Como a corrida eleitoral nos EUA influencia o conflito ucraniano? Uma reeleição de Joe Biden ou uma vitória de Donald Trump muda a estratégia de Washington no palco europeu? Essas e outras questões foram abordadas nesta quinta-feira (11) pelo Mundioka, podcast da Sputnik Brasil apresentado pelos jornalistas Melina Saad e Marcelo Castilho.
Em maio de 2022, a Ucrânia e a Rússia estavam tendo diálogos para a paz mediados pela Turquia. O processo, contudo, foi boicotado pelos Estados Unidos e pelo Reino Unido, que viram nas poucas vitórias ucranianas em batalhas um momento para tentar infligir uma derrota estratégica à Rússia.
No entanto isso não se realizou, e as Forças Armadas russas voltaram a avançar no front, fazendo com que a Ucrânia chegasse a um dos seus piores momentos em todo o conflito. O fator temporal também prenuncia uma vantagem russa, afirma Leonardo Paz, professor de relações internacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV).
"A Ucrânia sofre de exaustão mais rápido que a Rússia. A Rússia me parece que ainda consegue ter mais resiliência do que a Ucrânia", disse ele ao Mundioka.
De fato, a cada dia que passa as Forças Armadas ucranianas perdem mais homens, munições e equipamentos, enquanto recorrem cada vez mais a ataques a infraestruturas civis como forma de compensar suas derrotas militares. É o que apontam também os pedidos cada vez mais insistentes de Zelensky para que os EUA e seus apoiadores europeus permitam ataques cada vez mais profundos no território russo.
Tempo de Zelensky está acabando
Zelensky esteve recentemente na cúpula da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), em Washington, na qual os aliados prometeram uma ajuda militar de € 40 bilhões (R$ 234 bilhões) para satisfazer as necessidades belicosas da Ucrânia no próximo ano.
A ideia inicial é que essa promessa seja renovada na cúpula do ano que vem, mas, ao que tudo indica, a situação pode nem chegar a tanto, e não por conta de uma vitória ucraniana no campo de batalha.
Segundo Tomaz Paoliello, professor de relações internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), também ouvido pelo podcast, as eleições presidenciais norte-americanas devem influenciar a continuidade do conflito.
Se o atual presidente, Joe Biden, conseguisse ser reeleito e mantivesse sua bancada parlamentar, a tendência é que a política dos EUA para a Ucrânia se mantivesse. No entanto, se ele fosse eleito mas obtivesse uma minoria no Congresso dos EUA, "isso poderia significar uma pressão para que Biden mudasse sua política".
No caso da eleição de Donald Trump, diz Paoliello, "já é um quadro bastante diferente". O ex-presidente vem afirmando em sua campanha que, caso eleito, resolveria o conflito na Ucrânia "mesmo antes de ele chegar ao poder". Isso quer dizer que ele já começaria, ainda em 2024, negociações para um possível acordo de paz.
"Provavelmente cedendo em algumas […] ou várias das demandas que a Rússia tem no conflito".
O especialista destaca, no entanto, que mais importante do que o apoio financeiro e material é o apoio diplomático dos EUA, uma vez que o país é "determinante" para o rumo da OTAN.
Paoliello explica que os países europeus, como a Alemanha e o Reino Unido, mesmo sem um apoio definitivo dos EUA, continuariam a apoiar fortemente a Ucrânia. Agora, se os EUA se opuserem frontalmente a uma continuidade do conflito, "esses países retiram também o apoio".
Já segundo Paz, independentemente de quem vença a eleição norte-americana, a Casa Branca deve iniciar, no próximo ano, algum processo de negociação de paz, "porque já existe uma certa fadiga em relação ao apoio irrestrito à Ucrânia".
"Então não seria de surpreender que mesmo que Biden ganhasse, ele já tentasse sentar na mesa com a Rússia."
Nesse sentido, afirma Paz, tampouco faz diferença a possibilidade de Biden sair da corrida eleitoral e algum outro candidato entrar em seu lugar, como Kamala Harris, sua vice e mais provável substituta, uma vez que ela também estaria alinhada com as diretrizes gerais do Partido Democrata.
Para ambos os especialistas, o momento para negociações de paz está se aproximando cada vez mais e de maneira acelerada, até porque, diz Paz, dificilmente a Ucrânia conseguirá entrar na OTAN.
Além disso, explicita Paoliello, o novo ciclo eleitoral europeu já entrou em vigor, em especial o do Reino Unido e o da França, que também enfrentam uma demanda popular crescente pela negociação, pelo desengajamento do conflito.
"Talvez seja melhor para o Zelensky fazer isso [entrar em negociações] enquanto ele tem um governo dos Estados Unidos do seu lado."