De acordo com dados oficiais, confirmados após vários vazamentos nas últimas semanas, o número marca o maior nível de dívida do governo federal na história dos EUA. É também um salto sem precedentes fora de períodos de emergência, sejam guerras mundiais ou pandemias, ultrapassando 120% do produto interno bruto (PIB).
O que é especialmente impressionante é que esse nível de dívida foi atingido anos antes do projetado. De fato, antes do colapso econômico de 2020 causado pela pandemia de COVID-19, o Escritório de Orçamento do Congresso (CBO, na sigla em inglês) havia projetado, em janeiro daquele ano, que a dívida federal bruta não ultrapassaria US$ 37 trilhões (cerca de R$ 197,3 trilhões) até depois do ano fiscal de 2030.
Embora o principal catalisador para essa aceleração sem precedentes tenha sido inicialmente a crise sanitária, com o governo federal recorrendo extensivamente à ajuda e à implementação de pacotes massivos de estímulo econômico para combater a paralisia econômica e impulsionar sua recuperação subsequente, após a injeção de recursos durante a crise — que durou aproximadamente três anos — a dívida dos EUA continuou a crescer em níveis drásticos.
Isso se deve a uma combinação de fatores como cortes de impostos para as classes mais ricas, aumento dos gastos militares (incluindo a controversa ajuda a Israel e à Ucrânia, entre outros países), bem como a recusa da classe política em reduzir os gastos e investi-los em desenvolvimento e inovação, como foi o caso da China.
Mas o aumento da dívida não é apenas grande em volume, mas também alarmante em sua velocidade: os Estados Unidos atingiram US$ 34 trilhões (mais de R$ 181,3 trilhões) em janeiro de 2024, US$ 35 trilhões (aproximadamente R$ 186,7 trilhões) em julho de 2024 e US$ 36 trilhões (cerca de R$ 192,06 trilhões) em novembro de 2024. Esse padrão demonstra uma tendência de aceleração constante que excede em muito o crescimento histórico da dívida.
Além disso, esse número, que era quase a metade do de uma década atrás, significa que os Estados Unidos têm a maior dívida externa do mundo em termos absolutos, maior do que a de quase todos os países juntos. Nesse sentido, quando comparado ao G7 (grupo composto por Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido), a magnitude da dívida absoluta dos EUA é impressionante, com o Japão em um distante segundo lugar.
A própria porta-voz da Casa Branca, Karoline Leavitt, admitiu, ao defender as demissões no serviço público em meio à paralisação do governo norte-americano, que "estamos com uma dívida de US$ 37 trilhões e não temos mais dinheiro". O comentário foi repetido até mesmo pelo próprio presidente Donald Trump nas redes sociais, em um sinal de reconhecimento dos problemas econômicos do país.
'Prejudica tanto empresários quanto cidadãos comuns'
José Ignacio Apoij, especialista de relações internacionais e graduado pela Universidade da República Oriental do Uruguai (UDELAR), disse à Sputnik que a trajetória atual da dívida norte-americana — que deve se acelerar ainda mais após a renovação dos cortes de impostos para os indivíduos mais ricos do país há dois meses — representa mais que o dobro da taxa média de endividamento observada nos últimos 25 anos.
"Essa projeção mostra que o país está preso em um ciclo vicioso de endividamento baseado em gastos militares, enquanto se volta contra setores como saúde, infraestrutura e educação, que são essenciais não apenas para melhorar a vida dos cidadãos, mas também para impulsionar o crescimento econômico, algo em que os EUA também têm falhado", disse o especialista.
Nesse sentido, Apoij destaca que um dos riscos econômicos mais imediatos desse nível de dívida é a pressão ascendente que exerce sobre as taxas de juros. Quando o governo toma grandes quantias de dinheiro emprestado, ele compete com o setor privado nos mercados de capitais, elevando o custo do crédito tanto para empresas quanto para consumidores individuais. Isso aumenta o custo de tudo, desde hipotecas até compras essenciais no supermercado.
Além de afetar o custo dos produtos e o crédito em geral, o aumento da dívida tem um efeito prejudicial sobre o investimento, alertou o especialista, prejudicando empresas e cidadãos.
"O endividamento reduz o investimento do setor privado, pois há menos capital disponível. Além disso, dentro do orçamento federal, o cancelamento da dívida substitui os gastos sociais ou de infraestrutura como prioridade, levando a um ciclo econômico negativo, pois afeta o emprego e o consumo e absorve uma parcela cada vez maior da receita tributária", explica.
Efeitos geopolíticos
A enorme dívida dos Estados Unidos tem efeitos diretos e profundos em sua posição geopolítica e capacidade de projeção militar, disse Samuel Losada, acadêmico internacional e graduado pela Universidade de Palermo, à Sputnik: "Isso apenas confirma a implementação de políticas ruins por Washington."
"O principal ativo geopolítico dos Estados Unidos é o papel do dólar como principal moeda de reserva mundial e a dívida do Tesouro como o ativo livre de risco por excelência. No entanto, o aumento descontrolado da dívida pública e a instabilidade política recorrente em torno do aumento do teto da dívida corroem a confiança global na solidez fiscal dos EUA", afirmou Losada.
Um hipotético calote ou crise da dívida não afetaria apenas os investidores estrangeiros, mas também minaria o poder monetário dos Estados Unidos, em um momento em que grandes potências como China, Rússia e Brasil pressionam pela "desdolarização" do comércio global, especialmente em blocos como o BRICS, que representa mais de 40% da riqueza mundial.
"Outro dos efeitos mais tangíveis da enorme dívida dos EUA é o aumento exponencial nos pagamentos de juros. Quanto mais o Tesouro tiver para gastar com dívidas e pagamentos de juros, menos dinheiro o governo federal terá para financiar o desenvolvimento e a implantação de tecnologias militares, o que reduzirá o poder de fogo dos EUA no curto prazo", indicou.