Em depoimento exclusivo à Sputnik Brasil, uma brasileira que morava na região até momentos antes do caos instalado nos últimos dias conta como tem sido a saga dos moradores para tentar "se livrar" das ações de Israel contra o Líbano.
Fatima Cheaitou, mestranda em artes visuais/comunicação pela Universidade de Paris, de 26 anos, descreveu sua fuga angustiante da cidade de Tiro, no sul do Líbano, rumo à capital, Beirute, em meio aos recentes bombardeios que atingem o país.
Fátima visitava seus familiares em julho, quando a situação no sul do Líbano começou a se agravar. No dia 23 de setembro a família decidiu fugir, em meio aos ataques que se intensificavam. A jornada, que normalmente duraria duas horas, se transformou em uma angustiante travessia de dez horas, marcada pelo medo e pela incerteza.
"Escutávamos as bombas caírem enquanto tentávamos sair de Tiro. Eu estava dirigindo, tentando focar, mas com o desespero de ver tudo acontecer ao redor", relembrou a mestranda.
Caos para além do trajeto
A jovem compartilhou que o caos não se limitou ao trajeto. Durante o caminho, o sinal de comunicação foi interrompido, tornando impossível o contato contínuo com os familiares.
"Foram poucas as vezes que conseguimos sinal para verificar se todos estavam bem. Eu estava em um carro com meu pai e minha irmã, enquanto minha mãe e outra irmã estavam em outro. As comunicações eram falhas e esporádicas, o que aumentava o desespero", explicou Fátima.
O trajeto de Tiro a Beirute levou 10 horas para Fátima e 12 horas para sua mãe, devido ao intenso trânsito e aos bloqueios.
"Foi muito angustiante o caminho inteiro. Você não conseguia andar, estava lotado. A rodovia era ida e volta, e todo mundo estava indo para Beirute. Também estavam bombardeando perto da autoestrada, o que só aumentava o medo e o desespero", relatou.
Após chegar a Beirute, a família enfrentou mais um desafio: conseguir passagens para deixar o país. Apenas uma companhia aérea, a Middle East Airlines, continuava operando no Líbano, o que complicou a saída das milhares de pessoas.
"Foram dias de incerteza. Conseguimos passagens divididas em voos extras, mas foi um processo lento e desesperador", sublinhou à reportagem.
O aeroporto de Beirute, que normalmente estaria lotado durante o verão, apresentava uma atmosfera desoladora, salientou a brasileira.
"Eu esperava que estivesse lotado, mas quando chegamos, às duas da manhã, o aeroporto estava vazio. E de uma certa forma, isso é mais depressivo ainda do que se o aeroporto estivesse cheio. Isso só mostra que realmente ninguém está conseguindo sair e as coisas estão anormais. Porque o Líbano, geralmente nesta época de verão, lá agora é a época que mais tem turismo, que todos os libaneses que moram fora vão visitar as famílias", relatou Fátima.
Segurança e preocupações
Agora no Brasil, a estudante se sente segura, mas continua preocupada com seus familiares que permanecem no Líbano.
"Eles estão mais no norte do Líbano, que é mais seguro. Só que também foi muito difícil até chegar lá, […] por conta de tanta gente que teve que se deslocar de suas casas, imagina, mais de 1 milhão de pessoas tiveram que se deslocar do sul do Líbano", disse ela, com um misto de alívio e preocupação.
Fátima também demonstrou frustração com a comunidade internacional, destacando a complexidade do conflito e o papel de grandes potências no financiamento dos ataques.
"A gente tem a esperança de que isso acabe, de que a gente consiga voltar para as nossas casas, que o sul do Líbano pare de ser bombardeado, o Líbano inteiro, infelizmente, e também a Faixa de Gaza. Só que, ao mesmo tempo, você vê como os países que têm o poder de parar isso não estão parando, porque eles têm o interesse de que isso continue acontecendo", disparou.
Situação na região
Desde a semana passada, Israel vem realizando uma campanha aérea contra alvos do Hezbollah em várias partes do Líbano e concentrando tropas através da fronteira.
A situação na fronteira entre Israel e o Líbano se agravou após o início da operação militar de Israel na Faixa de Gaza, em outubro de 2023. Desde então, militares israelenses e combatentes do Hezbollah trocam tiros quase diariamente em áreas ao longo da fronteira.
Israel começou a atacar de forma massiva o sul e o leste do Líbano na semana passada. O chefe do Estado-Maior das Forças de Defesa de Israel (FDI), Herzi Halevi, rotulou a operação ofensiva de Flechas do Norte.