A saída de Dina Boluarte da presidência do Peru não apenas marcou o fim de um dos governos mais impopulares dos últimos anos no país sul-americano, mas também pode se tornar um fator determinante na campanha eleitoral que antecede as eleições de abril de 2026.
Isso coincide tanto com o timing político quanto com as exigências do calendário eleitoral, com a ratificação das candidaturas de alguns dos líderes que prometem ser peças-chave em um campo eleitoral que inclui mais de 40 grupos políticos registrados para disputar o poder.
Por exemplo, o líder do partido Renovação Popular, Rafael López Aliaga, anunciou sua renúncia ao cargo de prefeito de Lima, com a intenção de concorrer à presidência e se dedicar integralmente à campanha. César Acuña, da Aliança para o Progresso, fez o mesmo, renunciando ao cargo de governador do departamento de La Libertad.
Em conversa com a Sputnik, o analista político peruano José Carlos Requena considerou que a saída de Boluarte estará "explícita ou implicitamente" envolvida na campanha eleitoral, potencialmente determinando o destino dos partidos políticos que a apoiaram e daqueles que sempre estiveram do lado oposto.
"Há uma expectativa de renovação que certamente favorecerá qualquer um dos candidatos que atualmente não estão no Parlamento, incluindo grupos de esquerda", afirmou Requena.
Embora tenha observado que seis meses até o primeiro turno, em abril, pode ser um longo período em um país onde "dois terços da população decidem seu voto no último mês", o especialista destacou o fato de López Aliaga aparecer atualmente em primeiro lugar em diversas pesquisas de intenção de voto como um exemplo desse impacto. "Ele é o político de direita que mais claramente enfrentou Boluarte", explicou.
López Aliaga e sua frente de oposição
Enzo Elguera, analista de opinião pública e diretor da consultoria Imasolu, explicou à Sputnik que López Aliaga conseguiu consolidar sua ascensão à prefeitura de Lima e o confronto público que teve com o governo nacional em torno de um projeto de modernização da linha ferroviária Lima-Chosica.
"López Aliaga obteve grande aprovação em Lima e sua região metropolitana com o lançamento desse trem, que, apesar de ainda não estar operacional, lhe permitiu materializar sua vontade política contra um Executivo nacional que tinha pouco de concreto para mostrar à população", observou.
Elguera ilustrou sua posição com a última pesquisa realizada pelo Imasolu em setembro, que colocou o ex-prefeito de Lima em primeiro lugar nas intenções de voto, com 14,08%, contra 7,92% de Keiko Fujimori, candidata e líder da Força Popular, em segundo lugar.
Para Requena, ainda é cedo para considerar que López Aliaga se consolidou como favorito para vencer as eleições, embora tenha conseguido estabelecer uma posição estável baseada em "um radicalismo muito forte em seu discurso", que, além de se apresentar como um ferrenho opositor de Boluarte, lhe permitiu conquistar adeptos entre os eleitores "de uma direita predominantemente capitalista e de classe alta" que vive na região metropolitana.
Se desvincular de Boluarte: o objetivo do Fujimorismo
Ambos os analistas concordam que as próximas eleições representarão um desafio particular para a Força Popular, a expressão eleitoral do núcleo do fujimorismo, ainda liderada pela filha do falecido ex-presidente Alberto Fujimori (1990-2000). Embora Boluarte não tenha chegado ao governo como representante do partido, foi a facção da Força Popular e outros grupos aliados, como a Aliança para o Progresso (APP), que protegeram sua administração e impediram que sua baixa popularidade se traduzisse em uma saída antecipada.
Para Requena, as perspectivas eleitorais de Keiko Fujimori são influenciadas por sua capacidade de "se livrar das acusações" contra a Força Popular e por sua responsabilidade em apoiar a administração de Boluarte. Assim, o eleitorado peruano pode responsabilizar o fujimorismo pelas contas que normalmente fez o partido governista pagar em cada uma das últimas eleições.
"Desde 2001, a chapa parlamentar do partido no poder tem sido penalizada em todas as eleições. É de se supor que isso também afetará a Força Popular e a Aliança para o Progresso, e, em certa medida, o Somos Peru, o partido de [José] Jerí [presidente interino], que são percebidos como os grupos partidários governistas", argumentou Requena.
Elguera, por sua vez, considerou que foi justamente esse "cálculo político" que motivou a destituição de Boluarte, uma vez que foi a mudança de postura da Força Popular que, em última análise, precipitou a saída da presidente após uma moção no Congresso. "O fujimorismo buscou mostrar ao público que não estava 'cogovernando' com Boluarte e também apresentou uma moção para sua destituição", observou.
Nesse sentido, Elguera enfatizou que as dificuldades de Keiko Fujimori em subir nas pesquisas e se aproximar de López Aliaga podem ter precipitado a tentativa de distanciamento de Boluarte. Em última análise, o ataque a tiros durante um show em 8 de outubro foi o estopim para uma mudança de postura e uma mudança para promover a saída da presidente, conquistando o apoio dos outros partidos.
"Foi a desculpa perfeita para apresentar o pedido de impeachment e, além disso, dizer que o partido fujimorista continua forte e foi o que levou à saída de Boluarte", explicou o analista.
Para Elguera, apesar de suas dificuldades para ganhar terreno nas pesquisas, Keiko Fujimori continua mantendo um "núcleo duro" de eleitores tradicionalmente fujimoristas que podem até ignorar esse contexto e que "sempre a apoiam, mesmo em seus piores momentos". Assim, mesmo sendo criticado por ser "governista", é possível que o partido fujimorista mantenha suas chances de chegar ao segundo turno com base nessa vantagem eleitoral.