Petróleo, minerais e envio de palestinos: por que Israel mantém aliança com o Sudão do Sul?
Israel e Sudão do Sul estariam negociando o envio de sobreviventes de Gaza para o país africano. Conheça as origens das relações especiais entre Israel e Sudão do Sul e entenda por que Tel Aviv mantém um parceiro prioritário no leste da África.
SputnikNa segunda-feira (18), o Ministério das Relações Exteriores de Israel anunciou o envio de ajuda humanitária urgente para o Sudão do Sul, em função de epidemia de cólera no país. A operação é realizada em meio a relatos de que Israel estaria em negociação com o Sudão do Sul para o envio de sobreviventes da Faixa de Gaza para o país africano.
Na
ausência de países vizinhos dispostos a receber os palestinos, Israel teria recorrido ao seu aliado no leste africano. De acordo com as fontes sul-sudanesas,
o acordo ainda não estaria finalizado, mas atende aos interesses de ambas as partes: Israel consolidaria sua política de "migração voluntária" de palestinos, enquanto o Sudão do Sul manteria sua relação próxima com Tel Aviv e ganharia pontos com a administração de Donald Trump nos EUA.
As informações, inicialmente
reveladas pela agência Reuters, foram duramente criticadas por grupos palestinos e negadas por autoridades do Sudão do Sul. No entanto, fontes internas do governo de Juba
confirmaram as tratativas para o jornal norte-americano The New York Times.
As negociações revelam a grande influência que Israel exerce sobre o Sudão do Sul, país que contou com o apoio resoluto de Israel desde antes de sua independência formal do Sudão, em 2011, relatou o professor da Universidade Veiga de Almeida (UVA) Alexandre Alvarenga.
"Israel mantém contatos com o Sudão do Sul desde a Primeira Guerra Civil sudanesa [1955–1972], com fluxo de refugiados sul-sudaneses para Israel, cooperação técnica e humanitária que se desenvolve entre as décadas de 60 e 70", disse Alvarenga à Sputnik Brasil. "Essa relação se dava à revelia do Sudão, que não tinha relações diplomáticas com Israel."
Para ele, "o
recente movimento de Israel com o Sudão do Sul chama atenção, mas não é inédito; muito pelo contrário, é algo já recorrente ao longo das décadas".
Segundo a assessora do Instituto Brasil-Israel e professora de relações internacionais na Universidade de Sorocaba (Uniso) Karina Calandrin, o apoio fornecido por Israel ao Sudão do Sul "visava garantir um aliado estável no leste africano".
"O interesse de Israel foi claramente estratégico. Ao apoiar a independência do Sudão do Sul, Israel contribuiu para enfraquecer o antigo regime do Sudão, que historicamente se alinhava a inimigos seus, como o Irã e grupos islâmicos radicais", disse Calandrin à Sputnik Brasil. "Além disso, a região do Sudão do Sul é rica em recursos naturais e tem posição geográfica relevante, inclusive no contexto das disputas em torno do Nilo."
A dependência internacional do Sudão do Sul deixaria o país suscetível a pressões externas, principalmente para garantir acesso à cooperação técnica e humanitária.
"Trata-se de um país com instituições frágeis e grande dependência de apoio internacional, o que o torna mais suscetível a acordos com potências externas em troca de ajuda financeira ou técnica", disse Calandrin. "Além disso, o país está distante do centro do debate internacional sobre a Palestina, o que poderia reduzir o custo diplomático de um eventual acolhimento de palestinos deslocados, mesmo que sob o pretexto de ajuda humanitária."
De fato, o Sudão do Sul apresenta índices de desenvolvimento humano (IDH) e econômico extremamente ruins, apesar das amplas reservas de petróleo do país. O Sudão do Sul também é fonte valiosa de minerais estratégicos, disse o professor Alvarenga.
"O país vive sob constante crise social, escassez de alimentos, miséria, alta mortalidade infantil e privação de praticamente todos os serviços básicos de saúde", lamentou Alvarenga. "Mais de 70% da população é analfabeta, 95% não tem acesso à eletricidade e 80% não tem acesso a saneamento. A situação é alarmante e preocupante."
Nesse contexto, "a palavra 'desenvolvimento' passa longe do Sudão do Sul, que infelizmente é um país altamente instável, apesar de ter sido celebrado por todos" durante seu processo de independência.
Na ocasião da separação do Sudão, o Sudão do Sul ficou com 75% das reservas de petróleo do antigo país, de onde retira parte significativa do seu orçamento. No entanto, esses recursos não têm sido transferidos em forma de riqueza para a população local.
"O Sudão do Sul não tem saída para o mar e depende de oleodutos do Sudão para escoar a sua produção para o mar Vermelho", explicou Alvarenga. "As reservas ficam em uma zona de fronteira não delimitada entre as partes, o que gera indefinição sensível em relação a um recurso altamente estratégico na geopolítica mundial."
Ainda por cima, o país tem democracia frágil, cujas alianças políticas já evoluíram para conflitos armados, como durante a guerra civil entre 2013 e 2018, lembrou Alvarenga.
"Nesse contexto, seria algo realmente inimaginável pensar no deslocamento de pessoas na situação dos palestinos de Gaza — já expostos a uma fragilidade humanitária muito grande por conta da guerra — serem ainda deslocados para um país completamente instável, que vive uma violência sistêmica, sem esperança de desenvolvimento no curto e médio prazo", considerou o especialista.
A professora de relações internacionais da Uniso ainda
questiona a legalidade de acordo bilateral para o deslocamento forçado de populações, como seria o caso de um acordo entre o Sudão do Sul e Israel.
"Esse tipo de acordo seria extremamente problemático. Ainda que apresentado como medida humanitária, na prática, pode configurar uma transferência forçada de população sob ocupação, o que é proibido pelo direito internacional humanitário e pode ser classificado como crime de guerra", disse Calandrin.
Em entrevista ao Canal 14, em maio de 2025, a ministra de Ciência e Tecnologia de Israel, Gila Gamliel, disse que o governo "está fazendo um trabalho intenso para acomodar essa população [de Gaza] em outros países", sugerindo o deslocamento de até um milhão de pessoas.
Além do Sudão do Sul, Israel ainda considera países como Líbia e Síria como possíveis destinos dos palestinos deslocados de Gaza,
reportou o The Wall Street Journal.
"Do ponto de vista moral,
seria uma forma de exílio forçado, rompendo laços históricos, territoriais e identitários entre os palestinos e Gaza. Além disso, tanto Israel quanto o Sudão do Sul sofreriam desgaste internacional significativo.
É uma solução artificial que não responde às causas estruturais do conflito", concluiu a especialista.
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