'Ferramenta anticolonialista': projeto usa contos de fada para aproximar crianças de Brasil e Rússia
Contos russos e brasileiros criam conexões entre crianças e jovens de ambos os países. Em entrevista à Sputnik Brasil, a coordenadora da equipe responsável pelos contos brasileiros diz que o trabalho é mais um passo na luta pela diversidade e soberania.
SputnikOrganizado pelo Youth BRICS Office, sediado em Ulyanovsk, na Rússia, e pelo Parlamento Mundial da Juventude (GYP, na sigla em inglês), o projeto Conto de Fadas/Сказки visa promover a troca cultural entre as juventudes do Brasil e da Rússia. Recentemente, o livro ilustrado "Contos de além-mar", um dos resultados do projeto, foi apresentado na Biblioteca Nacional de Brasília, tendo como público-alvo as crianças.
A proposta central do projeto é usar contos de fadas para
aproximar e criar conexões com crianças e jovens de ambos os países. Cerca de 150 crianças e jovens já tiveram a oportunidade de explorar a diversidade cultural por meio de dez contos populares, sendo cinco brasileiros e cinco russos.
A coleção inclui histórias emblemáticas, como a russa Masha e o Urso e a brasileira Saci Pererê, destacando elementos culturais e valores de cada país.
A iniciativa contou com a participação de três alunas da Universidade de Brasília (UnB), vinculadas ao projeto de extensão Fórum Brasil-Rússia para Democracia Social e Sustentabilidade da UnB. Uma das envolvidas no projeto é Laís Vitória Cunha de Aguiar, coordenadora de cultura do Centro de Integração e Cooperação entre Rússia e América Latina (CICRAL), coordenadora do GYP no Brasil, coordenadora da equipe responsável pelos contos brasileiros, colunista do Brasil 247 e mestranda em design da informação na UnB.
Em entrevista à
Sputnik Brasil, ela conta que o projeto do livro passou por várias escolas e coletivos no Brasil e na Rússia, e em cada país
alcançou uma média de 60 alunos participando das oficinas. Porém, Laís frisa que o objetivo é ir além do objeto material em si, passando pela cultura imaterial que permeia os contos.
"Um exemplo é que, para os estudantes mais velhos, nós conversamos sobre o processo de adaptação dos contos, as razões pelas quais o Saci não está com o cachimbo ou a forma como a nossa fauna e flora foi representada. No futuro, iremos desenvolver uma série de livros com os contos em parceria com a Casa Russa no Brasil, que irá nos auxiliar com a impressão e revisão da tradução, enquanto nós, do Parlamento Mundial da Juventude no Brasil, iremos nos responsabilizar pelo ISBN [sigla em inglês para Padrão Internacional de Numeração de Livro, uma espécie de "RG" da obra], diagramação e outras questões, como disponibilização de audiobook com o livro", explica.
Ela afirma que a metodologia usada consiste, primeiramente, em selecionar o conto, que deve ser adequado para crianças.
"Assim, como vários detalhes não foram considerados adequados para o público russo, nós tivemos que adaptar as lendas, e também adaptamos as lendas russas para o público infantil brasileiro, de forma que ambos os públicos fossem contemplados."
Laís afirma que, além dela, o trabalho de adaptação e seleção dos contos brasileiros foi feito por Mayara Reis, estudante de engenharia ambiental na UnB e coordenadora de projetos do GYP no Brasil, e Fernanda Nascimento, participante do GYP nacional e estudante de artes visuais.
"A Kira Ivanova era a voz do projeto, que passava para nós as correções, e eu era a voz do projeto do lado brasileiro, tendo ficado responsável por esse diálogo direto com Kira. Algo único em relação a esse projeto foi a tradução: o livro está em russo e em português, não tendo uma versão em inglês. Essa também é uma escolha anti-imperialista do projeto, que busca nos aproximar de forma radical às nossas línguas de origem", afirma.
Ela acrescenta que a última etapa da criação foi a parte visual, dos desenhos, e lamenta a ausência de participação de designers brasileiros, mas enfatiza que isso é esperado para a próxima edição, que será feita junto à Casa Russa no Brasil.
"No entanto, nós enviamos várias referências que foram usadas pela designer russa, inclusive em termos de cores dos personagens, fauna e flora. Foi uma experiência única que fez com que todos os envolvidos aprendessem muito sobre a cultura um do outro, detalhes que normalmente passam despercebidos."
15 de fevereiro 2022, 16:13
Laís afirma que a cultura é a história dos povos e que em
países que foram colonizados houve a tentativa de apagar esse registro.
"Países como o nosso, que foi colonizado pelos europeus, a primeira coisa que eles fizeram foi tentar apagar as culturas e línguas dos povos originários, sendo que esse processo ainda está ocorrendo até hoje, mesmo que seja usando armas antigas, como a religião, a partir de novas roupagens, como as novas tecnologias de comunicação. Um exemplo de autor é o Nego Bispo, pois ele fala sobre esse processo nos quilombos."
Nesse contexto, ela afirma ser um poder muito grande usar nossa própria língua de maneira brasileira, com o nosso léxico de raízes africanas e indígenas.
"Esse livro não é apenas um livro infantil, mas uma ferramenta anticolonialista que valoriza nossas raízes. Ele demonstra como a literatura tem, sim, o poder de nos trazer iguais, de valorizar o que temos de melhor enquanto civilização. Acredito que esse livro seja um primeiro passo para o desenvolvimento de muitos outros materiais que tragam essa luta pela diversidade e nossa soberania", afirma.
Segundo Laís, o livro não é só um projeto finalístico em si, mas parte de um projeto maior, de busca por essa conexão entre povos do Sul Global, pensando na perspectiva de Sul Global do sociólogo português Boaventura dos Santos, e também na luta pela soberania cultural conforme o conceito de Antonio Gramsci.
"Ano retrasado desenvolvemos outro projeto com o mesmo escritório, Estampas Sul-Sul: a materialidade da memória, que também buscava trazer essa perspectiva. O BRICS Youth Office, a Kira e sua equipe abriram um espaço importante para essa luta, e nós pretendemos continuar nessa luta pela nossa soberania cultural a partir de projetos assim", conclui.
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