Desde que a Argentina decidiu explorar suas vastas reservas de lítio, a China tem sido um dos principais interessados em investir no setor, com projetos de extração e instalação de plantas de carbonato de lítio nas províncias de Jujuy, Salta e Catamarca.
Um levantamento feito em 2024 pela Bolsa de Comércio de Rosário revelou que o gigante asiático tem planos de investimento que somam US$ 3,383 bilhões (cerca de R$ 19,5 bilhões), em sete projetos com diferentes graus de avanço.
A presença chinesa, no entanto, pode ser reduzida em função do acordo assinado entre o governo de Javier Milei e o Departamento de Estado dos EUA, que, entre outras coisas, compromete a Argentina a fornecer informações privilegiadas sobre licitações e projetos relacionados à exploração de lítio.
A obrigação argentina está contemplada no "Memorando de Cooperação para a Governança, Investimento e Segurança das Cadeias de Suprimento em Nível Mundial", documento assinado em agosto pela chanceler argentina, Diana Mondino, e um representante do Departamento de Estado, cujos detalhes foram revelados apenas neste mês.
Segundo o meio argentino El Destape, no documento o governo argentino expressa sua "intenção de fornecer informações aos Estados Unidos sobre potenciais licitações e projetos no país assim que essas informações se tornem disponíveis".
O mesmo documento indica a vontade do governo nacional de convencer os governos provinciais — que, de acordo com a Constituição argentina, são os verdadeiros proprietários dos recursos subterrâneos — a seguir o mesmo procedimento, "para garantir que as empresas sediadas nos Estados Unidos e os parceiros da Associação para a Segurança dos Minerais tenham tempo suficiente para participar".
A assinatura do memorando faz parte da adesão da Argentina à Aliança para a Segurança dos Minerais Críticos, um acordo promovido pelos EUA que inclui outros 14 países, entre eles Austrália, Canadá, França, Reino Unido, Índia, Japão e a própria União Europeia.
O acordo abrange a cooperação "em toda a cadeia de valor, desde a mineração, extração e recuperação secundária até o processamento, refino e, finalmente, a reciclagem" tanto do lítio quanto de outros minerais, como cobalto, níquel, manganês, grafite, cobre e terras-raras.
Em entrevista à Sputnik, o doutor em ciências econômicas e analista geopolítico argentino Jorge Elbaum definiu o acordo como um "mecanismo de disciplina" para manter a China sob controle em um campo estratégico:
"Essa aliança ainda tem um duplo objetivo: por um lado, se antecipar à possibilidade de que a China consiga acesso a esses minerais e terras-raras, e, por outro lado, manter a América Latina em seu 'quintal'", acrescentou o analista.
Elbaum destacou que a inclusão da Argentina nesse acordo é importante porque o país sul-americano, junto com o Chile e a Bolívia, faz parte do Triângulo do Lítio, uma região que concentra cerca de 50% das reservas mundiais do mineral e na qual a China, por meio de grandes investimentos, conseguiu se posicionar de forma significativa nos últimos anos.
Para os EUA, enfatizou Elbaum, o lítio "é um material imprescindível" na "guerra dos microprocessadores" e na nanotecnologia que coloca Washington e Pequim em confronto.
Além disso, acessar novas reservas de lítio pode permitir que os EUA avancem na indústria de veículos elétricos, um campo em que tanto o país norte-americano quanto a Europa estão em desvantagem em relação à China.
"Qualquer ação que os EUA possam tomar para limitar a emergência da China como a primeira economia mundial é fundamental para Washington, seja impedindo o acesso chinês a matérias-primas ou cadeias de valor ou cortando os laços de cooperação com diversos países, como é o caso da Argentina", alertou.
O conteúdo do memorando foi revelado poucas semanas após o presidente Milei reconhecer a China como "um parceiro comercial muito interessante", cuja única exigência era "que não os incomodassem". Além disso, o presidente está preparando uma viagem oficial à China para janeiro de 2025.
Elbaum considerou que o conteúdo do documento representa um "golpe" nas relações entre Argentina e China.
Ele afirmou que esse tipo de gesto pode ser negativo para os investimentos chineses na Argentina e repercutirá no vínculo entre os dois países, em um momento em que o governo de Milei ainda depende do swap de moedas facilitado pela China para "alavancar as reservas da Argentina".
"Embora o swap tenha sido renovado, à medida que o governo continue com políticas de associação para privar a China de determinados acessos, isso obviamente limitará os vínculos com Pequim e também com o BRICS em geral", analisou Elbaum.
Visto dessa forma, o especialista apontou que a decisão de assinar esse acordo só pode ser explicada por uma "sujeição ideológica absoluta" a Washington por parte da política externa e comercial argentina.