Analistas: briga de parlamentares no Congresso é espelho de um Brasil 'para lá de polarizado'
Recentemente a Câmara dos Deputados tem sido palco de intensas discussões e conflitos físicos, refletindo a crescente polarização política no Brasil. Esses confrontos têm preocupado não apenas os parlamentares, mas também a população em geral, que assiste a essas cenas de animosidade com apreensão.
SputnikNo início do mês, por exemplo, uma discussão acalorada entre
os deputados federais André Janones (Avante-MG) e Nikolas Ferreira (PL-MG), que terminou em briga, marcou a sessão na Câmara em que se discutia a cassação de Janones por suspeita de rachadinha.
O parlamentar se livrou das investigações após um parecer de Guilherme Boulos (Psol-SP), mas a visibilidade do caso levantou questionamentos sobre o momento político que o Brasil vive.
Especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil verificam uma crescente polarização e radicalização no Congresso Nacional.
O professor da Universidade Federal de Goiás (UFG) e coordenador do Núcleo de Pesquisa em Comunicação, Cidadania e Política, Luiz Signates, afirma que o Brasil ainda passa por uma divisão produzida após o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), em 2016, que foi um dos fatores para a eleição de Jair Bolsonaro (PL) e a "radicalização de uma parte da direita brasileira", segundo ele.
"O radicalismo bolsonarista posicionou vários parlamentares no Congresso Nacional, conferindo uma força simbólica ainda maior às bancadas conservadoras, as chamadas bancadas 'B' — do boi, da bala e da Bíblia", explica.
Segundo ele, esse cenário não é uma exclusividade brasileira, como mostra
o ambiente político nos Estados Unidos e também na Europa, "sintomas do mesmo fenômeno".
Ernani Carvalho, cientista político e coordenador do curso de pós-graduação em ciência política da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), sinalizou que esses movimentos são reflexos de um Brasil para além de polarizado.
"Esses tratamentos indecorosos, por assim dizer, entre os deputados, entre os parlamentares em geral, são menos comuns entre os senadores e mais comuns na Câmara dos Deputados, até pela própria geografia da Câmara, que é muito mais ampla e com mais pessoas."
Carvalho ressalta que "esse tipo de ato indecoroso sempre existiu, claro. Durante o histórico, pelo menos nesse período democrático, aqui e ali nós vemos desavenças que são frequentemente levadas ao Conselho de Ética".
O professor de ciência política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Carlos Eduardo Martins entende que há uma escalada da violência no Parlamento brasileiro, provocada por setores da direita, que visa "desqualificar os debates para impor suas posições pelo grito e pela força". Ele cita ataques misóginos, exaltação de torturadores e ofensas pessoais como exemplos de tais ocorrências.
"Há, evidentemente, episódios de violência na história do Parlamento, mas passionais, diferentemente do que se observa [hoje]: uma estratégia sistemática de imposição de uma nova linguagem", sublinha Carlos Eduardo.
Janones e Nikolas: reflexo de uma sociedade cada vez mais polarizada
Sobre o caso específico de Nikolas Ferreira e André Janones, Carvalho afirma que "é mais um capítulo da nossa polarização, da nossa excessiva polarização". Ele observa que ambos os deputados "têm um papel importante na frente das novas redes de comunicação, via redes sociais e Internet. Eles [os parlamentares] estão o tempo todo, para usar um termo que se usa, querendo 'lacrar', querendo tirar proveito de alguma forma desses embates dentro do parlamento".
O analista político destaca a importância das medidas adotadas pela Câmara dos Deputados para tentar coibir esse acirramento das hostilidades.
"O mecanismo que vem sendo utilizado pela Câmara para estancar esses atos de violência recíproca, que existem hoje de forma até banalizada na Câmara dos Deputados, deve ser utilizado para acalmar os ânimos e trazer os deputados para a racionalidade. Ninguém está querendo arriscar o seu mandato por causa de uma discussão e exacerbação de falas, inclusive indo à questão da violência física", afirma.
À reportagem, de maneira reservada, parlamentares que acompanharam o movimento desde o seu início pontuam que foi "um movimento para lá de esdrúxulo, se é que podemos nomear assim essa atitude tão infantil". Quando questionados sobre o que deveria ser feito a partir disso, a opinião é dividida.
