Panorama internacional

Eco crescente: América Latina minimiza influência dos EUA e prioriza multipolaridade

Em entrevista à Sputnik Brasil, especialista destacou combinação de fatores que afastam governos da região de Washington, embora essa guinada em direção ao Sul Global não seja homogênea.
Sputnik
Os Estados Unidos exercem, há pelo menos 200 anos, forte influência na América Latina. Desde a presidência de James Monroe, o país sempre buscou fazer da região uma vasta área para exercer domínio cultural, econômico e político.
Com o avanço das comunicações e dos transportes, a empreitada de Washington nas Américas Central e do Sul se torna cada vez mais difícil — o que exige medidas rotineiramente mais enérgicas da Casa Branca para manter o status quo.
O Brasil, por exemplo, enfrenta tarifas de 50% sobre as exportações para os Estados Unidos depois de reforçar, durante a Cúpula do BRICS no Rio, a necessidade da união do Sul Global e da multipolaridade. A Venezuela, por sua vez, subiu o tom de críticas a Washington com a chegada de navios de guerra do Comando Sul dos EUA ao mar do Caribe.
Além desses atos, o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, aproveitou a passagem por Nova York, para a Assembleia Geral das Nações Unidas, para pedir, em praça pública, que as tropas norte-americanas desobedecessem às ordens de Donald Trump. Como resultado, o governo republicano revogou o visto de Petro.
Em entrevista à Sputnik Brasil, Robson Valdez, doutor em estudos estratégicos internacionais e pesquisador do Núcleo de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Brasília (UnB), afirmou que a tentativa de fugir da influência dos EUA é um eco que ressoa pela América Latina, enquanto as nações da região priorizam a multipolaridade com diferentes planos.

"O Brasil aposta no multilateralismo, na autonomia estratégica. A Venezuela tem uma estratégia de confrontação direta, uma abordagem regionalista, uma postura anti-Estados Unidos na região. E a Colômbia, a meu ver, busca misturar um alinhamento securitário tradicional […] com demandas de autonomia econômica."

Valdez destacou que essas retóricas de política externa convivem também com conflitos nacionais, como no Brasil, onde grupos alinhados ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) buscam um intervencionismo norte-americano maior nos assuntos internos.
"Não diria que há uma guinada homogênea em toda a América Latina. Existem padrões regionais que surgem a partir desses países em resistência às medidas coercitivas dos Estados Unidos."
Enquanto Brasil, Colômbia e Venezuela externalizam contrariedade a decisões dos EUA, a Argentina, comandada por Javier Milei, caminha na direção contrária. Na visão de Valdez, o resgate financeiro anunciado pela Casa Rosada, com auxílio da Casa Branca, é um exemplo de utilização de instrumentos econômicos norte-americanos para ganhar espaço político na região.
O especialista destaca que Washington atua com uma combinação de pressão econômica com condicionamento de crédito para conter rivalidades extrarregionais, como o crescimento das relações entre latino-americanos com China e Rússia. Ainda assim, Valdez não acredita que há uma doutrina formal, como foi a Monroe dois séculos atrás.

"[É] Uma abordagem híbrida, que você tem ali uma mistura de coerção econômica e assertiva politicamente por parte dos Estados Unidos, que corre contra uma tendência multipolar da região, de diversificação de interesses com agendas comuns."

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Afastar-se não significa romper

O afastamento de nações latino-americanas dos Estados Unidos não é necessariamente sinônimo de ruptura. Valdez explica que a construção de alternativas, sejam elas em fóruns como o BRICS ou no Sul Global, em geral, não resultariam no fim das relações com a Casa Branca, mas uma menor dependência.

"Essa coesão do Sul Global, reforçada pelo papel do BRICS e por iniciativas de fomento […] à infraestrutura, como os corredores bioceânicos no Brasil, […] oferece alternativas reais ao eixo tradicional do sistema internacional, que é o eixo Washington-Bruxelas. Acho que essa aproximação com novos parceiros no Sul Global tende a reduzir essa margem de influência dos Estados Unidos."

Ao notar que a importância de Washington diminui perante os vizinhos, a Casa Branca tenta reagir com comentários como o feito pelo secretário de Comércio dos Estados Unidos, Howard Lutnick. A autoridade declarou que nações como o Brasil têm "um problema" e que os EUA precisam consertar.
Para Valdez, esse tipo de ação norte-americana tenta conter o comportamento brasileiro de busca pela multipolaridade porque enxerga nessa estratégia o risco da influência extrarregional de atores do Sul Global.

"O Sul Global vem buscando ofertar, oferecer alternativas, e essas alternativas vêm surtindo algum efeito entre os países do Sul Global, fazendo com que a maioria desses países passem a gravitar mais no entorno de países como a China, principalmente pelo seu poder econômico; como a Rússia, no seu papel importante na indústria de defesa; e também países como o Brasil, que tem uma ótima interlocução com países do Sul Global e do Norte Global."

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