Para Celso Amorim, se o Brasil quiser ter alguma influência no mundo, será preciso "fortalecer a integração da América do Sul".
Segundo o diplomata, o futuro da geopolítica global passará pela integração das regiões em blocos geoeconômicos. "Os Estados Unidos são um bloco em si mesmo, a União Europeia é um bloco por definição, a China é um bloco em si mesma, a Índia vai ser um bloco em si mesma em poucos anos."
"O Brasil é um país grande, muito respeitado, mas o Brasil não é um bloco […]. Se nós quisermos ter uma influência no mundo, [precisamos] fortalecer a integração da América do Sul."
O assessor especial para assuntos internacionais da Presidência afirmou que não descarta uma maior integração com a América Latina como um todo, mas é preciso encarar a realidade de que na outra ponta do continente estão os Estados Unidos, que exercem forte influência sobre o México.
Participando de uma discussão com Jorge Castañeda, ex-secretário de Relações Exteriores do México, Amorim foi lembrado de uma frase cunhada por Porfirio Díaz, ex-presidente do México: "Pobre do México, tão longe de Deus, tão próximo dos Estados Unidos", afirmou Amorim.
O diplomata, contudo, sublinhou que a integração sul-americana será um trabalho árduo, uma vez que o continente está "desorganizado", como pode ser visto através do esvaziamento da União de Nações Sul-Americanas (Unasul) e dos ataques políticos lançados pelo presidente da Argentina, Javier Milei, ao seu homólogo brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva.
"Esse será o nosso grande desafio. E é um desafio tão grande, porque eu também nunca vi a América do Sul, desde a democratização, tão desorganizada, tão sem olhar um para o outro."
Realizado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) em parceria com os ministérios da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, das Relações Exteriores e do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, o States of the Future visa reimaginar a atuação do Estado frente aos novos desafios do século XXI, como as mudanças climáticas e a ascensão das economias emergentes.
BRICS fortalecem o G20
A formação de blocos reflete a transformação do mundo, que se torna cada vez mais multipolar e representativo, disse Amorim. "O próprio fórum do G20 é já um começo de mudança da governança global."
"Se nós formos pensar antes da crise de 2008, não havia nada parecido com o G20. Havia o G20 lá no FMI [Fundo Monetário Internacional], mas que não tinha influência alguma, não iam nem sequer os ministros. Era um G20 abstrato."
"Se você olhar o G20, se ele ficar um pouquinho menos europeu e um pouquinho mais africano, e tiver uma representação adequada dos países pequenos — porque eles não estão representados —, ele seria razoavelmente correspondente ao que deve ser o mundo de hoje, o que deve ser a governança [global]."
No pós-Segunda Guerra, quem decidia os rumos mundiais era o G7, "mais especificamente os Estados Unidos". No entanto a realidade da mudança geoeconômica se impôs, afirmou o assessor especial.
"Eu estava do lado do presidente Lula quando o presidente [George W.] Bush propôs a criação do G20. Não se pode dizer que o presidente Bush fosse um presidente reformista. Foi uma imposição da realidade."
O segundo painel da tarde contou com a presença de autoridades globais, como Michelle Bachelet, ex-presidente do Chile; Tonika Sealy-Thompson, embaixadora de Barbados no Brasil; Silvio Almeida, ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania; Epsy Campbell Barr, presidente do Fórum Permanente das Nações Unidas sobre Afrodescendentes; e Carlos Correa, diretor-executivo da organização intergovernamental The South Centre, além de Celso Amorim.
De acordo com o diplomata, por trás da ascensão do G20 como fórum de discussão dos rumos globais está o BRICS, grupo de países de economias emergentes que, juntos, já detêm uma parcela do PIB mundial maior que a dos países do G7.
"É o fortalecimento do BRICS que leva os países do G7 a entenderem que eles têm que discutir com os outros."
"Hoje circulou na ONU, não é uma proposta de resolução, é apenas a circulação de um documento, mas um projeto do Brasil e da China com relação à Ucrânia", exemplificou. "É o Sul querendo se meter em assuntos que eram tipicamente do Norte."