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'Prometeu uma coisa e na hora H era outra': o que está acontecendo nas negociações da Avibras?

Após 45 dias de negociações, o investidor nacional anônimo interessado em comprar a Avibras desistiu da transação, estendendo por tempo indefinido a crise que atinge uma das joias da coroa da Base Industrial de Defesa (BID) do Brasil. À Sputnik Brasil, especialistas são unânimes em pedir maior participação do governo no desenrolar da história.
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Na segunda-feira (9), o representante do investidor "misterioso", Carlos Fortner, enviou uma carta ao Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos e Região (SindmetalSJC) afirmando que "não foram cumpridas as condições precedentes consideradas pelas partes como essenciais ao fechamento do negócio".
Havia prazo de 45 dias a partir do início das negociações, em 28 de outubro, para a conclusão exclusiva das tratativas. A nota, enviada ao sindicato por Fortner, chegou no 42º dia.
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Em seu site, a Avibras informou estar "surpreendida pela comunicação unilateral do eventual investidor" e diz que, embora tenha cumprido todas as suas obrigações, "o investidor possui o direito contratual de desistir do investimento a qualquer momento e por qualquer motivo".
Já o sindicato, em seu site, afirmou ser "lamentável" o fim da transação, "uma vez que a Avibras e o investidor, que se mantém no anonimato, geraram grandes expectativas nos trabalhadores que estão há 20 meses sem salário, FGTS e INSS".
Chegando já ao seu terceiro ano, o drama da companhia sediada em Jacareí, São Paulo, parece não ter fim. À Sputnik Brasil, o presidente do SindmetalSJC repudiou a forma que as negociações se deram.
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Desde o primeiro momento, a identidade do investidor nunca foi revelada aos representantes trabalhistas, disse Weller Gonçalves. "Como você faz a negociação sem saber quem é a empresa? Quem é a pessoa que, de fato, estava fazendo a proposta para fazer o pagamento aos trabalhadores?"
A forma que a Avibras lidou com as tratativas também foi criticada pelo líder sindical.

"Disseram que a Avibras prometeu uma coisa e que, na hora H, eles viram que era outra, principalmente em relação aos contratos."

Segundo Gonçalves, o investidor disse que a Avibras teria se apresentado ao investidor como uma companhia com contratos firmados no exterior. "E na hora que eles foram ver esses contratos, ainda não estavam 100% garantidos."
Entre os dias 8 e 28 de novembro foram realizadas quatro reuniões entre os trabalhadores em greve e o representante do comprador, Carlos Fortner, com o objetivo de negociar o pagamento dos débitos trabalhistas.
A proposta final apresentada pelo investidor anônimo consistia em:
pagamento das dívidas trabalhistas — salários, 13º e férias em atraso — em até 13 parcelas, com início em janeiro de 2025;
pagamento de multas normativas e inibitórias — equivalente ao saldo salarial, 13º e férias em atraso corrigidos pelo Certificado de Depósito Interbancário (CDI), acrescidos de 2% ao ano — em duas parcelas iguais em fevereiro e março de 2026;
pagamento do salário de dezembro até o fim do mês e do 13º até 20/12;
restabelecimento do plano de saúde;
estabilidade no emprego até abril de 2025 aos empregados que anuírem com o acordo e retornarem aos postos;
permanência da empresa na região por um período de dez anos;
extensão das cláusulas sociais do acordo coletivo até a data-base 2026;
abono de R$ 4 mil, pago em duas parcelas, ao colaborador que retornar ao trabalho.
A oferta, contudo, nunca foi levada aos trabalhadores em assembleia, uma vez que sua validade estava condicionada à aquisição da Avibras e, portanto, não era garantida. "Para você fazer proposta para os trabalhadores, você tem que ter as outras frentes de negociação já concretizadas", condena o presidente do sindicato.
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Qual será o futuro da Avibras?

De negociação fracassada à negociação fracassada, a direção do sindicato se encontrou com representantes do Ministério da Defesa, do Gabinete da Presidência e da Casa Civil em Brasília (DF).
Nas reuniões, a entidade pediu mais ação do poder público para resgatar a companhia e seus trabalhadores, desde a antecipação do pagamento no valor de R$ 360 milhões relativos a um contrato com o Exército Brasileiro, a realização de novas encomendas da fábrica e a participação do governo federal nas negociações.
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Em resposta, as autoridades governamentais afirmaram que há outros interessados em comprar a Avibras e que esses investidores já estão conversando com o governo federal.
Entretanto, à reportagem, Weller Gonçalves defendeu a estatização da Avibras: "A Avibras é a principal indústria de defesa do país, uma empresa estratégica para o Brasil."
"Nós defendemos que essa empresa deve pertencer ao Estado e estar sob o controle dos trabalhadores", afirma o presidente da entidade. "Agora, se não vai estatizar, minimamente o governo tem que investir, garantir os contratos."
"Você jamais vai ver uma empresa do setor de defesa em outros países como Estados Unidos, China, Rússia ou qualquer outro país da Europa em que a principal indústria de defesa do país passa por crise, corre o risco de fechar e você não ter a intervenção do Estado."
À Sputnik Brasil, o pesquisador do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional (Gedes) Jorge Rodrigues afirma que o setor de defesa tem um caráter único que o diferencia dos demais. "Investimentos na indústria de defesa não devem ser pautados pelos retornos financeiros, mas sim pelo produto final da defesa: a garantia da segurança nacional e da soberania."
Por conta disso, o setor é "monopsônico", isto é, possui apenas um comprador para financiar: o Estado. "A indústria de defesa exige investimentos elevados do Estado", explica o analista.
Nesse sentido, a Avibras integra uma categoria especial conhecida como Empresa Estratégica de Defesa (EED). Companhias desse tipo são reconhecidas por sua importância na condução de atividades relacionadas à segurança nacional.
Para entrar na lista, contudo, é necessário preencher algumas obrigações, como ter sede no país, produzir conhecimento científico ou tecnológico de ponta, manter o controle acionário nacional e ter linha de produção em território nacional.
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O maior risco é que a empresa seja vendida ao capital internacional, sujeitando o país à dependência tecnologia estrangeira, diz Rodrigues. "Uma das consequências da venda da empresa a um comprador estrangeiro é a desnacionalização e perda desse acumulado de conhecimentos."
O cenário não é um pesadelo distante. Pelo contrário, aconteceu no passado recente com o caso da Mectron — companhia do setor de mísseis, comunicações e sensores militares pertencente ao grupo Odebrecht.
"Com o desgaste ocasionado pela operação Lava Jato, a Odebrecht se desfez da Mectron, que fora então incorporada pela AEL Sistemas, da israelense Elbit Systems. Com isso, perdemos todo o know-how da empresa."

