Segundo a UNICEF, mais de 1 milhão de crianças vão dormir sem ter jantado e quase 5 milhões de adultos cedem sua porção de comida para priorizar seus filhos no país sul-americano. Além disso, 1,5 milhão de crianças pulam alguma das refeições durante o dia porque seus pais não conseguem comprá-las.
Os dados do Fundo das Nações Unidas para a Infância foram publicados no contexto da campanha "A fome não tem final feliz".
Em conversa com a Sputnik, o sociólogo Isaac Rudnik explicou que a pauperização dos indicadores sociais tem relação direta com o ajuste fiscal implementado pelo Poder Executivo.
"Nos últimos oito meses, a quantidade de famílias em situação de indigência duplicou, e isso impacta as crianças mais novas, pois em muitos desses lares há mais de uma criança pequena", afirmou.
De acordo com o pesquisador, a indigência — pobreza extrema caracterizada pela desnutrição — passou de 9,5% no final do ano passado para 20% no último mês. Esses números refletem a situação cada vez mais complexa que se vive nos bairros populares", apontou Rudnik.
O dado mais preocupante do cenário socioeconômico, segundo ele, é o fato de a inflação da Argentina acumular 263,4% nos últimos 12 meses, enquanto os preços dos alimentos subiram ainda mais, chegando a 275,8%.
"A forte alta dos produtos básicos não teve um correspondente aumento nas remunerações dos chefes de família. Isso repercute diretamente na redução do consumo de alguns produtos essenciais, como laticínios e carnes", destacou Rudnik.
O aumento do preço dos alimentos está atrelado à perda de empregos, considerando que os chefes das famílias vulneráveis costumam ter trabalhos sem carteira assinada, ponderou ele. "Esses segmentos são os mais afetados pela liquidação dos rendimentos".
Os números apresentados coincidem com os dados do Observatório da Dívida Social da Universidade Católica Argentina, que revelou, com base em informações oficiais, que a pobreza já atinge 55% da população, enquanto a indigência afeta 20,3% dos argentinos. Segundo o organismo, 70% das crianças vivem na pobreza, o que equivale a cerca de sete milhões de meninos e meninas.
A queda do poder aquisitivo dos rendimentos, em meio à flagrante recessão que impacta indicadores sensíveis como o nível de emprego, convive com o aumento dos preços devido à inflação. Segundo a UNICEF, pelo menos 10 milhões de menores de 18 anos consomem menos carnes e laticínios do que em 2023.
O relatório também aponta que, além disso, 9% das famílias teve que deixar de pagar planos de saúde, devido ao ajuste nos gastos.
Hipotecando o futuro
Para o sociólogo e pesquisador do Observatório da Dívida Social da Universidade Católica Argentina, Eduardo Donza, o dado é gravíssimo, "porque se trata de pessoas em estágios de desenvolvimento físico e cognitivo. A pobreza infantil é um problema já estrutural na Argentina", disse à Sputnik.
"Isso constitui uma hipoteca para o país: essas crianças são as que, em alguns anos, talvez não consigam se inserir no mercado de trabalho, sofrendo um prejuízo que afetará toda a economia", afirmou o especialista.
Rudnik, que também é diretor do Instituto de Pesquisa Social, Econômica e Política Cidadã, afirmou que "esses dados refletem como a política econômica do governo de Javier Milei, que elevou a pobreza entre os mais vulneráveis. Sabemos que a indigência entre as crianças é sempre maior do que entre outras faixas etárias".
Para Donza, as perspectivas futuras não são animadoras:
"Não há nenhum indício de que essa situação possa ser revertida. De fato, considerando a forma como essa tendência avança, é provável que no futuro aumente a quantidade de crianças em situação de desnutrição", apontou. "No curto e médio prazo, as famílias precisam de ajuda através das transferências diretas de assistência que o Estado realiza por meio dos programas sociais, como está acontecendo agora com muitos jovens e adultos também", considerou o sociólogo.