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Em meio a conflito na Ucrânia, por que o Brasil paga mais caro por gás natural do que a Europa?

A Europa não só deu um tiro no próprio pé ao embargar o gás natural russo, como também fez disparar os preços em todo o mundo. A alta atinge até mesmo o Brasil, que hoje paga mais caro pelo combustível importado do que os europeus. À Sputnik Brasil, analistas discutem como fazer para garantir seu suprimento de gás natural a um bom preço.
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O gás natural já é um item essencial no dia a dia do brasileiro, seja na hora de cozinhar e abastecer o carro, seja por seu uso na indústria e como fonte de eletricidade.
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Na virada do século, o gás natural representava apenas 3% da matriz energética do Brasil. Em 2018, esse número saltou para 13%, detalha Luis Augusto Medeiros Rutledge, pesquisador de petróleo e gás da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e analista de geopolítica do Centro de Estudos das Relações Internacionais (Ceres).
À Sputnik Brasil, Rutledge afirma que isso ocorreu, em grande parte, graças a um acordo entre o Brasil e a Bolívia para a exploração conjunta de campos de gás no país vizinho.
Isso levou à criação do Gasoduto Bolívia-Brasil (Gasbol), cujas atividades iniciaram em 1999, apenas três anos depois de ter sido firmada uma parceria entre a Petrobras e a sua contraparte boliviana, Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB).

"A partir daquele momento, o Brasil passou a inserir fortemente o gás natural na sua matriz energética e, pouco a pouco, a aumentar as importações da molécula boliviana, não só pelo Gasbol, mas também pelo Gasoduto Lateral Cuiabá, que iniciou operações em 2001."

Produção boliviana vem caindo

Na última década e, em especial, nos últimos dois anos, a produção boliviana vem declinando, causando grandes preocupações para as autoridades de ambos os países. Em 2014, a Bolívia atingiu seu pico de produtividade com 62,6 milhões de metros cúbicos por dia (MMm³/dia). Hoje, a produção é de 36 MMm³/dia.
Essa perda pode ser explicada por vários motivos, aponta Júlio César Moreira, ex-diretor executivo de exploração e produção do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP). O primeiro é o esgotamento natural desses campos. O segundo é a alta carga tributária que o governo impõe no setor, o que desestimula novos investimentos.

"O resultado prático disso é que as reservas foram sendo produzidas e novas reservas não foram descobertas."

Para suprir a demanda nacional, o Brasil compra gás natural dos Estados Unidos, o maior exportador do mundo e principal fonte atual do mercado europeu. Para desviar o gás natural liquefeito (GNL) dessa rota preferencial e já estabelecida, as empresas brasileiras pagam prêmios de US$ 0,10 (R$ 0,56) por milhão de BTU (equivalente a 26,8 m³ de gás natural).
Para um país que em 2023 importou mais de 15 MMm³/dia, cada centavo extra sai caro.
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De onde pode vir o gás para o Brasil?

Como pode ser observado a partir do aumento mundial de preços causados pela reorganização da distribuição de gás natural na Europa, há uma forte correlação entre política internacional e política energética.

"Geopolítica e energia estão cada vez mais conectadas", decreta Rutledge.