"O impacto econômico da venda é relativamente fácil de calcular. O mesmo não pode ser dito do potencial perdido com a desnacionalização do conhecimento e tecnologias da empresa."

A nacionalização da companhia foi proposta pelo deputado federal Guilherme Boulos (PSOL-SP) por meio do Projeto de Lei (PL) 2957/2024. Segundo o político, a Avibras deve ser desapropriada por "utilidade pública" em nome de "salvaguardar a segurança nacional e a defesa do Estado, bem como a autonomia e a indústria nacionais".
Rodrigues considera o debate da estatização "bem-vindo", devendo girar em torno da importância estratégica da empresa, e não dos aspectos econômicos.

"É uma oportunidade para chamar à responsabilidade o Executivo e o Legislativo em um tema sensível para o país e, principalmente, de ouvir os especialistas na área."

O que aconteceu com a Avibras?

A Avibras é a companhia por trás do Astros 2020, um dos maiores projetos do Exército Brasileiro, comparado à aquisição dos caças F-39 Gripen pela Força Áerea Brasileira (FAB) e pelo Programa de Desenvolvimento de Submarinos (Prosub) da Marinha do Brasil.
O programa visa dotar a força terrestre com um sistema de artilharia de alta precisão e alcance de 300 quilômetros, o AV-TC (ou MTC-300). O míssil tático de cruzeiro permitiria ao Exército atingir o alvo com um erro máximo de nove metros de distância. Apenas 11 países possuem capacidade de disparo, alcance e precisão semelhantes em seus arsenais.
Com alta mobilidade, rapidez de disparo e emprego, tripulação reduzida e capacidade de transporte no C-390 da Embraer, o disparador é considerado um dos orgulhos da defesa brasileira.
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Equiparado ao HIMARS norte-americano, o processo de fabricação e aquisição de unidades do Astro 2020 iniciaram em 2012 e estavam previstas para encerrar em 2031. Eram esperadas ainda versões para lançamento por aeronaves da FAB e por plataformas navais da Marinha do Brasil.
A empresa, contudo, encontrou dificuldades contábeis em 2022. Em março, a Avibras pediu recuperação judicial alegando uma dívida de R$ 600 milhões. Mais de 90% das ações da Avibras estão em posse de João Brasil Carvalho Leite, filho de um dos fundadores da companhia, o engenheiro do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA) João Verdi Carvalho Leite.
Segundo a empresa, os problemas se devem a estes fatores: o fechamento das fronteiras e a paralisação das atividades durante a pandemia de COVID-19 e a imprevisibilidade das compras governamentais. Entre 2020 e 2021, a Avibras alega queda de 70% na receita, de R$ 848 milhões para R$ 232 milhões.
Em setembro do mesmo ano, os trabalhadores da companhia entraram em greve devido ao atraso dos salários. Desde então, o passivo da empresa aumentou mais R$ 320 milhões e seu quadro de funcionários passou de 1,4 mil para 919.
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Com o plano de recuperação judicial aprovado em julho de 2023, já ocorreram algumas tratativas de compra da Avibras desde então. A primeira interessada a aparecer publicamente, em abril de 2024, foi a australiana DefendTex. Em julho, no entanto, a empresa brasileira anunciou que o negócio não havia sido concretizado.
Ao mesmo tempo, a estatal chinesa Norinco mostrou interesse em adquirir 49% da Avibras, de modo a mantê-la majoritariamente brasileira. A venda, contudo, causou embaraços em Brasília, que via com preocupação possíveis embargos e boicotes de países-membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) a seus produtos.
Historicamente, uma fatia substancial do faturamento da companhia advém de exportações — em especial para o Oriente Médio, onde o sistema Astros II encontra bom mercado. Em 2017, por exemplo, a empresa anunciou faturamento de R$ 1,7 bilhão. Dessa quantia, 90% veio do exterior.
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