Marco Rubio criará dificuldades para o Itamaraty e desestabilizará governo brasileiro, diz analista
12:56, 21 de novembro 2024
Nomeação de Marco Rubio para a chefia da política externa norte-americana sob Trump acende alarmes na América Latina. Conhecido por uma política intervencionista, Rubio não fará as pazes com governos progressistas e poderá agir para desestabilizar o governo brasileiro, alerta especialista ouvido pela Sputnik Brasil.
SputnikO presidente eleito dos EUA, Donald Trump, revelou traços da política externa de seu segundo mandato ao indicar o senador pelo estado da Flórida, Marco Rubio, para o posto de secretário de Estado. Caso confirmado para o cargo, Rubio será o primeiro norte-americano de ascendência latina a ocupar o posto equivalente a ministro das Relações Exteriores no Brasil.
"Marco é um líder altamente respeitado e uma voz muito poderosa em prol da liberdade", escreveu o presidente eleito dos EUA, Donald Trump. "Ele será um forte defensor de nossa nação, um verdadeiro amigo de nossos aliados e um guerreiro destemido que nunca recuará diante de nossos adversários."
A indicação de Rubio foi um balde de água fria para quem esperava inovações na política externa trumpista. Como membro das comissões de Relações Exteriores e de Inteligência do Senado, Marco Rubio defendeu temas clássicos da agenda neoconservadora norte-americana, garantindo apoio incondicional a Israel e antagonizando com China, Rússia e Irã.
Filho de refugiados cubanos e representante de um Estado com forte influência hispânica, Rubio poderá reforçar a presença de Washington na América Latina. Especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil, no entanto, não estão convencidos de que isso será positivo para o Brasil.
"Querendo ou não, a indicação de Marco Rubio é a mais convencional dentre as nomeações feitas por Trump até agora", disse a pesquisadora-colaboradora do IESP-UERJ, Monica Hirst, à Sputnik Brasil. "Rubio tem uma carreira política consolidada e certa legitimidade para assumir o cargo, já que lidava com temas de política externa no Senado norte-americano."
Segundo a especialista em relações Brasil-EUA Hirst, ainda que Rubio tenha posições distintas das de Trump, o seu perfil é de executor, e não formulador de políticas públicas.
"Caso Rubio queira permanecer no cargo, ele terá que se adaptar às posições do chefe do Executivo", notou Hirst. "A primeira administração Trump foi marcada por alta rotatividade, com o tempo médio de dois anos de permanência em cargos de alto nível."
Apesar de serem considerados rivais dentro do Partido Republicano,
Trump e Rubio coordenam posições sobre assuntos latino-americanos já há algum tempo. De
acordo com a Associated Press, Rubio aprovou indicações de embaixadores para a região durante o primeiro mandato de Trump e representou o presidente em visitas oficiais à região.
"É inevitável que a região ganhe algum peso [durante o mandato de Rubio], dadas as devidas proporções, afinal já faz muito tempo que a América Latina não é prioridade estratégica para os EUA", lembrou Hirst. "E Marco Rubio já nomeou seus alvos preferenciais: Cuba, Nicarágua e Venezuela."
Para a especialista,
estar no centro das atenções da administração norte-americana não é necessariamente algo positivo. Hirst lembra a atenção dada ao México, "que está no topo da agenda em função do pânico da deportação massiva de imigrantes". No caso da Venezuela, a expectativa é de reforço da agenda de sanções econômicas e aumento da pressão sobre o governo de Nicolás Maduro.
"Em um contexto de tensão geopolítica, Marco Rubio e Donald Trump tentarão 'Fazer a América Latina Norte-Americana Novamente'", disse Hirst. "Não acredito que o esforço será bem-sucedido, mas a expectativa é essa."
O professor de relações internacionais da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), Vinícius Rodrigues Vieira, concorda, e alerta para tempos difíceis para as nações latino-americanas.
"Essa atenção será perigosa e a América Latina fica sujeita à instabilidade política", disse Vieira à Sputnik Brasil. "A América Latina será tratada como um parceiro subordinado não só aos EUA, mas também à extrema direita norte-americana, representada por Donald Trump."
