Panorama internacional

Especialista: evitar os meios de comunicação tradicionais 'reforçou a imagem antielite' de Trump

A decisão da equipe republicana de priorizar a aparição de Trump em podcasts, redes e plataformas alternativas o ajudou a conquistar milhões de votos, aproximando-o de um eleitorado mais jovem e diversificado, confirmando também a perda de influência dos meios tradicionais, afirmou o internacionalista Martín Falco à Sputnik.
Sputnik
Nas inúmeras análises que surgiram na imprensa norte-americana após a vitória de Donald Trump observando a fracassada campanha democrata, uma das questões que os analistas mais procuraram responder gira em torno de como foi possível que, tendo gasto quase US$ 500 milhões (cerca de R$ 2,9 bilhões) a mais em propaganda em jornais, rádio e televisão do que o magnata republicano, e com quase todos os meios de comunicação tradicionais a favor, Kamala Harris perdeu as eleições presidenciais de forma retumbante.
Vale lembrar que a atual vice-presidente, que as pesquisas mostravam empatada com Trump no período que antecedeu as eleições, não só foi derrotada nos sete estados indecisos e obteve menos votos que Joe Biden em 2020 em todos os condados do país, mas também foi derrotada tanto no Colégio Eleitoral como no voto popular, algo que não acontecia a um democrata desde John Kerry nas eleições de 2004, perdendo o apoio de quase todos os eleitores, especialmente entre os latinos, afro-americanos, homens e da classe trabalhadora.

Canais alternativos

Embora as razões para a derrota da fórmula democrata sejam atribuídas a uma variedade de motivos (um presidente impopular em Biden, insatisfação com a inflação elevada, política de imigração permissiva, financiamento milionário à Ucrânia e a Israel e a fraqueza da própria Harris como candidata, entre outros), começou a surgir um consenso de que a estratégia de comunicação de Trump de virar as costas aos jornais e canais de televisão e optar por priorizar formatos como podcasts, programas de streaming e a plataforma Twitch, foi a correta, especialmente tendo em conta o ecossistema midiático cada vez mais atomizado e a crescente perda de confiança nas instituições de informação entre os cidadãos.
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Esta decisão da equipe do presidente eleito parece estar ligada aos sentimentos de uma grande maioria dos eleitores, um fenômeno que ultrapassa as linhas partidárias e que registra números cada vez mais elevados a cada ano. De acordo com um estudo da Gallup publicado em outubro, apenas 31% dos norte-americanos disseram confiar "muito" ou "bastante" nos meios de comunicação social, enquanto uma esmagadora maioria de 69% disse não acreditar neles "de todo" ou "muito pouco".
Da mesma forma, um relatório da empresa Pew Research, realizado entre residentes nos EUA e publicado no meio do mês, mostrou que 1 em cada 5 adultos naquele país recebe notícias de influenciadores, sejam eles personalidades do TikTok ou por meio de podcasts ou programas de streaming, deixando para trás a preferência pela obtenção de informações através de canais de televisão ou jornais.
Fazendo eco deste cenário, a equipe de Trump surpreendeu ao apostar em mais de 20 podcasts nos meses finais da campanha, incluindo o muito popular "Joe Rogan Experience", com dezenas de milhões de ouvintes em diversas plataformas.
Ao mesmo tempo, Trump deu as costas aos meios de comunicação tradicionais, recusando participar em um segundo debate com Kamala Harris e evitando dar entrevista ao programa "60 minutos" da CBS, uma tradição das campanhas presidenciais norte-americanas desde a década de 1990.

'Mudança de paradigma'

Para Martín Falco, internacionalista formado pela Universidade de Palermo, esta estratégia midiática de Trump "reflete uma mudança no paradigma comunicacional", em que jornais históricos e canais de televisão já não são relevantes para determinar o resultado de uma eleição, em parte porque os hábitos de consumo mudaram e também porque graças à Internet existem outros meios de informação, bem como mais ceticismo em relação às narrativas apresentadas através dos canais oficiais.
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Nesse sentido, o especialista afirma que a escolha de aparecer em plataformas e meios de comunicação não tradicionais aproximou Trump de um eleitorado mais jovem e diversificado que no passado poderia ter votado nos democratas, e "reafirmou a sua imagem antielite", algo atraente dado o apetite dos cidadãos em procurar mudanças durante essas eleições, a partir da baixa aprovação do presidente Joe Biden e da sua gestão da economia.

"Nos EUA, a idade média do público que assiste aos canais de notícias é de 70 anos, enquanto os influenciadores e podcasters falam para um público jovem e adulto, com o qual os republicanos sempre tiveram dificuldade em se conectar, pois sempre foram um partido associado ao status quo e valores tradicionais. Agora isso mudou, Kamala conquistou o voto dos mais velhos e Trump procurou falar com o eleitorado mais jovem, sabendo que a sua imagem de estranho à política e algumas das suas propostas, como a de parar de financiar conflitos estrangeiros, poderia repercutir neles e ele estava certo", diz o analista.

Falco destaca ainda que a estratégia de Trump é consistente com a história midiática do magnata, que desde a juventude soube utilizar os meios de comunicação de forma inteligente, adaptando-se às suas exigências e regras de acordo com cada época.

"Na década de 1980, quando era um empresário imobiliário em ascensão, [Trump] se tornou mundialmente famoso graças às suas aparições em revistas de fofocas e talk shows. Depois, com seu programa 'O Aprendiz', aproveitou o boom dos reality shows para se tornar conhecido. Uma nova geração para sua carreira política, ele primeiro usou o Twitter [atualmente X], mostrando-se de forma casual e até cômica, algo novo para a política, e surpreendeu todos ao vencer dessa forma. E em 2024, sua maior aposta foram os podcasts e streamings, novamente contrariando os manuais clássicos de política, e novamente com sucesso", finaliza o especialista.

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