Da mesma forma, solucionar o problema brasileiro demandará algum tipo de saída também política. Na Bolívia, por exemplo, houve descobertas recentes de dois novos campos de gás promissores: Mayaya Centro-X1 e Domo Oso-X3.
O primeiro está localizado ao norte de La Paz e estima-se contar com 1,7 trilhão de pés cúbicos (TCF). Para explorá-lo, a YPFB prevê investimentos de US$ 400 milhões (R$ 2,2 trilhões) em infraestrutura, mas o início de produção deve iniciar somente daqui a três ou quatro anos, diz o professor da UFRJ.
Já o segundo, Domo Oso-X3, tornou-se projeto-alvo de colaboração entre a estatal boliviana e a Petrobras. Localizado na área de San Telmo Norte, no sul-sudeste boliviano, estima-se que o campo tenha 2,7 trilhões TCF. Entretanto, aponta Rutledge, ainda está sendo estudada a viabilidade comercial do campo e, até que se atinja a fase comercial, deve-se levar de oito a dez anos.
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A interseção entre geopolítica e energia também se torna evidente ao avaliar o outro parceiro energético do Brasil em gás natural: a Argentina. Até pouco tempo atrás, um dos principais prospectos de exploração de gás pelo Brasil estava em território hermano: o campo de petróleo e gás de Vaca Muerta.
Considerado o segundo maior reservatório de gás de xisto do mundo, superando até mesmo os EUA, a estatal argentina Yacimientos Petrolíferos Fiscales estima um volume de 307 trilhões TCF de gás natural no campo argentino, sem contar o volume de petróleo. Segundo a empresa de petróleo Tecpetrol, o país poderia exportar cerca de 95 MMm³/dia em 2027.
A princípio, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) financiaria um trecho do gasoduto Néstor Kirchner para escoar o gás argentino até o mercado nacional. No entanto, desde a posse de Javier Milei, as conversas paralisaram.
Segundo Júlio Moreira, a importação de gás argentino ainda pode ser feita, uma vez que há gasodutos conectando a Argentina à Bolívia, que por sua vez está conectada ao Brasil.
Com o aumento da produção argentina, espera-se também que a Bolívia encerre as exportações ao país vizinho, o que deve aumentar os embarques para o mercado brasileiro, destaca Rutledge.
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'Universalizar' a infraestrutura brasileira

Se por um lado há alguns prospectos em desenvolvimento nos países vizinhos, o país deveria também prestar atenção para desenvolver sua própria malha de gasodutos nacionais, alertam os especialistas.
Um dos principais problemas na oferta brasileira de gás é a taxa de reinjeção. Em 2023, a produção nacional de gás foi de 149,81 MMm³/dia. Desses, cerca de 78,82 MMm³/dia foram reinjetados de volta aos campos para facilitar a extração de petróleo, produto economicamente mais interessante tanto pelo preço de venda quanto pela arrecadação tributária.
Na última quarta-feira (27), o governo federal publicou o Decreto nº 12.153, que altera os percentuais de injeção de gás na exploração do petróleo. A ideia do Palácio do Planalto é ampliar a oferta de gás natural nos mercados brasileiros.
Para Moreira, contudo, por questões técnicas, o aumento não acontecerá devido a dificuldades de modificar os equipamentos usados para captar e transportar os combustíveis advindos do pré-sal (FPSOs).

"A curtíssimo prazo, é muito difícil simplesmente reduzir a reinjeção para ter maior oferta de gás, mas, a médio e longo prazo, os equipamentos que venham a ser construídos podem ser adaptados para um volume de reinjeção menor."

Hoje, 85% da produção de gás natural no Brasil é feita off-shore, sendo 84% extraídos dos campos do pré-sal, onde novos projetos estão em desenvolvimento, ressalta Moreira.
Por exemplo, há a finalização de um novo gasoduto ligando à Bacia de Santos ao Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), conhecido como Rota 3, além do projeto Sergipe Águas Profundas (SEAP), operado pela Petrobras. Já na Bacia de Campos há o projeto Raia, da Equinor, que deve entrar em operação em 2028.
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Rutledge, contudo, destaca que, devido a essa infraestutura estar presente em sua quase totalidade na costa brasileira, o interior do país não consegue fazer uso do gás natural e que parte do gás reinjetado pela Petrobras, responsável por 70% do gás natural produzido no Brasil, é reinjetado por falta de escoamento e capilaridade da malha de gasodutos.
Para o pesquisador, é necessário fortalecer a integração das malhas da região Sudeste e Nordeste, além de aumentar a capilaridade do GNL de pequena escala para interiorizar o produto.

"Hoje, existem no país 22 iniciativas de distribuidores para construir redes locais e investimentos em gasodutos."

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