Panorama internacional

Análise: BRICS é o 'movimento não alinhado 2.0' do mundo contemporâneo, calcado no pragmatismo

Em entrevista à Sputnik Brasil, analistas apontam que o grupo lidera a busca pela nova ordem mundial multipolar, mas com a vantagem de ter entre os membros economias pujantes que conferem uma correlação de forças diferente da vivenciada na Guerra Fria, época que também contou com movimentos de constestação anti-hegemônicos.
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A tentativa de criar uma frente para contestar a hegemonia dos EUA sobre os demais países é antiga. Em 1961, durante a Guerra Fria, por exemplo, quando o mundo se via dividido entre dois blocos, liderados por EUA e União Soviética (URSS), lideranças nacionalistas fundaram o Movimento dos Não Alinhados, uma tentativa de criar um bloco de autonomia. Porém, embora ainda existente, o movimento perdeu proeminência.
Em entrevista à Sputnik Brasil, especialistas analisam se o BRICS pode ser apontado atualmente como o grupo que cumpre o papel de movimento anti-hegemônico e quais os desafios enfrentados hoje que diferem do cenário da Guerra Fria.
Para Diego Pautasso, doutor em relações internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e autor do livro "A China e a Nova Rota da Seda", o BRICS, sobretudo após a ampliação de 2023, "representa o movimento não alinhado 2.0, com capacidade enorme de reorganização do sistema internacional".
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Ele acrescenta que Rússia e China atualmente desempenham os principais papéis de líderes anti-hegemônicos.

"[Rússia e China] fazem, portanto, um papel alternativo às estruturas hegemônicas de poder centradas em Washington e que são heranças do final da Segunda Guerra Mundial, como o predomínio, a ascendência sobre o sistema ONU [Organização das Nações Unidas], sistema Bretton Woods, G7, OCDE e demais mecanismos que têm funcionado como uma pavimentação da hegemonia estadunidense", explica.

No entanto, ele enfatiza que o papel do BRICS hoje se dá em um contexto internacional ancorado por economias pujantes, o que não era o caso do Movimento dos Países Não Alinhados nos anos 1960. Nesse contexto, ele afirma que "o grupo tem condição de levar adiante uma reorganização do sistema internacional, porque a correlação de forças é absolutamente diferente".
"Hoje há um nítido processo de transição sistêmica no qual os Estados Unidos e seus aliados não representam mais a maioria econômica, demográfica e política, e há uma crescente aderência e aspiração de mudança dos mecanismos de governança e de integração do sistema internacional."
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A opinião é compartilhada por Guilherme Conceição, mestrando em relações internacionais pelo Instituto San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp e PUC-SP) e pesquisador do Centro de Investigação em Rússia, Eurásia e Espaço Pós-Soviético (CIRE).
No entanto, Conceição afirma não considerar o BRICS uma plataforma anti-Ocidente, mas sim de defesa do multilateralismo.

"É importante a gente ressaltar que essa visão que desafia a estrutura de poder ocidental compartilha muito mais um caráter reformista, ao buscar por uma nova ordem mundial mais multipolar, do que necessariamente disruptiva. Na realidade, ao analisarmos as declarações dos próprios líderes do BRICS, nós vamos perceber que eles enxergam muito mais a organização e o grupo como uma defesa do multilateralismo do que como um agente anti-Ocidente", argumenta.

Ele aponta que entre as diferenças do BRICS, com o Movimento dos Não Alinhados, está a disposição de membros do grupo de fechar acordos e formar alianças militares com grandes potências.
"Em vez de rejeitar alianças, na verdade, cada membro do grupo [BRICS] mantém relações distintas com os próprios Estados Unidos, com a Europa e entre si, que são moldadas por interesses econômicos e geopolíticos específicos. Nesse sentido, a abordagem do BRICS é mais pragmática e busca viabilizar alternativas mais concretas, a reforma do sistema financeiro — enfim, a reforma do sistema internacional conforme conhecemos hoje."
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Apesar da diferença, Conceição frisa que é inegável que o BRICS hoje continua a ser um fórum simbólico bastante importante, principalmente para o sul geopolítico e para alavancar a transição de liderança proposta por Pequim.
"De fato, o BRICS evoluiu para algo muito mais amplo do que uma aliança econômica […]. A própria criação do Novo Banco de Desenvolvimento [NBD] está aí para representar um passo significativo na construção de alternativas ao sistema financeiro, que ainda é dominado pela doutrina do Bretton Woods, pelo FMI [Fórum Monetário Internacional] e pelo próprio Banco Mundial. […] Outro exemplo pode ser também encontrado na soma de seu PIB [produto interno bruto], que recentemente ultrapassou o PIB dos membros do G7 e que, evidentemente, atribui ao grupo uma espécie de verniz estratégico, que busca justamente reconfigurar as dinâmicas de poder."
Questionado sobre o que o BRICS pode fazer para evitar a perda de influência vivenciada pelo Movimento dos Não Alinhados, Conceição afirma que o grupo precisa "manter a consistência, mesmo diante do delicado equilíbrio que envolve manter seus objetivos econômicos e políticos".

"E, para isso, eu acho que o BRICS teria que focar em áreas específicas, como no comércio, nas finanças, no desenvolvimento sustentável. Ou seja, sem perder o seu éthos [caráter] econômico, mas também sem abrir mão das suas prerrogativas políticas mais amplas. E aqui, eu acho que cabe mencionar, uma linha interessante que vem sendo adotada pelo Brasil, que tem defendido a pauta necessária da reforma da ONU e de demais instituições multilaterais, ao mesmo tempo que também acena para a desdolarização intrabloco", afirma o especialista.

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