Segundo pontuou o professor José Niemeyer, especialista em relações internacionais do Ibmec, se Trump retomar sua política de afastamento das grandes alianças internacionais, como a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), isso pode, de fato, impulsionar o fortalecimento de blocos alternativos como o BRICS e a Organização para Cooperação de Xangai (OCX).
Ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, ele avaliou que, ao adotar uma postura nacionalista e autárquica, os EUA podem deixar uma lacuna no sistema global, permitindo que outras potências, como China e Rússia, avancem com suas agendas de cooperação e segurança regional.
Multipolaridade em ascensão
O internacionalista argumentou que, ao diminuir sua presença em temas como o conflito na Ucrânia — algo que vem sofrendo algumas alterações nos últimos dias — e a defesa da OTAN, os Estados Unidos podem abrir espaço para novos polos de poder.
A China, por exemplo, tem fortalecido suas posições, especialmente no seu entorno, como no mar do Sul da China, enquanto a Rússia figura como uma potência relevante, especialmente no contexto europeu e nas questões de segurança energética, segundo o especialista. Nesse cenário, o Brasil e outros países da América do Sul também podem buscar reforçar suas próprias agendas de segurança, em sua avaliação.
Ainda assim, o professor alerta que a formação de um sistema verdadeiramente multipolar não será simples.
É difícil imaginar um ambiente cooperativo com Estados Unidos, China, Rússia e Índia, todas adotando posturas nacionalistas. Isso cria um cenário de conflitos, onde as potências centrais disputam sua autonomia e espaço no novo sistema, na opinião de Niemeyer.
"Trump está criando uma agenda muito autárquica, e isso pode gerar oportunidades para outros países, mas ao mesmo tempo pode enfraquecer a posição dos EUA", analisou.
Para ele, sem a participação ativa de Washington, as discussões sobre uma nova ordem global ficam limitadas, já que os EUA continuam sendo uma das maiores economias do planeta e uma potência fundamental nas negociações internacionais.
Outro ponto levantado pelo professor foi a possível erosão da hegemonia do dólar. A crescente tendência de desdolarização, incentivada pela China e por outros membros do BRICS, pode acelerar o uso de alternativas monetárias, como o yuan.
Os EUA, ao enfraquecerem suas alianças e se isolarem, podem estar permitindo que novos blocos econômicos criem um ambiente funcional para o desenvolvimento de uma moeda alternativa, comentou Niemeyer.
Quando questionado sobre a possível reação do "deep state" — a elite burocrática e política americana, que, segundo Trump, tenta sabotar sua política externa —, o analista não hesitou em afirmar que, independentemente das tensões políticas, as estruturas do Estado continuarão a operar com seus próprios interesses.
"Ele [Trump] não tem amigos nem inimigos na estrutura do Estado. Ele tem uma burocracia e uma plutocracia muito estabelecidas que vão agir de acordo com seus próprios interesses", explicou.
O professor Felipe Estre, doutor em relações internacionais pela Universidade de São Paulo (USP) e pelo King's College, de Londres, e pós-doutorando na Universidade de Brasília (UNB), avaliou que uma das grandes questões do momento é a transição para uma ordem mundial multipolar.
"Se a gente fala de uma transição para uma ordem multipolar, a gente está assumindo que a ordem não era multipolar antes. Mas era?", questiona, sugerindo que, ao longo da história recente, a ordem mundial foi mais fluida do que se imagina.
Ele aponta que, após o fim da Guerra Fria, o mundo esteve marcado por uma ordem unipolar, dominada pelos Estados Unidos, mas eventos como o 11 de setembro e a crise econômica de 2008 alteraram esse panorama.
"Com a crise de 2008, o papel dos países emergentes, como o Brasil e outros do BRICS, se intensificou, e os países começaram a exigir mais espaço nas instâncias de decisão".
A ascensão de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos foi outro ponto abordado por Estre. O professor observa que, sob a liderança de Trump, o país adotou uma postura mais isolacionista, abandonando instituições internacionais como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Acordo de Paris.
"Ele acredita que a ordem internacional limita os Estados Unidos de alguma forma", explica Estre, lembrando que, ao contrário de Joe Biden, que buscava fortalecer a ordem liberal internacional, Trump prefere uma abordagem mais voltada para a força e a proteção das áreas de influência.
Essa postura não se limitou às questões econômicas, mas também se refletiu nas relações com a Rússia e a Ucrânia.
Diante dessa mudança global, a grande preocupação de muitos é o papel do Brasil na nova ordem mundial. Estre acredita que o Brasil tem adotado uma postura cautelosa, buscando manter boas relações tanto com os Estados Unidos quanto com a China, sem se alinhar completamente com nenhum dos dois lados.
"O Brasil tem sido bem-sucedido nesse sentido. Quando o Brasil diminui sua dependência dos Estados Unidos, ele acaba aumentando a dependência em relação à China, mas isso tem seus benefícios", afirmou Estre.