Panorama internacional

Histórico de críticas à ofensiva israelense em Gaza pode estremecer relações entre Brasil e EUA?

Nesta semana, o Itamaraty voltou a condenar Israel, desta vez por violar o acordo de cessar-fogo estabelecido com a Palestina. O posicionamento brasileiro, entretanto, pode gerar desgastes com os EUA, apontam analistas.
Sputnik
A secretária-geral do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, embaixadora Maria Laura da Rocha, conduziu na segunda-feira (17), em Brasília, uma conversa com a vice-ministra dos Negócios Estrangeiros e Expatriados da Palestina, dra. Varsen Aghabekian Shahin. O encontro aconteceu no âmbito da V Reunião do Mecanismo de Consultas Políticas Bilaterais Brasil-Palestina.
Foram tratados, segundo o comunicado conjunto publicado pelo Itamaraty, o conflito corrente entre Israel e o Hamas, em especial as operações militares e incursões israelenses em meio a um acordo de cessar-fogo; a situação na Cisjordânia, em vista da contínua expansão de assentamentos israelenses; e a necessidade de cessação permanente das hostilidades.
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Na terça-feira (18), o próprio Itamaraty publicou uma nota à imprensa reiterando as condenações a Israel. No comunicado, o MRE afirmou deplorar os ataques israelenses realizados no mesmo dia — que deixaram mais de 400 mortos e mais de 600 feridos. O Brasil também instou o país judeu a suspender as restrições à entrada de ajuda humanitária em Gaza, a restabelecer o fornecimento de eletricidade no território e exortou ambas as partes a cumprirem os termos do cessar-fogo acordado em meados de janeiro.
A posição brasileira em relação aos territórios palestino e israelense defende como solução para o conflito o estabelecimento de dois Estados. Entretanto, desde que a situação começou a escalar, a partir de 7 de outubro de 2023, o governo brasileiro já teceu várias críticas a Israel. Talvez a mais significativa tenha acontecido em fevereiro do ano passado, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva comparou as mortes na Faixa de Gaza ao extermínio provocado por Adolf Hitler na Segunda Guerra Mundial.
O comentário gerou forte repercussão em Tel Aviv, com o então chanceler israelense e agora ministro da Defesa, Israel Katz, levando o embaixador do Brasil no país, Frederico Meyer, ao Yad Vashem, o Museu do Holocausto, e declarando Lula persona non grata. Em seguida, Lula convocou Meyer ao Brasil. Dias depois ele foi definitivamente removido do posto e enviado a Genebra.
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Para Karina Calandrin, professora de relações internacionais do Ibmec, "o Brasil, com esse posicionamento, demonstra que tem um lado no conflito", algo que, segundo ela, já vinha sendo evidenciado pelo histórico das declarações do governo e pelo tom adotado em diferentes momentos.
"As críticas a Israel e o reforço da defesa dos palestinos indicam uma guinada diplomática que se distancia da neutralidade tradicionalmente buscada pelo país e que pode ser interpretada como um alinhamento mais próximo à causa palestina", avalia.

Críticas a Israel podem criar rusgas entre o Brasil e o governo Trump?

Na análise de Calandrin o Brasil está, sim, sujeito a tensões com os EUA a partir das declarações dirigidas a Israel. "Especialmente considerando o histórico de apoio incondicional de Donald Trump ao governo israelense", aponta a professora.
A própria declaração do MRE brasileiro, realizada na esteira dos ataques israelenses, pode ser alvo de críticas do governo norte-americano, segundo Calandrin.

"O governo pode interpretar a declaração brasileira como um afastamento da política de apoio a Israel e uma aproximação com os interesses palestinos, o que poderia gerar tensões diplomáticas."

James Onnig, analista internacional e professor de geopolítica do Laboratório de Pesquisa em Relações Internacionais das Faculdades de Campinas (Facamp), entende, por sua vez, que críticas não devem ser dirigidas ao Brasil pela posição notória adotada pelo país e pelas manifestações brasileiras serem direcionadas para Israel.
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Entretanto ele acredita, assim como Calandrin, que tensões podem acontecer no contexto do posicionamento brasileiro. Para a professora do Ibmec, o desgaste diplomático ocorre caso o governo norte-americano entenda que o Brasil está adotando uma postura contrária à sua estratégia no Oriente Médio. A partir daí, os EUA podem "adotar medidas como pressões diplomáticas, redução de cooperação ou mesmo críticas públicas ao governo brasileiro".
Para o professor das Facamp, o Brasil pode sofrer consequências não só por ser "a favor do cessar-fogo ou a favor da população de Gaza", mas por um pacote de temas que incomode os EUA, inclusive a questão palestina.

"O pacote geral atual coloca o Brasil junto com o Sul Global, e colocando o Brasil com o Sul Global já teve esse desgaste, porque o BRICS está sendo objeto de preocupação do governo Trump. Então não seria o tema de Gaza exclusivamente o responsável por qualquer tipo de desgaste, mas sim a conjuntura internacional que nós vivemos e o alinhamento direto do Brasil com alguns países, notoriamente os do BRICS, e a posição do Brasil na defesa do Sul Global e de uma nova ordem montada, estruturada em cima do multilateralismo e da revisão do Conselho de Segurança da ONU", analisa.

O preço a ser pago pelo Brasil por suas declarações pode ser, segundo Calandrin, a necessidade de esclarecer sua posição.
"Isso pode ocorrer em fóruns internacionais, como a ONU, ou em negociações bilaterais", acredita. Além disso, ela explica que assumir uma posição pode enfraquecer a capacidade brasileira de atuar como um interlocutor confiável para ambos os lados.
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