Panorama internacional

Análise: lobby estrangeiro para a exploração de petróleo contribui para a violência em Cabo Delgado

Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, analistas apontam que empresas estrangeiras dedicadas à exploração de petróleo e gás em países com grandes reservas atuam em causa própria, o que impede o avanço do desenvolvimento e alimenta a violência.
Sputnik
Fora dos holofotes e invisível aos olhos da comunidade internacional, a violência que varre a província de Cabo Delgado, no norte de Moçambique, segue a pleno vapor, motivada por interesses na exploração de grandes reservas de petróleo e gás natural descobertas na região.
Grandes multinacionais disputam o controle das reservas. Em paralelo, a população sofre com a pobreza e a violência empregada por um grupo extremista que atua na região, causando uma onda de deslocamentos forçados.
Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, analistas apontam que o caso é um exemplo de que, no final das contas, quem lucra com o recurso não são aqueles que vivem sobre ele.
Rafael Abraão, professor de relações internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), afirma que a presença de reservas, tanto de petróleo quanto de gás natural, ou seja, fontes fósseis de energia, sempre traz dilemas aos países que as detêm.

"Isso faz parte da história da geopolítica de fontes de energia fóssil. E isso está muito presente, principalmente, em países do Sul Global, que veem esses recursos em disputa e uma pressão muito grande de empresas oriundas de potências ocidentais para a exploração desses recursos", afirma.

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Ele afirma que é exatamente isso que está ocorrendo em Cabo Delgado, que atualmente vivencia violações de direitos humanos, acusações de corrupção, desvios e lobby de empresas exploradoras.
Abraão destaca que a maioria dos países que são produtores de petróleo tem companhias estatais responsáveis pela extração tanto de petróleo quanto de gás natural. Segundo ele, isso confere maior controle sobre o ritmo da exploração para não esgotar as reservas rapidamente, para o país conseguir aproveitar esses recursos e, principalmente, não ficar dependente somente da exploração.
"No Oriente Médio, a gente tem a presença das empresas estatais. Na Rússia também tem as estatais. Então grandes produtores têm essa prática. As empresas ocidentais não são estatais; elas são privadas, mas representam os interesses dos seus países de origem."
Um exemplo é a Shell, na Nigéria, onde a companhia foi acusada de fazer lobby e influenciar decisões do governo nigeriano, legislando em causa própria, fazendo e aprovando projetos e regras que favoreciam a empresa, e não a população local. No caso de Moçambique, a companhia de maior influência é a francesa TotalEnergies, que está conduzindo o projeto de exploração de gás natural na província de Cabo Delgado.

"Quando a gente está falando de empresas que exploram energia fóssil, a gente está falando das maiores empresas do mundo. Então elas têm uma capacidade de influenciar as normas que são produzidas pelos Estados em que elas atuam muito grande. […] Isso acaba atrapalhando o projeto de desenvolvimento que poderia ter curso a partir da extração desses recursos", explica.

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Calton Cadeado, professor de relações internacionais da Universidade Joaquim Chissano, afirma que há uma ideia que circula em Moçambique, "segundo a qual os recursos naturais estão a ser uma maldição".

"Essa maldição significa, para algumas pessoas, que os recursos naturais são a causa do conflito. Ou da instabilidade, da guerra, do terrorismo que nós temos aqui. Mas agora, se é a principal causa, ainda não temos a certeza. Porque para outros isso não é necessariamente a causa, é pretexto que está a ser usado para poder fazer a guerra. Então temos duas narrativas aqui em competição", explica.

Cadeado alega que, além da violência relacionada à exploração, há a questão da exclusão social, já que há muitas pessoas que estão nessas zonas de exploração do gás, mas não são um ativo em termos de capital humano para participar da atividade.
"Em termos de emprego, quase você não tem muitos locais ali a se beneficiarem […]."
Ele afirma que um dos motivos pelos quais as reservas existentes em Moçambique ainda não terem conseguido reduzir as desigualdades do país ou promover o desenvolvimento é o fato de o país ter se tornado independente há pouco tempo, em 1975, e ainda ser inexperiente no que diz respeito a contratos de exploração.

"Então, muitas das vezes, fomos à mesa de negociação numa posição desfavorável e perdemos na hora de negociar. É por isso que hoje, aqui em Moçambique, estamos a falar muito da renegociação dos contratos. Não vamos excluir também a questão da má fé dessas empresas."

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