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Falta de Lira e Pacheco em ato sobre 8 de Janeiro expõe insatisfação com governo Lula, diz analista

Em entrevista à Sputnik Brasil, especialistas apontam que o Legislativo vê um conluio entre o Executivo e o Judiciário para barrar o pagamento das emendas parlamentares, o que explica a ausência de seus principais representantes no ato em defesa da democracia realizado pelo governo federal em Brasília.
Sputnik
Há dois anos, as sedes dos três Poderes, em Brasília, foram palco de uma depredação promovida por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) que contestavam o resultado das eleições presidenciais de 2022, que consagraram a vitória do atual presidente, Luiz Inácio Lula da Silva.
Nesta quarta-feira (8), um ato simbólico marcou a data, dividido em quatro momentos: o primeiro ocorreu no Salão de Audiências do Planalto, onde 21 obras de arte danificadas durante as invasões foram restauradas e reintegradas; o segundo ocorreu no terceiro andar do Planalto, onde foi descerrada a obra "Mulatas", de Di Cavalcanti, também restaurada; o terceiro foi uma cerimônia no Salão Nobre do Planalto, com a presença de autoridades; e o quarto foi o chamado Abraço da Democracia, na Praça dos Três Poderes, que contou com a presença de Lula, representantes dos três Poderes, integrantes do Ministério da Cultura, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e da Embaixada da Suíça, além de movimentos sociais.

"Estamos aqui para lembrar que, se estamos aqui, é porque a democracia venceu. Caso contrário, muitos de nós talvez estivéssemos presos, exilados ou mortos, como aconteceu no passado. E não permitiremos que aconteça outra vez", disse o presidente em discurso no ato.

Com dezenas de presos por envolvimento no ato, que respondem por tentativa de golpe de Estado, o tema ainda é forte em Brasília, onde também se discute um projeto de anistia.
Em entrevista à Sputnik Brasil, especialistas analisam se o episódio marcou de fato a política brasileira ou corre o risco de cair no esquecimento, qual a possibilidade de ser aprovado o projeto de anistia e como a data pode ser explorada por governo e oposição nas eleições de 2026.
Ernani Carvalho, cientista político e coordenador da pós-graduação em ciência política da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), avalia que o ato é uma tentativa do governo Lula de reeditar o apoio que teve há dois anos, quando o episódio ocorreu na esteira de uma eleição bastante acirrada.

"Lá atrás, a conjuntura de uma eleição duríssima terminou sendo um pouco amainada com esses acontecimentos. Acho que o governo tenta um pouco capitalizar essa ideia de um governo defensor da democracia, de colar o Partido dos Trabalhadores na defesa da democracia, e tenta reconstruir esse cenário de apoio ao governo com base nessas comemorações ou lembranças dos acontecimentos de 8 de janeiro", afirma.

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No ato desta quarta-feira, os presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), não compareceram, enviando representantes. Carvalho aponta que a ausência pode ter como base o imbróglio entre o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF) em torno do pagamento das emendas parlamentares, uma vez que "há nos bastidores uma clara percepção de que essa é uma ação articulada entre Executivo e o STF". Segundo ele, o esvaziamento dessas autoridades traz "a clara sinalização de que não estão satisfeitas com a atuação do governo junto ao Supremo para mitigar o pagamento das emendas".
Para Adriana Marques, professora do curso de defesa e gestão estratégica internacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e coordenadora do Observatório do Ministério da Defesa (OMD) e do Laboratório de Estudos de Segurança e Defesa (LESD), a união entre os três Poderes é importante para ecoar a defesa da democracia, e a ausência de Lira e Pacheco no ato demonstra que o Executivo e o Judiciário estão mais engajados nessa pauta que o Legislativo.

"A defesa da democracia não pode ser vista como uma agenda de um governo. Ela é uma agenda de Estado, então é importante que isso seja valorizado pelos três Poderes. E o que nós percebemos é que, entre os três Poderes, o Legislativo é o que olha para a defesa da democracia de uma maneira mais instrumental, é mais enfático em algumas situações e lava as mãos em outras. Até o fato de Rodrigo Pacheco e Arthur Lira não terem participado do ato é uma sinalização dessa ambiguidade do Poder Legislativo em relação a uma defesa mais incisiva do regime democrático, do qual, aliás, o Poder Legislativo depende para existir e funcionar adequadamente."

