses setores", explicou o professor da UFABC. "O pulso eletromagnético gerado também pode atingir sistemas de comunicação em terra."
Apesar dos riscos, existem indícios de que potências militares já se preparam para uma eventual guerra no espaço. De acordo com o jornal The New York Times, o Pentágono desenvolve capacidades para guerrear no espaço e mantém seus desenvolvimentos como informação "altamente confidencial".
© AFP 2023 / Samuel Corum-Pool/Getty ImagesChefe de operações espaciais da Força Espacial, general John W. "Jay" Raymond revela insígnias para seus postos alistados
Chefe de operações espaciais da Força Espacial, general John W. Jay Raymond revela insígnias para seus postos alistados - Sputnik Brasil, 1920, 23.05.2024
Chefe de operações espaciais da Força Espacial, general John W. "Jay" Raymond revela insígnias para seus postos alistados
A reportagem do jornal norte-americano assegura que o Departamento de Defesa do país "pretende adquirir uma nova geração de ferramentas terrestres e espaciais que lhe permitirão defender a sua rede de satélites contra ataques e, se necessário, interromper ou desativar objetos espaciais inimigos em órbita".
"Os EUA também já trabalham com a hipótese de substituição acelerada de satélites que venham a ser neutralizados", apontou Valle Rosa. "Washington já desenvolveu métodos para repor satélites fundamentais em cerca de duas horas, em caso de ataque à sua rede."
A Casa Branca, por sua vez, aponta que a Rússia já teria tecnologia suficiente para fazer o mesmo e implantar armas no espaço no curto prazo, disse Vicente de Brum. A capacidade de uso de armas nucleares em terra contra alvos no espaço também é considerada alcançável para a maioria das potências atômicas da atualidade, considerou Valle Rosa.

"O importante é lembrarmos que, uma vez que um país colocar armas dessas no espaço, abrirá uma Caixa de Pandora com efeitos imprevisíveis", declarou Valle Rosa. "Ainda que o desenvolvimento e pesquisa tecnológicos sejam irreversíveis, implementar essas armas no espaço é uma decisão política."

O professor Vicente de Brum faz votos para que novos acordos de desarmamento sejam negociados, assinados e implementados pelas grandes potências militares, a fim de evitar o cenário sombrio que a militarização do espaço imporia.
"O mais grave é que a colonização do espaço com tais armas transformará o mundo em um lugar mais sujo, feio, triste e inseguro para todos. Afetando diretamente a esperança das pessoas e dos jovens na construção de um mundo mais humano, justo, igualitário, sustentável e belo", concluiu o especialista.
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