O recém-eleito presidente uruguaio tem a difícil tarefa de resgatar as políticas sociais que marcaram os governos da Frente Ampla.
Para Daniel Osowicki, licenciado em história pela Pontifícia Universidade Católica do Equador e mestre pela Universidade Bar-Ilan, o novo governo parece disposto a continuar o legado da Frente Ampla, especialmente com base na influência de José Mujica, figura emblemática do país.
"Yamandú Orsi tem um discurso que constantemente remete aos anos anteriores do governo da Frente Ampla", observa Osowicki à Sputnik Brasil.
Ele destaca que o presidente eleito se inspira na figura de Mujica, especialmente em questões centrais de sua campanha, como a não elevação de impostos e a redução de idade para aposentadoria.
"Esses dois temas foram fundamentais para a sua eleição e, provavelmente, continuarão a ser pilares do seu governo", afirma.
Além disso, Orsi busca reativar a economia uruguaia e fortalecer a indústria nacional, que, segundo Osowicki, tem enfrentado sérios desafios, com a constante falência de fábricas e empresas no país.
"O novo governo enfrentará um cenário econômico delicado, mas a recuperação do setor industrial será uma das prioridades", analisa o analista uruguaio.
Segundo a professora Mayra Coan, doutora em história social pela Universidade de São Paulo (USP) e especialista em ciências da integração da América Latina, o cenário eleitoral foi bastante equilibrado. "Era uma eleição que estava bem acirrada, que a gente não tinha muita garantia de quem conseguiria vencer", afirmou Coan.
No primeiro turno, Orsi obteve cerca de 44%, enquanto Delgado ficou com quase 27%. A margem pequena entre os candidatos gerou incerteza até o último momento, e as pesquisas indicavam uma diferença de, no máximo, 1%, o que tornava a disputa ainda mais imprevisível.
"Esperava-se que o Orsi ficasse à frente, mas não havia certeza, principalmente pela margem de erro das pesquisas", embasou a internacionalista.
Política externa
Em relação à política externa, a eleição de Orsi representa uma mudança significativa para o equilíbrio político no Mercosul e na América Latina, aponta Osowicki. Durante o governo de Lacalle Pou, o Uruguai foi criticado por tentar negociar acordos bilaterais com a China, sem consultar seus parceiros do bloco.
"Agora, com a volta da esquerda, o Uruguai provavelmente adotará uma postura mais alinhada ao Mercosul, buscando acordos comerciais não apenas com a China, mas também com a União Europeia", acredita Osowicki.
O papel de Orsi no Mercosul será crucial para manter a coesão do bloco, especialmente diante da polarização política na região, avalia.
"Nos próximos anos, é provável que o Uruguai, sob a liderança de Orsi, busque aprofundar a integração regional, o que será um alicerce importante para fortalecer as relações na América Latina", afirma o historiador.
A relação do Uruguai com os Estados Unidos também permanece sólida, independentemente da administração que esteja no poder. "O Uruguai é visto pelos Estados Unidos como um exemplo de estabilidade política e convivência pacífica entre diferentes ideologias", comenta Osowicki, destacando que, mesmo com a eleição de líderes mais à direita, como Donald Trump nos EUA e Javier Milei na Argentina, as relações bilaterais continuarão fortes.
Relação com a América Latina
O maior desafio de Orsi, no entanto, será equilibrar o crescimento econômico com a justiça social. Osowicki aponta que o custo de vida no Uruguai é um dos mais altos da América Latina, o que tem pressionado a população.
"O novo presidente precisará adotar medidas para fortalecer a indústria nacional e criar mais empregos, o que pode levar à diminuição nos investimentos internacionais nos primeiros momentos do governo", explica Osowicki.
Entre as principais promessas de Orsi estão a redução da idade de aposentadoria e a implementação de um plano nacional de irrigação, visando impulsionar a produção agrícola.
A vitória de Orsi traz boas notícias não só para o Brasil, mas também para o Mercosul e a integração regional, sublinhou a professora Coan à Sputnik. Ela acredita que o Brasil pode "respirar um pouco mais aliviado" com a eleição, pois Orsi compartilha uma perspectiva mais alinhada com a do governo brasileiro, especialmente em relação ao Mercosul.
"O Uruguai já vinha de um tempo mostrando insatisfação com algumas questões do Mercosul, demandando uma flexibilização, especialmente em relação à China e à União Europeia."
Essa foi a quarta eleição consecutiva que os ruguaios elegeram o presidente em segundo turno.