O uso dos "memes" para influenciar a política foi analisado no episódio de terça-feira (6) do Jabuticaba Sem Caroço, podcast da Sputnik Brasil apresentado pelos jornalistas Thaiana de Oliveira e Arthur Neto.
Memes: vulgarização do debate público
Segundo Carlos Eduardo Martins, professor associado do Instituto de Relações Internacionais e Defesa e coordenador do Laboratório de Estudos de Hegemonia e Contra-Hegemonia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o fenômeno dos memes não é novidade.
Pelo contrário, o uso desse "recurso satírico" já aparecia nos antigos cartuns e charges, que já "estigmatizavam ou enfatizavam certas características específicas de algumas personalidades", disse Martins.
No entanto, diz o pesquisador, "os memes viraram uma versão vulgar e deteriorada" dessas antigas formas de crítica. "O meme faz uma apropriação particular da realidade sem ter um compromisso maior com a informação rigorosa ou científica."
Para Nauê Bernardo de Azevedo, professor de teoria do Estado e ciência política do Ibmec Brasília, a disseminação de memes "reproduz uma lógica de vulgarização do debate público dentro das redes sociais".
"Querendo ou não, as redes sociais trazem pra gente uma lógica de estridência. Às vezes, parece que quem grita mais alto ganha."
Nesse sentido, os memes vêm sendo cada vez mais usados como um recurso político no Brasil, em especial por uma ala da direita que, "ao não ter preocupação em representar a realidade com rigor, pode recorrer a esse tipo de sátira", afirmou Martins.
"Essa é a orientação que a extrema-direita articulada faz", sintetiza o professor da UFRJ. "Ela busca simplificar e reduzir a complexidade da linguagem para que se possa atribuir características a um adversário com o menor custo possível e com o máximo de eficiência."
De fato, a oposição ao governo do Partido dos Trabalhadores (PT) parece ter um domínio maior dessa ferramenta do que seus apoiadores. As imagens que fazem piada sobre Haddad e os problemas tributários do país "não são só uma ação coordenada", diz Azevedo, "mas uma manobra de tirar a responsabilidade dos atores que são realmente os articuladores por trás dessas políticas".
"Então isso também é um jogo de poder", explica.
O professor da Ibmec, no entanto, acredita que isso não quer dizer que as pessoas que fazem e publicam esses memes façam parte de uma oposição articulada ou, até mesmo, tenham uma visão crítica ao governo. "São pessoas que entraram numa onda e acabaram também levando esse conteúdo adiante."
"Esse é o poder, né? A coisa realmente pega, contamina e acaba mobilizando vontades, corações, ideias em prol daquilo que começa como uma piada."
Azevedo lembra que no campo da esquerda brasileira já houve personagens que tentaram se utilizar desse tipo de discurso, como o deputado federal André Janones. De acordo com o especialista, o político surge como resposta a essa lógica cada vez mais vulgarizada das redes.
"Ele é um exemplo do que deve ser feito, mas também do que não deve ser feito", resume o professor. Hoje é muito mais fácil mentir e distorcer a verdade do que divulgar uma informação verdadeira, diz Azevedo.
"Então acaba ficando uma batalha muito desigual de informações e de acesso a meios de disseminação dessas informações."
No entanto, o pesquisador do Ibmec lembra que muitos setores do governo são contrários a essa tática de Janones, porque justamente reproduz essa vulgarização do debate público.
"Aí está a necessidade de se regular as redes sociais, de se regular os meios de comunicação", alerta Martins. "Para que se possa ter regras onde se garanta a qualidade dos meios de interação no espaço público."