O encontro que reuniu as chancelarias dos 11 países-membros do BRICS — Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Egito, Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita, Irã, Etiópia e Indonésia —, além das nove nações parceiras — Belarus, Bolívia, Cazaquistão, Cuba, Malásia, Tailândia, Uganda, Uzbequistão e Nigéria —, foi o primeiro desde a expansão iniciada no ano passado.
Como está na presidência rotativa do grupo neste ano, o Brasil divulgou a
declaração sobre os principais pontos discutidos pelos diplomatas. Entre eles estavam a preocupação com o aumento do protecionismo comercial — sem citar a guerra tarifária iniciada pelo governo do
presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que, conforme o texto, enfraquece o multilateralismo — e as sanções econômicas. O grupo ainda defendeu a reforma da governança global, além da necessidade de
soluções pacíficas e diplomáticas para os conflitos mundo afora.
Para a mestre e doutoranda em ciência política pela Universidade de Brasília (UnB) Isabela Rocha, membro da diretoria do Fórum para Tecnologia Estratégica do BRICS, o encontro mostrou a importância da contribuição brasileira para o fortalecimento institucional do grupo. "Observamos que a pauta central é esta: criar um fôlego institucional para fazer com que o BRICS seja mais do que um aglomerado de países para, de fato, ser uma instituição mediadora", enfatizou à Sputnik Brasil.
A especialista pontuou ainda que o papel do BRICS é "mais vital do que nunca no cenário atual", marcado pelo enfraquecimento da
Organização das Nações Unidas (ONU).
Em entrevista na última segunda-feira (28), o
ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, que também participou da reunião, ressaltou que o Brasil pode contribuir de forma significativa para a resolução dos problemas globais. Para Isabela Rocha, a declaração também tem relação com a história da diplomacia do país, sempre voltada para a mediação.
O professor de relações internacionais e autor do livro "Imperialismo, Estado e relações internacionais", Luiz Felipe Osório, acrescenta à Sputnik Brasil que Lavrov reforçou também que o Brasil é "mais isento do que Estados Unidos e União Europeia em relação à Rússia para mediar quaisquer contendas".
Para o especialista, é urgente construir uma ordem internacional que se desvincule
das políticas imperialistas, que focam na exploração dos países periféricos pelas nações centrais.
"O multilateralismo do pós-guerra, ainda que alicerçado nas instituições, é violento e brutal e não impediu os grandes massacres e as grandes injustiças dos últimos tempos […]. O equilíbrio é sempre relativo e depende a quem atende ou interessa. O que precisa ser pontuado é que o responsável pela miséria dos povos do mundo, a despeito dos avanços tecnológicos impressionantes, é o imperialismo. Somente com o fim dessa forma política de subjugação é que podemos ter uma dinâmica mais estável", defende.
E é justamente o BRICS, de acordo com o professor, que pode se colocar como uma coalizão que busque restabelecer as novas bases para as relações internacionais no globo, além de contribuir com a estabilidade.
Por fim, o especialista ressaltou que
a expansão do BRICS é importante, já que envolve países que sempre ficaram à margem das grandes negociações globais, mas que ainda há muito para avançar em relação ao seu papel.
"O encontro revela que o grupo, criado quase que por acaso, vem se fortalecendo e se consolidando, principalmente após sua expansão. De toda forma, é ainda muito tímido em questões centrais. A impressão é que o bloco avança a passos curtos, sem querer causar grandes incômodos dentro de uma margem estreita, o que pode se justificar por sua heterogeneidade, com a junção de interesses e alinhamentos políticos muito distintos. Ainda, porém, permanece muito limitado em adotar uma postura mais contundente perante o imperialismo."
Fortalecimento da
representatividade das instituições ligadas à ONU e reforma do Conselho de Segurança, o principal órgão das Nações Unidas. Essas também foram algumas das pautas defendidas pelo Brasil
durante a presidência rotativa do G20 no ano passado e que, agora, se repetem junto ao BRICS.
Isabela Gama, professora-assistente de relações internacionais na Universidade Abu Dhabi, destaca à Sputnik Brasil que essas são pautas centrais e recorrentes da diplomacia brasileira, que pleiteia principalmente o maior protagonismo do Sul Global frente às atuais estruturas de governança.
"O BRICS, enquanto grupo, ainda não funciona de forma muito coordenada em muitos assuntos. Todos os membros possuem suas agendas no cenário internacional, que nem sempre vão estar de acordo com outros membros do grupo inteiro, mas com a expansão [de novos membros] é possível que consigam alterar um pouco esse cenário", afirma.