A história dessa unidade, de Juiz de Fora (MG), se repete por quase todos os centros da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), refletindo a triste situação em que a estatal, responsável por desenvolver o pujante setor agropecuário brasileiro, se encontra.
Em comunicado oficial, a estatal vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) afirmou que encerrou o ano com um déficit orçamentário de R$ 200 milhões, causado pela redução de 80% em seu orçamento discricionário nos últimos dez anos.
Como exemplo, no Orçamento de 2024 aprovado pelo Congresso Nacional, foram destinados aproximadamente R$ 346 milhões para as despesas discricionárias, ligadas ao custeio de suas atividades e a investimentos em pesquisas e inovações.
Destes, R$ 170 milhões são referentes a investimentos de modernização de laboratórios e conclusão de obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) de 2008, enquanto o restante, R$ 176 milhões, deve custear as despesas com a gestão de suas estruturas e com as pesquisas, cuja carteira de 1.056 projetos exige um recurso anual da ordem de R$ 150 milhões.
No entanto a Embrapa alerta que, para fazer frente aos compromissos estabelecidos, seria necessário um repasse de R$ 510 milhões do Tesouro Nacional. Além disso, conforme faz investimentos, os gastos também aumentam, detalhou um funcionário da empresa ao Globo Rural. Por exemplo, ao comprar um carro, deve-se pagar pelo combustível, seguro e impostos.
Ou seja, a conta da estatal não fecha.
À Sputnik Brasil, o professor titular de economia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Ronaldo Seroa da Motta explica que, embora haja outras empresas que trabalham com pesquisas agrícolas, a Embrapa tem uma função primordial na inovação tecnológica brasileira.
O setor de pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I) é conhecido na economia por ser uma espécie de anomalia de mercado: uma atividade de muito risco e pouca recompensa.
"O agente econômico, de maneira geral, reluta em fazer investimentos em tecnologia porque ele pode ter um prejuízo muito grande e a probabilidade de ter ganho é muito baixa."
A Embrapa foi responsável pela ampliação da fronteira agrícola brasileira, em particular em direção ao Centro-Oeste, desenvolvendo práticas que fossem alinhadas com o tipo de solo da região. "Que é bastante diferente do solo da Mata Atlântica e do resto do país."
Tamanho sucesso permitiu que ela se expandisse para áreas correlatas. Hoje a empresa é capaz de favorecer todo o diverso setor agropecuário brasileiro graças a suas 43 unidades temáticas de pesquisa espalhadas pelo Brasil, com temas como soja, gado, aquicultura, vinho, bioenergia e recursos hídricos.
Segundo apontado pela própria estatal, o lucro social em 2023 foi da casa de R$ 85 bilhões. A medida, que reflete os impactos positivos que a empresa gera em toda a sociedade, significa um retorno de 21 vezes o valor investido pelo governo, aponta o Balanço Social.
"A Embrapa é um sucesso", diz Motta. "Ela já vem sendo copiada, e às vezes faz serviços externos a outros países."
Embrapa: o que justifica a crise orçamentária?
À primeira vista, uma estatal de tamanha importância e com um retorno tão elevado sofrer cortes orçamentários seguidos, a ponto de prejudicar os seus desenvolvimentos científicos, é incoerente.
Para Ronaldo Seroa da Motta, entretanto, há lógica quando se pensa a partir da gestão de gastos públicos.
"Toda vez que o Brasil tem uma crise fiscal e o governo se vê forçado a cortar as despesas, uma das mais flexíveis para cortar, em comparação a salários, a subvenções fiscais, são esses gastos discricionários."
Nesta ano de 2025 a Lei Orçamentária Anual (LOA) prevê uma redução ainda maior para todo o Ministério da Agricultura e Pecuária. De acordo com o MAPA, os reajustes foram aplicados proporcionalmente em todas as áreas.
Em conversa com a Sputnik Brasil, o economista afirma que, frente a esse arrocho, a Embrapa terá que procurar por novas maneiras de financiar suas pesquisas. Em sua nota, a estatal afirmou que atualmente cerca de 73% dos seus projetos de PD&I são executados com captação de fontes externas.
"O que demonstra a capacidade institucional de articulação e captação de recursos externos", disse a estatal.
Hoje a empresa já conta com algumas formas de atrair capital, como o oferecimento de cursos de capacitação.
"A Embrapa tem uma característica que é o desenvolvimento de uma tecnologia que tem aplicação prática no mercado e uma lucratividade para quem usa", ressalta Motta. E é justamente nesse ponto que a empresa pode encontrar sua salvação pelos próximos anos.
"O setor agropecuário brasileiro é extremamente pujante em parte graças à Embrapa, e é natural que, se agora ele quiser ter voos mais altos, ele terá que procurar a empresa e contribuir para o seu financiamento."
Dada essa qualidade, sempre haverá um produtor disposto a pagar e financiar as pesquisas da Embrapa, sublinha o economista da UERJ. "Agora, nunca será um pagamento de 100%, porque senão eles fariam eles mesmos e não terceirizariam."
Ou seja, ainda que seus desenvolvimentos gerem interesse do mercado, eles sozinhos são incapazes de manter uma constância orçamentária para a estatal. "Ela sempre terá o caráter do bem público, não se pauta somente pela lucratividade", destaca Seroa da Motta.
"Portanto, vai ter que contar com o financiamento de alguém que tenha vontade de manter a estabilidade desse financiamento, que geralmente são os órgãos públicos."