Um computador quântico consegue executar em segundos uma mesma tarefa que demoraria
100 anos para ser concluída em um computador normal. Essa tecnologia, que pode acelerar ainda mais as transformações tecnológicas do mundo, estava prevista para sair do papel somente a partir de 2030, mas já é uma realidade que pode inclusive ameaçar a
segurança dos dados criptografados como conhecemos hoje. É o que explica à
Sputnik Brasil o professor do Ibmec e pesquisador em cibersegurança no Instituto Militar de Engenharia (IME)
Guilherme Neves.
Com todo esse potencial, é possível tornar inúteis as atuais senhas que protegem o acesso a todo tipo de conta e informações armazenadas no meio digital, afirma o especialista.
"A maioria das quebras de criptografia é feita por força bruta, que é a tentativa e o erro. Com isso, você vai tentando, gerando chaves aleatórias e testando para ver se aquela é uma senha que quebra, que vai decifrar a mensagem ou não. Então imagina que, se um computador quântico tem uma capacidade trilhões de vezes maior que a de um computador normal, é muito mais fácil ele quebrar essa criptografia."
Diante desse dilema, que pode deixar cada vez menos eficazes os
atuais sistemas de proteção contra ataques cibernéticos, o Brasil já iniciou um projeto, que deve ser concluído ao longo dos próximos 18 meses, através de uma parceria entre a Abin e o Centro de Competência em Cibersegurança da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii), para desenvolver uma tecnologia de proteção ante a ameaça dos computadores quânticos.
Para o especialista, esses novos ataques cibernéticos são ainda mais críticos em setores como o de energia no Brasil, já que toda a infraestrutura do país é integrada sob o
Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS).Aliado a isso, todos os demais sistemas nacionais que contam com automação, em que existem equipamentos físicos responsáveis por executar de forma digital diversas tarefas, estão em risco. Outros exemplos, conforme o pesquisador, são os aeroportos, hospitais e portos. "No setor de saúde, por exemplo, você tem os dados do SUS [Sistema Único de Saúde]. Imagina você trocar as prescrições das pessoas, o caos que isso poderia gerar. Acho que essas são áreas prioritárias, que o governo deveria proteger primeiro", diz.
Mesmo com as dificuldades tecnológicas e os impactos gerados pela queda de 76% no financiamento público da pesquisa científica, o Brasil possui capacidade técnica para desenvolver seus próprios
algoritmos pós-quânticos, que serão cruciais na garantia da segurança dos sistemas atuais de criptografia. Diante disso, o especialista lembra que "não há dependência estrangeira" para desenvolver a nova tecnologia.
Tudo isso, diz o especialista em cibersegurança, tem relação com a defesa da soberania nacional, também diretamente ligada com a manutenção dos pesquisadores no Brasil, combatendo a chamada "fuga de cérebros". Porém Neves lembra que ainda há muitos entraves, como os baixos investimentos em programas de incentivo e bolsas de pesquisa pouco atrativas.
"Hoje, por exemplo, um doutorando recebe R$ 2.800 de bolsa, isso não dá nem dois salários mínimos. E ainda há outro entrave na legislação: se o pesquisador tiver vínculo empregatício, ele não pode receber bolsa. Então fica difícil manter o pesquisador no país. E, sem os doutores, os PHDs, essa tecnologia não sai do papel", afirma.