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Carvalho considera que há a possibilidade de o episódio do 8 de Janeiro cair no esquecimento, sendo normalizado pela sociedade como um acontecimento qualquer da vida política brasileira.
Entretanto ele frisa que "o desbaratamento da arquitetura golpista feito pela Polícia Federal, envolvendo altas autoridades do governo Bolsonaro", como Walter Braga Netto e Mauro Cid, "torna difícil uma negociação mais contundente do processo de anistia".
"Mas eu confesso que não acharia impossível que isso [a anistia] ocorresse. Pode ser que na agenda hoje não seja plausível falar disso, mas quem sabe no transcorrer do ano… Enfim, a ver também a própria relação do governo Lula com o governo Trump, que acaba de ganhar a eleição e já prometeu anistiar todos os envolvidos no evento do Capitólio. Isso pode ter algum tipo de influência também no caso brasileiro."
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Ele enfatiza que o bolsonarismo e o trumpismo são movimentos que têm vinculação por serem protagonizados por líderes populistas que ganharam repercussão "com um apoio muito forte nas chamadas redes de comunicação não tradicionais, principalmente na Internet e nas redes sociais".

"Esses líderes conclamaram os seus seguidores a criarem dúvidas sobre o processo eleitoral, cada um explorando as especificidades do processo eleitoral de cada país. Esses líderes não aceitaram o veredito final das eleições e também incentivaram, e de certa forma apoiaram, ações que negassem o resultado das eleições. Isso terminou resultando na invasão do Capitólio e o 8 de Janeiro no Brasil. Então, sim, esses fenômenos estão bem alinhados, embora aqui e ali haja diferenças."

Para Marques, o destino da data vai depender da movimentação de atores em relação à identificação dela como o dia em que "as instituições políticas brasileiras resistiram a um ataque à democracia". "Isso na verdade vai depender de quanto os Poderes da República vão se engajar nessa defesa [da data]", afirma.
Ela avalia que no curto prazo a data não será esquecida, inclusive porque há julgamentos em curso no STF, como os inquéritos das fake news e da tentativa de golpe de Estado, que se relacionam com o tema.
A especialista também considera ser possível, de fato, traçar um paralelo entre o 8 de Janeiro no Brasil e a invasão do Capitólio nos EUA, afirmando que ambos os atos foram perpetrados por uma direita radical que tem características transnacionais e incentiva a violência política como linguagem.

"Sem contar que o governo Bolsonaro mimetizava muito a maneira de fazer política de Trump, seguiu à risca o roteiro [de Trump] quando não reconheceu o resultado das eleições — ficou em silêncio, não fez nenhum gesto para que aqueles apoiadores saíssem da frente dos quartéis."

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Porém ela aponta uma diferença entre os casos do Brasil e dos EUA, que foi "a leniência das Forças Armadas em relação a esse ímpeto golpista e antidemocrático".
"No caso dos EUA, a gente tinha um processo de radicalização e uma extrema-direita que é militarista, mas que não tem uma vinculação orgânica com os militares, e no caso do Brasil a gente viu esse processo de radicalização política atingindo também as Forças Armadas. Eu acho que essa é a principal diferença."

8 de Janeiro pode repercutir nas eleições de 2026?

Carvalho avalia que há um alto grau de incerteza quanto aos nomes que disputarão as próximas eleições presidenciais, tanto por parte do governo como da oposição, o que torna difícil mensurar o impacto dos atos do 8 de Janeiro no pleito.
"Eu acho que é um grau de incerteza muito grande nas candidaturas de ambos os lados. Bolsonaro impedido, Lula com problemas de saúde, a idade muito avançada… Fala-se em renovação, mas às vezes fala-se na segurança de ter um Lula candidato. É muito difícil falar isso, mas creio que eles podem, sim, ser repercutidos — de um lado o governo defendendo que eles fazem parte do bloco que defendeu a democracia, e do outro a oposição dizendo que eles usam isso como cortina de fumaça para encobrir a incompetência do governo de realizar as políticas públicas, apontando aí os problemas fiscais, os problemas de desenvolvimento econômico, e por aí vai."
Marques, por sua vez, afirma que o governo usará a data para lembrar um momento que a democracia foi ameaçada, enquanto a oposição seguirá "a atitude […] de negar que o ato de 8 de janeiro tenha sido um atentado à democracia".

"E eles fazem uma leitura bastante peculiar de que na verdade eles estavam tentando libertar o país de uma suposta ditadura do Judiciário. Então eu imagino que vai ser um pouco nessa linha, pedindo que as penas das pessoas que foram presas pelos atos de 8 de janeiro sejam suspensas, que as pessoas sejam libertadas. Vai ser um pouco por aí, eu imagino, o engajamento da oposição com esse assunto nas eleições de 2026", conclui a especialista.

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