Uma resolução assinada pela ministra de Segurança argentina, Patricia Bullrich, criou a Unidade de Inteligência Artificial Aplicada à Segurança (Uiaas), unidade criada especificamente para "patrulhar redes sociais, aplicativos e sites da Internet" e, segundo resolução própria, utilizar dispositivos de inteligência artificial (IA) para "prever crimes futuros".
A resolução inclui ainda, entre as finalidades do novo gabinete, a vigilância da "deep ou dark-web" com o objetivo de detectar crimes e identificar os seus autores, bem como "a detecção de situações de grave risco para a segurança".
A unidade também está autorizada a "analisar imagens de câmeras de segurança em tempo real para detectar atividades suspeitas" e "usar algoritmos de aprendizado de máquina para analisar dados históricos de crimes" para a prevenção de crimes potenciais.
Da mesma forma, a resolução de Bullrich também reserva outras tarefas off-line para esse escritório, como "patrulhar grandes áreas usando drones" ou mesmo participar na "desativação de explosivos usando robôs".
Consultado pela Sputnik, o especialista argentino em tecnologias de informação, Martín Becerra, considerou que um dos aspectos mais "novos" da resolução é que "pela primeira vez fica explícito que o governo vai patrulhar redes sociais, sites e aplicativos". Para o analista, este é, no entanto, um objetivo "absolutamente desproporcional" diante do âmbito que essa nova agência propõe.
"Redes sociais, sites e aplicativos, como diz a resolução, são basicamente toda a Internet. Não é só a rede, mas também os aplicativos baixados para o celular, que podem ser o aplicativo de dieta ou um hobby que você tem como futebol, exercício ou os mais variados aplicativos que baixamos", alertou o especialista.
Para Becerra, um dos pontos marcantes da definição de objetivos da nova unidade é que o universo a ser monitorado é "desproporcional" em relação aos "recursos intelectuais, técnicos e orçamentários" de que o Estado argentino dispõe. Nesse sentido, considerou que "nem a China nem os EUA" seriam capazes de gerar vigilância em um campo tão exaustivo como o proposto pela nova resolução de Bullrich.
Além disso, a norma que deu origem ao novo órgão de segurança explicita outra característica discutível: a unidade pode atuar por conta própria e depende exclusivamente das exigências da Justiça.
"É claro que o Ministério da Segurança atribui a si mesmo um poder além do que o Judiciário tem. A unidade já está funcionando e essas funções, como analisar atividades nas redes sociais para detectar ameaças potenciais ou prever crimes futuros com base em dados históricos, não exigem, conforme a própria resolução, autorização judicial", explicou Becerra.
Assim, a nova política de cibersegurança do governo de Javier Milei poderá resultar, considerou o analista, na detenção de usuários de redes sociais ou ciberativistas, como aconteceu no passado.
Entre as maiores novidades da nova unidade está a utilização de aplicativos de IA, para "prever crimes futuros". Becerra, lembrou que a União Europeia (UE) discutiu há meses um regulamento para esse tipo de aplicativos que visa utilizar cálculos probabilísticos para determinar quais as pessoas com maior probabilidade de cometer crimes.
"Delegar a ferramentas de inteligência artificial, geralmente alimentadas com bases de dados de origem duvidosa, a identificação de possíveis criminosos ou de possíveis áreas, bairros ou setores sociais que possam cometer crimes é muito perigoso", observou o especialista.
O especialista lembrou que esse tipo de prática "viola os princípios constitucionais" da Argentina e "afeta a presunção de inocência" das pessoas.
"Eu ficaria surpreso se juízes e promotores que são efetivamente honestos em seus deveres permitissem que uma aberração como essa passasse", disse Becerra, ao mesmo tempo em que expressava sua esperança de que essa política criminosa não encontrasse lugar no Congresso argentino.