Um parlamentar mais à direita diz que "a atitude deveria ser punida severamente. Não é algo que se faça dentro de um parlamento. Precisamos dar o exemplo". Outro, mais à esquerda, sinaliza que "é preciso analisar como se chegou às vias de fato, para a briga, e o parlamentar que incitou o feito é quem deve ser punido, [...] quem sabe até com a suspensão do mandato".
Suspensão cautelar de mandatos de deputados federais
A Câmara dos Deputados decidiu em 12 de junho que poderá propor a suspensão, por medida cautelar, do mandato de deputado federal por até seis meses por quebra de decoro parlamentar.
Para Signates, a medida tem mais efeito simbólico do que efetivo.
"Trata-se de uma reação da Câmara dos Deputados às recentes exacerbações dos conflitos com os deputados bolsonaristas radicais, como Nikolas Ferreira e Gustavo Gayer, e governistas mais agressivos, como André Janones, com o agravante da hospitalização de Luiza Erundina."
Para ele, é difícil que algum deputado tenha seu mandato suspenso, "salvo se ocorrer algo muito grave nos ambientes do Congresso, como agressões físicas" diretas, diz, mencionando uma "tendência corporativista" entre os parlamentares.
Para Martins, a possível suspensão de mandatos deve ser prerrogativa "exclusiva do plenário". Inicialmente o projeto previa que a Mesa Diretora poderia realizar tal medida, o que foi negociado posteriormente, e ela acabou restrita ao Conselho de Ética.
No entanto Ernani Carvalho alerta para os possíveis riscos: "Se vai ser usado como um mecanismo de controle ou de perseguição excessiva, todo mecanismo que coloca limites às regras sociais está passível desse tipo de utilização também". Apesar disso, ele acredita que "no momento a preocupação da Casa é realmente apaziguar os ânimos e evitar que esse tipo de comportamento se perpetue e se multiplique".
Carvalho defende que a única forma de tratar essa situação é "de forma institucional, criando regras para que se possam elevar os custos para a desobediência das regras".
O papel das redes sociais nas eleições
Signates ressalta que a capilarização de novas tecnologias de comunicação tem alterado "o modo como os políticos se comportam e o tipo de relação que têm com os eleitores".
Isso não é novo, diz, já que o surgimento do rádio e da televisão, por exemplo, obrigou a política a adequar seus conteúdos e modos de atuar.
Para ele, o diferencial atual são as "lacrações", fortes e rápidos ataques em debates parlamentares.
"Infelizmente isso superficializa o debate e não contribui para a compreensão efetiva da população em relação ao que acontece de fato nos meios políticos, que tem, inclusive, enorme influência na vida de todos nós."
O professor defende que haja um "amadurecimento" dos usuários e um aperfeiçoamento da comunicação.
"Não vejo outra saída que não o investimento pesado em educação para a cidadania e os direitos, com leis e instituições que se dediquem fortemente à proteção da democracia. Somente quando as populações não mais admitem esse tipo de político é que eles modificam seus comportamentos", explica.
Signates também afirma que a desconfiança política é um fenômeno mundial e não deve arrefecer brevemente. Segundo ele, isso é solo fértil para projetos radicais e antipolíticos.
"Contribui para o enfraquecimento dos sistemas de proteção social, a fragilização dos discursos civilizatórios e, por conseguinte, o incremento da desigualdade e do sofrimento das maiorias pobres do mundo", acentua Signates à Sputnik.
Martins afirma que o uso de redes sociais para aprofundar conexões entre representantes e eleitores não é maléfico, mas seu uso pode ser problemático quando se utiliza "linguagem de ódio, manipulações e mentiras". Além disso, segundo ele, determinados grupos recebem financiamento privado, que acaba "desequilibrando uma competição justa".
"Evidentemente que um parlamento que se submete a uma linguagem de baixo calão e ofensiva se desconecta da maioria da população, que tende a observar com desprezo, ao mesmo tempo que amplia o engajamento de haters", arremata Martins.
Sem diálogo
A Sputnik Brasil tentou contato com os deputados envolvidos para saber o que motivou o conflito, bem como ter seu posicionamento acerca de como tais discussões acaloradas podem impactar no cenário político brasileiro, mas até a publicação da reportagem não obteve resposta dos parlamentares, tampouco de suas assessorias de comunicação.
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