Segundo o professor, o isolacionismo trumpista não significará menos intervenção norte-americana em países terceiros, mas sim ação unilateral, sem o aval de aliados ou formação de coalizões.
"Não há ali um isolacionismo, senão um recrudescimento do unilateralismo e das ações bilaterais, em detrimento do multilateralismo", explicou Vieira. "Será uma administração que encara os EUA como a nação escolhida, branca, cristã, que deve agir sem articulação com parceiros ou organizações internacionais para garantir a sua primazia no mundo."
Jogo de espelhos
Após aproximação com a administração Biden, o governo Lula poderá ter dificuldade para estabelecer contatos produtivos com o novo presidente do Partido Republicano. Para Vieira, a recente
declaração da primeira-dama Janja Silva sobre o aliado de Trump Elon Musk tampouco favorece a aproximação entre o Planalto e a Casa Branca.
"Ainda que o Itamaraty tente rever as diretrizes de sua política externa, não vai conseguir conquistar Trump", acredita Vieira. "Acredito que Rubio criará dificuldades para uma aproximação institucional com o Itamaraty e, ainda que mantenha as aparências, no subterrâneo haverá, não tenho dúvidas, tentativas de desestabilização do governo brasileiro, como já houve no passado."
O analista se lembra do apoio norte-americano ao golpe de 1964, que levou à queda do governo progressista de João Goulart e à instauração do regime militar. De acordo com Hirst, as relações entre Brasil e EUA sob Lula e Trump não necessariamente serão conflituosas, mas sim protocolar e distante: "Cada um poderá ficar no seu canto", resumiu a especialista.
"O governo brasileiro se manifestou pela opção democrata antes do tempo, e isso não foi bom. Trump é uma pessoa ressentida, e isso pode trazer alguma consequência negativa em termos de sanções em alguma área da nossa pauta comercial", disse Hirst.
Em seu primeiro mandato, Donald Trump impôs barreiras às exportações de aço brasileiro aos EUA, apesar do alinhamento ideológico que nutria com o então presidente brasileiro Jair Bolsonaro.
"De maneira inédita, as relações entre Brasil e EUA estão sendo determinadas por um espelhamento de suas políticas domésticas. A questão da defesa do Estado de Direito nos dois países está gerando um jogo de espelhos que não tínhamos antes", notou Monica Hirst.
Para ela, "a vitória de Trump e o resultado das eleições
municipais brasileiras poderiam apontar para um novo ciclo de fortalecimento da direita no continente". No entanto, novas revelações sobre as
intenções de apoiadores do ex-presidente Bolsonaro de consolidar um golpe de Estado no Brasil podem garantir novo impulso às forças progressistas, acredita a professora.
"Nesse contexto, o Brasil poderá ter força para continuar com o bonde da democracia nos trilhos até 2026", acredita Hirst. "Mas, infelizmente, não temos parceiros na América Latina para unirmos forças. Estamos com o regionalismo totalmente naufragado e uma região muito fragilizada. Já não somos nem uma região, mas uma mera vizinhança."
Apesar dos desafios, o Brasil tem autonomia suficiente para manter a condução de sua política externa, independente dos humores na Casa Branca. Para a professora Monica Hirst, o Brasil não deve reformar sua política externa para se adequar à agenda de Trump.
"O Brasil tem muitos temas de política externa para tocar. Tem muita gente no Ocidente e no Sul Global que quer trabalhar com o Brasil", disse Hirst. "Acabamos de ver isso no G20. Os EUA não têm essa centralidade toda."
No entanto, o Brasil sofrerá as consequências de uma política errática advinda da Casa Branca, que enfraquecerá as instituições internacionais e os mecanismos de governança global.
"Claro que o Brasil será afetado pelo enfraquecimento do multilateralismo. Claro que a crise humanitária da fronteira do México será dilaceradora. Mas o Brasil tem atributos de poder brando para atuar internacionalmente. Não somos uma colônia dos Estados Unidos", concluiu Monica Hirst.
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