"O México também tem um ciclo histórico de governos mais resistentes à pressão americana e outros mais subservientes aos Estados Unidos. Então o governo López Obrador foi um desses com ciclo de maior resistência, que busca autonomia. Os dois países possuem governos de centro-esquerda que buscam alimentar uma tradição diplomática de maior autonomia. Ou seja, ter mais liberdade para fazer comércio com países diferentes e aprofundar as relações Sul-Sul", enfatizou.
O que o México tem em comum com o Brasil?
"O México tem uma gravitação muito forte em torno dos Estados Unidos e sofre uma pressão maior pelo menos desde os anos 1990, com a instalação do NAFTA, bloco de livre comércio com Canadá e EUA. A presença de Lula me parece uma tentativa de aproximação para levar adiante essa agenda comercial para além da indústria automotiva, que tem puxado esse relacionamento, mas chegando a outra indústria importante no Brasil, que é o agronegócio. E isso pode gerar problemas e protestos por parte dos Estados Unidos, porque a agroindústria brasileira é muito competitiva, e certamente um acordo entre México e Brasil que facilite a importação desses produtos — e o país mexicano tem tido uma política de facilitação de produtos de cesta básica — pode gerar problemas e pressões nos Estados Unidos para que não se realize", exemplifica.
Aliança não interessa comunidade internacional
"Na época, as declarações das moratórias por Brasil e México movimentaram os principais analistas do FMI e economistas norte-americanos para pensarem em uma solução para que isso não ocorresse. Se Brasil e México tivessem realmente levado adiante [a moratória] e dado um calote na dívida externa, talvez as relações de integração na América Latina e as relações econômicas fossem outras, porque poderiam ter abalado o sistema. Mas como os analistas sabiam disso, eles logo se reuniram e arrumaram uma forma de impedir que tanto México quanto Brasil levassem a efeito essa moratória, renegociando novas formas de pagamento. Com isso, mantiveram a dependência econômica para que as duas maiores economias latinas não pudessem bater asinhas. Quando penso nesse momento, ali teria sido um grito de liberdade. Se México e Brasil tivessem levado a efeito o calote, talvez a gente tivesse outro cenário na política internacional, diferente do que a gente tem agora", argumenta.
Políticas para a América Latina pensada pelos latinos
"O que está acontecendo na Venezuela agora não é produto só de questões internas, há muita interferência externa. E assim sucessivamente, poderíamos nomear um a um dos países da região e mostrar como há interferências diretas e indiretas. Então qualquer aproximação Brasil-México, ela vai ligar um alerta na comunidade internacional, sobretudo em algumas potências que se interessam por essa divisão […]. E a possibilidade de terem êxito com esse grupo de mediação para a Venezuela pode ser muito mais do que uma mediação, mas o início de uma nova história", finalizou.