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Matar não é pecado? No Congresso, armas de fogo escapam do Imposto Seletivo

Apelidada de "Imposto do Pecado", a reforma tributária prevê uma categoria adicional de tributos para atividades desincentivadas pelo Estado por serem prejudiciais ao indivíduo, à sociedade ou ao meio ambiente. Na quarta-feira (10), a Câmara dos Deputados rejeitou um destaque que previa a inclusão de armas de fogo dentro desse grupo.
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Em etapa de regulamentação no Congresso Nacional, a reforma tributária prevê a substituição da complexa diversidade de impostos federais, estaduais e municipais pelo Imposto sobre Valor Agregado (IVA), constituído de uma parte estadual, a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), e duas federais, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e o Imposto Seletivo (IS).
A CBS e o IBS, juntos, terão uma incidência de 26% a 27% sobre os produtos e serviços. Há ainda uma lista de itens que ficarão isentos de tributos, como produtos da cesta básica e medicamentos.
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Já o Imposto Seletivo, apelidado de "Imposto do Pecado", vigorará apenas sobre itens e serviços cujo consumo é desencorajado pelo Estado por serem nocivos ao cidadão, à sociedade e ao meio ambiente, como bebidas alcoólicas e cigarros, veículos, apostas e bebidas açucaradas.
Um destaque proposto pela deputada federal Erika Hilton (Psol-SP) que visava adicionar armas de fogo à lista dos pecados foi rejeitado pela Câmara por 316 votos contrários e 155 votos a favor.
Com isso, se o texto for aprovado pelo Senado Federal, os tributos adicionais que hoje incidem sobre armas de fogo e munições serão extintos e apenas o IVA pesará no preço final. Como parte da taxação é estadual, a redução tributária sobre armas de fogo será em média de 70%, indo de 69%, no Rio de Janeiro, a 75%, na Bahia.
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Tida como um dos maiores problemas de segurança pública do Brasil, a existência de armas de alto calibre nas mãos de criminosos assusta a população civil. Em declaração à imprensa nesta segunda-feira (15), o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), afirmou que a presença de fuzis na criminalidade cria uma sensação enorme de "insegurança".
"As armas são o maior problema hoje, não um dos maiores problemas. As armas no Rio de Janeiro hoje são o maior problema", declarou o político após uma megaoperação contra facções criminosas.
Declarações contrárias à proliferação de armas de fogo também foram dadas pelo ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, ao comentar o atentado contra a vida do ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump.

"O aumento indiscriminado de armas de fogo em poder dos cidadãos comuns não representa apenas um risco para a segurança pública, mas coloca em xeque a própria democracia", afirmou.

Estado brasileiro terá que fazer mais

Entrevistados pela Sputnik Brasil, analistas e políticos esclarecem as repercussões do barateamento das armas de fogo, desde um possível aumento na criminalidade a dificuldades de monitorar licenças e aumento nos custos para o Estado.
"Todo benefício na redução de impostos tem o objetivo de impactar nos preços finais desses produtos", argumenta Robson Rodrigues, antropólogo, pesquisador do Laboratório de Análise da Violência (LAV), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), e coronel da reserva da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ).

"Pelo aumento das vendas, há o aquecimento desse mercado."

De acordo com Rodrigues, a ampliação da venda de produtos controlados também afeta o controle que o Estado deve ter. O que ocorre, diz o pesquisador, é uma "transferência indireta desses custos do setor para as agências de controle do Estado".
O coronel afirma ainda que a fiscalização do Estado "não é ideal", com funcionários insuficientes para realizar um monitoramento adequado dessas armas. "E os criminosos estão à espreita das melhores oportunidades", destaca.

"Todas as vezes que o mercado legal aumenta a sua capacidade de venda, de produção, você também tem aí gente do setor criminoso à espreita de uma oportunidade para poder […] se beneficiar dessas decisões."

Há diversas formas pelas quais facções criminosas conseguem obter armas, desde o tráfico ilegal e o desvio das forças de segurança até mesmo através de roubos de pessoas que compraram suas armas de maneira lícita.
"É uma decisão a que o governo tem que estar atento, já se antecipando, sabendo que vai ter mais trabalho e vai ter mais custos para controlar o mercado mais aquecido, em virtude dessas tomadas de decisão."
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José Ricardo Bandeira, especialista em segurança pública e presidente do Instituto de Criminalística e Ciências Policiais da América Latina (Inscrim), aponta que estudos em diversos países "demonstram uma correlação entre o número de armas em circulação e os índices de crimes violentos, incluindo homicídios e assaltos".
"No Brasil, essa relação já é evidente: em 2022, o país registrou mais de 45 mil homicídios", disse.

"Se mais pessoas têm acesso facilitado a armas, isso pode resultar em um aumento de confrontos armados, acidentes e incidentes domésticos."

Bandeira ressalta ainda que o aumento da disponibilidade de armas de fogo pode "representar desafios adicionais para as forças policiais, que podem se deparar com situações mais perigosas e imprevisíveis no cumprimento do dever".
"Além disso, a facilitação do acesso a armas pode colocar em risco grupos mais vulneráveis, como mulheres, crianças e adolescentes, que são vítimas frequentes da violência doméstica e do tráfico de drogas."
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Além da perda de arrecadação e do maior gasto com funcionários para administrar e monitorar as armas vendidas no país, pode ocorrer um aumento nos gastos da saúde pública, sublinha o pastor e deputado federal Henrique Vieira (Psol-RJ).
Dados do Instituto Sou da Paz indicam que em 2022 o Sistema Único de Saúde (SUS) gastou cerca de R$ 40 milhões com a internação de 17 mil pessoas vítimas de armas de fogo. Esses recursos poderiam "estar sendo alocados a ampliação de leitos, construção de hospitais, postos de saúde, unidades de pronto atendimento", afirma Vieira.

"Armas de fogo matam muito no Brasil, ferem muito no Brasil, com forte impacto sobre o SUS."

Direito à proteção individual?

O deputado federal General Girão (PL-RN), que votou contra a inclusão das armas no Imposto Seletivo, afirmou à Sputnik Brasil que "a segurança do cidadão e a propriedade privada devem ser garantidas a todas as classes".
Dessa forma, o direito ao armamento não só seria um direito individual do cidadão, que pode ser rescindido em caso de má conduta legal, como é também uma forma de pessoas com menos recursos garantirem "sua legítima defesa", diz.
Para Vieira, no entanto, em sua tradição religiosa as armas de fogo não devem ser usadas nem mesmo para proteção. "É muito mais uma cultura de guerra, de ataque, de violência, de morte do que uma cultura de proteção à vida."

"Óbvio que o Estado é laico e a legislação não pode se pautar por nenhuma doutrina religiosa especificamente, mas vejo nas tradições religiosas uma cultura de paz que é incompatível com o apelo ao uso das armas."

À parte da religião, diz Vieira, "várias pesquisas indicam que o fator arma não promove a segurança, pelo contrário, pode ser um fator até determinante para a letalidade nos conflitos que existem na sociedade".
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