Panorama internacional

Tempos que ficaram para trás: o exemplo de cooperação entre rivais promovido por Nixon e Brezhnev

Em 26 de maio de 1972, Nixon e Brezhnev assinaram o Tratado sobre Mísseis Antibalísticos, comprometendo tanto os Estados Unidos quanto a União Soviética a reduzirem seus arsenais estratégicos em nome da estabilidade internacional. Hoje, as perspectivas sobre a assinatura de novos acordos de desarmamento parecem cada vez mais desalentadoras.
Sputnik
Com efeito, o Tratado sobre Mísseis Antibalísticos assinado por Nixon e Brezhnev previa que nenhum dos dois lados deveria implantar sistemas de defesa antimísseis que prejudicassem a dissuasão nuclear um do outro e, assim, induzir o adversário a atacar primeiro em uma situação de crise. Em verdade, por boa parte da Guerra Fria, o medo de uma escalada nuclear foi suficiente para dissuadir tanto os Estados Unidos como a União Soviética de embarcarem em uma provocação aberta contra a outra parte, o que tornou o mundo um pouco menos inseguro; para pensadores como o francês Raymond Aron, tal condição se manteria estável conquanto nenhuma das superpotências da Guerra Fria conseguisse de fato neutralizar a capacidade retaliatória da outra parte. Na prática, ambos os governos, tanto em Washington como em Moscou, tinham o conhecimento de que o desenvolvimento de armas nucleares cada vez mais letais paradoxalmente tornou a sua utilização "inviável", posto que uma guerra nuclear não poderia ter vencedores.
Foi diante desse contexto que os Estados Unidos e a União Soviética passaram a negociar a assinatura de diversos tratados envolvendo a temática nuclear e a limitação de armas estratégicas. A título de exemplo, durante o período da Guerra Fria foram assinados o Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP) em 1968; o Tratado sobre Mísseis Antibalísticos em 1972 entre Nixon e Brezhnev; assim como o Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário em 1987 por Reagan e Gorbachev, que eliminava o uso de mísseis balísticos e de cruzeiro terrestres (capazes de carregar ogivas nucleares) com alcance de 500-5.500 km em território europeu.
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Com o fim da União Soviética em 1991, por sua vez, as relações políticas entre os Estados Unidos e a Rússia adquiriram um tom de maior "cooperação", o que fez com que a dissuasão nuclear entre essas potências se tornasse menos importante. Em seu lugar, entraram as discussões sobre a questão da proliferação de armas de destruição em massa e o combate ao terrorismo internacional. Em vista desse novo cenário nas relações entre Moscou e Washington, os próprios norte-americanos declaravam que os acordos de controle de armas com a Rússia assinados durante a Guerra Fria eram uma parte importante da estratégia de segurança estadunidense porque garantiam a estabilidade e a previsibilidade internacionais, baseadas na diminuição do arsenal nuclear de ambas as potências, completando assim a transição de uma lógica de confronto para uma lógica de cooperação.
Contudo, não demoraria muito para que essa condição de estabilidade e previsibilidade garantidas pelos tratados assinados durante a Guerra Fria começasse a ruir. Em 2002, na esteira dos ataques terroristas de 11 de setembro, os Estados Unidos anunciaram sua saída unilateral do Tratado sobre Mísseis Antibalísticos, decisão essa bastante protestada pela Rússia. Não obstante, após a segunda expansão da OTAN em 2004, mísseis antibalísticos foram implantados em países como Polônia e Romênia sob os auspícios de Washington, que alegou que esses equipamentos eram destinados a proteger a Europa do Irã, argumento que não convenceu Moscou. A Rússia, por sua vez, encarou a situação como um sério fator desestabilizador que poderia ter um impacto significativo na segurança regional e global nos anos seguintes. Segundo o Kremlin, ademais, tais equipamentos poderiam facilmente ser convertidos em aparatos ofensivos dirigidos contra a Rússia, o que fez com que autoridades em Moscou começassem a acreditar que os Estados Unidos estavam na verdade desfazendo o "Equilíbrio de Poder" (ou Paridade Estratégica) estabelecido entre o Ocidente e a Rússia durante a Guerra Fria.
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No plano das relações internacionais existe o entendimento de que uma agressão é vista como menos provável quando os Estados equilibram suas capacidades ofensivas com as de potenciais agressores. A Casa Branca, por meio de suas atitudes, estava justamente tentando desfazer esse equilíbrio de forças. A Rússia, portanto, procurou aprimorar sua capacidade dissuasória nuclear, expandindo o alcance operacional de seus mísseis balísticos intercontinentais, além de investir em tecnologias inéditas que colocaram o país na vanguarda da arte militar. Hoje, por exemplo, a Rússia possui misseis hipersônicos que voam em trajetória não balística, colocando em cheque praticamente todo o sistema de defesa antimísseis instalado atualmente na Europa. Tudo isso se deu porque foram os norte-americanos quem primeiro enfraqueceram o clima de confiança previamente existente entre Moscou e Washington. Lembremo-nos também que, em fevereiro de 2019, o presidente americano Donald Trump anunciou que os Estados Unidos se retirariam do Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário, assinado ainda no período final da Guerra Fria entre o republicano Ronald Reagan e o último secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética, Mikhail Gorbachev. Na oportunidade, Putin enfatizou que a Rússia não seria o primeiro país a implantar mísseis de médio alcance na Europa, deixando claro que mais uma vez eram os Estados Unidos que procuravam prejudicar a paridade estratégica no continente.
De modo geral, o abandono desses tratados pelos americanos trouxe uma nova situação de tensão para as relações entre a Rússia e o Ocidente no século XXI, uma vez que o território europeu se tornou o principal palco da disputa em torno desse (des)equilíbrio de poder entre as partes. Ora, a necessidade de negociações entre Estados com capacidades nucleares deve se basear justamente no respeito ao "balanço de poder" como forma de evitar a possibilidade de conflitos que, em última análise, não terão vencedores. Quem dera pudéssemos voltar ao tempo em que a confiança mútua fora suficiente para aproximar até mesmo adversários tidos como "irreconciliáveis". Quem dera pudéssemos novamente seguir o exemplo de cooperação dado 52 anos atrás por Nixon e Brezhnev.
As opiniões expressas neste artigo podem não coincidir com as da redação.
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