Panorama internacional

Curva à direita: como será o futuro da Alemanha após as eleições parlamentares?

Eleições antecipadas na Alemanha dão vitória aos democratas cristãos, de Friedrich Merz. Para analista, governo do provável próximo chanceler alemão deve encampar busca da redução da dependência da Europa em relação aos EUA. Apaziguamento com Trump também deve ser pautado.
Sputnik
Em meio a um cenário político conturbado, a Alemanha antecipou as eleições que inicialmente aconteceriam em setembro deste ano para o último domingo (23). A convocação do novo pleito ocorreu após o atual chanceler, Olaf Scholz, perder um voto de confiança do Legislativo em dezembro de 2024.
As últimas pesquisas antes das eleições apontavam Merz, do União Democrata Cristã (CDU/CSU) na liderança das intenções de voto, seguido por Alice Weidel da Alternativa para a Alemanha (AfD, na sigla em alemão). Em terceiro, o Partido Social-Democrata da Alemanha (SPD, na sigla em alemão), de centro-esquerda, do atual chanceler Olaf Scholz, seguido pelos Verdes, de centro-esquerda, liderados por Robert Habeck.
O resultado para compor o Bundestag, a câmara baixa do parlamento alemão, mostrou o CDU com 28,5% dos votos, vencendo as eleições seguido pelo AfD, que obteve 21% dos votos.
Mundioka
Para onde vai a Alemanha?
Para Martin Curi, antropólogo e assistente social alemão, os resultados não surpreenderam, visto que seguiram o que já era prospectado pelas pesquisas de intenção de votos. Vinicius Bivar, professor de história contemporânea da Universidade de Brasília (UnB), doutor em história contemporânea pela Freie Universität Berlin e membro do Observatório da Extrema Direita (OED), considera que a vitória do CDU também não foi surpreendente pelo mesmo motivo.

"Talvez, se a gente puder falar em alguma surpresa nesse ciclo eleitoral, seja justamente a reentrada do partido de esquerda, o Die Linke, no parlamento. Esse era um partido dado como praticamente extinto, sobretudo a partir do momento em que a sua principal liderança, a Sarah Wagner, saiu para fundar outro partido de esquerda populista", opina Bivar.

O Die Link, que obteve 8,77% dos votos e conseguiu romper a cláusula de barreira, teve, segundo o historiador, ascensão no último mês.

Como funcionam as eleições na Alemanha

No regime vigente na Alemanha, o parlamentarista, os eleitores precisam votar duas vezes: uma no candidato e uma segunda vez em uma legenda, um partido, "que é o que definitivamente define a distribuição das cadeiras no parlamento", diz Bivar.

"Existem esses dois votos e, a partir da combinação desses dois votos, quem recebe mais votos no primeiro voto, esse voto no indivíduo, tem acesso imediato ao parlamento, tem sua vaga garantida, ao passo que o segundo voto decide justamente a distribuição das cadeiras restantes. Vão sobrar algumas cadeiras ali com base nesse segundo voto, e aí os nomes que vão ocupar essas cadeiras são decididos a partir de uma lista que os partidos divulgam para preenchimento dessas vagas remanescentes", explica o professor da UnB.

A partir da composição dos votos e dos assentos distribuídos, é de praxe que o partido que obteve o maior número de assentos eleja o chanceler. Para que isso se concretize, o partido vencedor precisa de maioria no parlamento.
Panorama internacional
Debate sobre migração na Alemanha expõe fragilidade política enquanto Merz e Musk flertam com a AfD
"É muito raro na história da Alemanha situações onde um partido único recebeu a maioria absoluta dos votos e conseguiu governar sozinho. O mais comum é que esse partido que saiu vencedor tenha que formar então uma coalizão com outros partidos com vistas a obter essa maioria dentro do parlamento, de preferência uma maioria qualificada de dois terços do parlamento para que ele possa fazer alterações constitucionais", acrescenta Bivar.
No atual cenário, conforme o historiador, a tendência é que se forme uma coalizão entre a CDU, de Merz, e o SPD, ou seja, entre a centro-direita e a centro-esquerda alemãs.

"O cenário mais provável, se isso se confirmar, é que a gente tenha uma coalizão entre CDU e SPD, que é justamente a coalizão mais comum da história da Alemanha, atualmente chamada grande coalizão porque reúne os dois partidos mais tradicionais da política alemã no campo da centro-direita e da centro-esquerda", aponta o analista.

Uma segunda possibilidade, segundo Bivar, seria o caso de dois partidos que não atingiram a cláusula de barreira, mas estão próximos, conseguirem ultrapassá-la e garantir alguma cadeira no parlamento. Caso isso ocorra após o resultado oficial, o caminho para o CDU formar maioria dependeria de uma coalizão com mais de um partido.
O terceiro parceiro mais provável, portanto, seria o Partido Verde. Assim, eles formariam o que "chamam de coalizão Quênia, que juntaria justamente o CDU, que é simbolizado pela cor preta, o SPD, pela cor vermelha, e o Partido Verde, pelo verde, formando então a bandeira do Quênia".
Obter maioria com o segundo colocado nas eleições, a AfD, foi rechaçado por Merz. Portanto, Bivar afirma que é pouco provável que tal coalizão aconteça.

Quais caminhos Merz, caso confirmado, deve seguir na política externa alemã?

Após o CDU vencer as eleições, Merz foi parabenizado por outras lideranças europeias, que se dispuseram a colaborar por uma nova ordem europeia que tente diminuir a dependência dos Estados Unidos. A intenção já havia sido demonstrada pelo líder do partido de centro-direita alemão após responder declarações do vice-presidente norte-americano, J. D. Vance.

"Existe um senso de urgência na Alemanha, como na Europa como um todo, em relação à necessidade de políticas de defesa comum que busquem justamente reduzir essa dependência da Alemanha e da Europa como um todo em relação aos Estados Unidos. Elas tendem a ganhar mais espaço dentro do debate europeu", analisa Bivar.

Apesar de tal empreitada, o historiador acredita que Merz também pode obter uma boa relação com o presidente norte-americano, Donald Trump, e tentar apaziguar o relacionamento dos EUA com a Alemanha e a Europa.

"Merz trabalhou na BlackRock, fez muito dinheiro no mercado financeiro como advogado. Então tem um perfil um pouco mais próximo que agrada Donald Trump em termos de negociação", diz o especialista.

Panorama internacional
Ministro da Economia da Alemanha diz que modelo de negócios do país 'está acuado'
Entretanto, mesmo com a instabilidade, Bivar ressalta que o principal desafio do momento para Merz é formar a coalizão e obter maioria. A partir daí, sim, ele poderá pensar em outros desafios.
Perguntado sobre a possibilidade de retomar um relacionamento próximo com a Rússia, assim como foi no governo do partido liderado pela chanceler Angela Merkel, Bivar disse considerar as chances "tão baixas quanto foi no governo Scholz".

"Do ponto de vista do eleitorado, certamente algumas pessoas advogam essa solução proposta pela AfD de uma normalização de relações que permitiria novamente o fluxo de gás barato para a Alemanha e contribuiria com o controle da inflação, sobretudo nesse segmento da energia. Mas esse não é o cenário mais provável, pensando na composição do governo que deve se formar a partir de agora", finaliza.

Acompanhe as notícias que a grande mídia não mostra!

Siga a Sputnik Brasil e tenha acesso a conteúdos exclusivos no nosso canal no Telegram.

Já que a Sputnik está bloqueada em alguns países, por aqui você consegue baixar o nosso aplicativo para celular (somente para Android).

Comentar