Panorama internacional

Por que os Estados Unidos se opuseram à reforma da casta judicial no México?

Pressionado pelos Estados Unidos a desistir de uma importante reforma constitucional para o país, o México não recuou. O presidente, Andrés Manuel López Obrador, não só seguiu em frente com a medida como congelou as relações com os EUA, acusando-os de "ingerência inaceitável".
Sputnik
Aproveitando um grande período de popularidade, no qual conseguiu eleger sua sucessora, Claudia Sheinbaum, e obter a maioria no Congresso da União — órgão legislativo bicameral do México — com seu partido Movimento Regeneração Nacional (Morena), o presidente Andrés Manuel López Obrador (AMLO) conseguiu aprovar uma grande reforma judicial no país.
O grande destaque das mudanças está na criação de eleições para o Judiciário. Com a reforma, todos os juízes do país, desde os tribunais locais à Suprema Corte, deverão ser eleitos pela população em vez de indicados pelo Poder Executivo.
No episódio desta segunda-feira (16), o Mundioka, podcast da Sputnik Brasil apresentado pelos jornalistas Melina Saad e Marcelo Castilho, conversou com especialistas diretamente do México para falar sobre a reforma judiciária do país e a crise geopolítica decorrente com o seu vizinho de cima, os Estados Unidos.
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'Entrelaçamento doente com o poder econômico'

Lucio Oliver, professor de sociologia na Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM), destacou a necessidade da reforma judicial no país. Para o sociólogo, nos últimos 35 anos o Poder Judiciário do país se tornou uma "casta política a serviço do grande capital, seja este empresarial, transnacional ou do narcotráfico".
Frequentemente os juízes soltavam, sob alegações falsas de erros processuais, narcotraficantes presos pelo governo de AMLO e faziam vista grossa para a sonegação de impostos por grandes empresários, afirmou Oliver.

"Eles ficaram acostumados a servir a esse poder e não pensar no país e na sociedade."

A situação se agrava ainda mais considerando os altos salários dos juízes no México. Os membros do maior escalão, a Suprema Corte de Justiça da Nação, podem ganhar cerca de 7 milhões de pesos por ano, o equivalente a R$ 2 milhões na conversão atual. Dentro de um período de austeridade, esse salário é "ultrajante", disse Oliver.
Como parte da reforma judicial, o salário dos juízes será reduzido e não poderá superar o salário presidencial. Hoje o presidente ganha cerca de 140 mil pesos por mês, ou 1,6 milhão por ano. Isso equivale a cerca de R$ 480 mil anuais.
Revoltados, os juízes iniciaram um movimento de greve e convocaram manifestações de rua. "Isso era esperado, mas os procedimentos legais estavam claros e constitucionais para a reforma", detalha o pesquisador.

"Eles serviam totalmente aos interesses e às relações com os velhos partidos, com o velho PRI, que foi derrotado, com o PAN, que foi derrotado."

Estados Unidos critica, mas México não obedece

No final de agosto, o embaixador norte-americano no México, Ken Salazar, classificou a mudança judicial como um risco à democracia no país e afirmou que tal alteração constitucional colocaria em risco a relação com Washington.
Após essas declarações, AMLO acusou Salazar de violar a soberania mexicana e congelou as relações diplomáticas com os Estados Unidos.
As críticas, no entanto, não se deram só no campo diplomático. Tanto o banco de investimentos Morgan Stanley quanto o Banco Nacional de México (Citibanamex) condenaram a reforma judicial, assim como diversos meios jornalísticos norte-americanos e europeus.
Segundo Oliver, grande parte das preocupações estadunidenses advém de não saber como navegar nesse novo cenário. "Eles já estavam acostumados a negociar com esse Poder Judiciário."

"São reformas que atacam o poder econômico que estava acostumado a ter uma legalidade predefinida em favor dele. Os bancos, os empresários estão com medo de que a verdadeira legalidade não seja favorável a eles."

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Ao Mundioka, o professor de ciência política do Instituto Tecnológico e de Estudos Superiores do Ocidente (ITESO), da Universidade Jesuíta de Guadalajara, Luis González Tule comentou como devem ficar as relações diplomáticas entre os EUA e o México.

"Isso são pressões que tem o próprio sistema capitalista para frear, por seus meios, medidas que atentem contra seus interesses, ou que podem até mesmo ser consideradas ameaçadas", disse Tule.

Face à forte aprovação popular das mudanças, a diplomacia estadunidense abaixou o tom e "não tomou nenhuma ação concreta", destacou o cientista político. No entanto, "tudo vai depender também de quem ficará na presidência nos Estados Unidos".
Ou seja, ainda que México e Estados Unidos sejam o maior parceiro comercial um do outro, as relações diplomáticas podem ser abaladas dependendo de quem assumir a Casa Branca no próximo ano.
Em 2025 o México também estará com uma nova presidente, lembra Tule, Claudia Sheinbaum. Mesmo que seja sucessora de López Obrador, ela tem um perfil diferente do futuro ex-presidente.
"Andrés Manuel López Obrador é um líder político que conhece toda a entranha da política mexicana. Vem de um movimento social, de protestos e de enfrentamento ao regime autoritário do PRI", descreveu.

"Em troca, Claudia Sheinbaum é uma acadêmica reconhecida da universidade pública mexicana mais importante, mas tem menos experiência política e não tem o mesmo carisma que Obrador. O que ela tem é uma política muito eficiente."

Nesse contexto, para o professor do ITESO, é possível que haja um maior entendimento de Sheinbaum com a candidata democrata, Kamala Harris, do que com o ex-presidente dos EUA Donald Trump.
Ainda assim, justamente por já ter assumido a Casa Branca, é mais fácil analisar como seria a relação entre o México e os Estados Unidos com uma volta de Trump. "A relação foi um pouco tensa no início, mas depois o presidente López Obrador soube conduzir."
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"Foi tensa pois pressionou bastante contra a migração, tanto mexicana como da América Central e da América do Sul, que passa pelo México, e impôs taxas a produtos mexicanos como forma de pressionar o presidente a deter a migração."
Por mais que tenha maioria congressual para realizar mudanças constitucionais, restará saber se Sheinbaum terá jogo de cintura para circundar um Trump presidente. Já para Tule, se Harris for eleita "haverá um maior entendimento entre as presidentes".
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