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Brasil se tornará polo global de data centers se investir em energia nuclear, avaliam analistas

À Sputnik Brasil, especialistas apontam que "o tamanho e a sofisticação" do mercado interno oferecem condições para que o Brasil se torne um polo global de data centers e serviços digitais em escala, e afirmam que a energia nuclear é, "sem dúvida alguma", indispensável nesse processo.
Sputnik
Um levantamento divulgado pela Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês) apontou que os data centers suplantaram o petróleo como foco de atração de investimentos estrangeiros globais.
Segundo os dados da IEA, os investimentos em centros de processamento de dados devem alcançar US$ 580 bilhões (R$ 3,1 trilhões) em 2025, superando em US$ 40 bilhões (R$ 215,2 bilhões) o montante investido na busca por novas reservas de petróleo.
Em entrevista à Sputnik Brasil, especialistas analisam se o Brasil caminha para se tornar um polo global de data centers e quais os desafios a serem superados para alcançar esse posto.
A analista de planejamento de sistemas energéticos e políticas de transição energética Milena Megre afirma que o Brasil tem potencial para receber esses centros, desde que sejam considerados "verdes". Ela aponta que a liderança nessa questão se dá por conta de o país ter uma matriz energética que é 50% limpa e uma matriz elétrica 80% limpa.

"A gente sabe que os data centers vão cada vez estar se ampliando mais, e o foco para que isso seja feito de uma maneira mais responsável com o meio ambiente seria através de um fornecimento de energia limpa. Então entendo que o Brasil teria esse fator como uma coisa que favorece o país para alcançar esse posto."

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Porém ela destaca que, para que o país consiga atender a essa demanda de maneira adequada, terá de providenciar esse fornecimento energético.
"Atualmente nós temos um cenário energético em que 99% da população no nosso país estão eletrificados. Esse 1% ainda é de uma parte das regiões mais remotas da Amazônia, só que ele contabiliza em torno de 1 milhão de pessoas, isso não é pouca gente. Então temos um desafio para a gente ter eletrificação a 100% no nosso país, de maneira responsável."
Megre acrescenta que, após o país alcançar esse patamar, virá o desafio de fazer com que esse fornecimento de energia seja "totalmente limpo", com diversidade de ofertas da matriz energética e, principalmente, da matriz elétrica. Ela afirma que o principal desafio será fornecer energia elétrica de maneira estável, uma vez que quedas no fornecimento de energia "ainda são um grande gargalo do setor".
"Primeiro a gente tem que ter 100% de eletrificação da população do Brasil; depois cuidar para que essa eletrificação seja por fonte de energia limpa; e, por fim, cuidar dessas interrupções no fornecimento de energia, para que a gente fale de aumentar essa energia voltada para centro de dados", explica.
A analista enfatiza que é na etapa de garantia de fontes limpas que entra a energia nuclear, que ela aponta ter um papel fundamental para viabilizar o fornecimento de energia a centros de dados.

"Porque eles demandam muita eletricidade, demandam muito essa energia elétrica, e sem a energia nuclear é muito difícil que a gente consiga dar esse fornecimento."

Megre frisa que a energia nuclear é crucial para superar os três desafios (alcançar 100% de eletrificação, garantir fontes limpas e cessar quedas no fornecimento) para viabilizar os data centers no Brasil.
"Enquanto a gente não for capaz de superar aqueles três pontos e conseguir fornecer essa energia estável e acessível a todo mundo, a gente também não consegue falar de um fornecimento amplo a centros de dados que requerem tanta energia."
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Ela aponta ainda a necessidade de superar tabus e a grande resistência que há atualmente em torno do setor nuclear, que acabam sendo prejudiciais para a população, o setor energético e o avanço das metas de transição energética que o Brasil estabeleceu perante o Acordo de Paris.
Além da energia, outro desafio a ser superado pelo Brasil é garantir um fornecimento de água responsável e sustentável para o resfriamento dos centros de dados.

"Assim como é muito importante que a gente estabeleça padrões, critérios, políticas e regulações de como a gente vai usar essa água; qual o tipo de água; como ela vai ser utilizada; como ela vai ser reutilizada; e do impacto tanto ambiental quanto social, principalmente de comunidades que necessitam desse uso de água."

Aquilino Senra, professor titular do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (COPPE), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e da Escola Politécnica da instituição, afirma que, além da matriz energética de baixo impacto, o Brasil tem a seu favor uma localização geográfica estratégica para o tráfego intercontinental dos dados gerados pelos data centers.
"Outro fator são os incentivos fiscais governamentais previstos na medida provisória que cria o Regime Especial de Tributação para Serviços de Datacenter, mais conhecido como Redata. Pessoalmente, considero essa MP assimétrica, por prever um percentual muito baixo de recursos para pesquisa e desenvolvimento de tecnologia nacional."
Senra frisa que o Brasil definitivamente não tem hoje a oferta de recursos que seria suficiente para abastecer os data centers, que ele afirma serem "esfomeados" de água e energia firme, ou seja, ininterrupta. Segundo ele, terão de ser feitos investimentos para a produção de ambos os insumos, para que a população não seja afetada.

"Com o crescimento da demanda, pode ser que ocorra um encarecimento das tarifas de energia elétrica e de água para a população. E, se os investimentos não forem feitos, ocorrerão com mais frequência os apagões, porque imagino que o abastecimento dos data centers será prioritário, logo alguém ficará sem o fornecimento de energia elétrica."

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Nesse cenário, o especialista avalia que a energia nuclear é, "sem dúvida alguma", indispensável para esse fim.
"É uma energia que emite menos gases do efeito estufa do que a energia solar, comparada também com as emissões da energia eólica. Mas, ao contrário dessas energias renováveis, que são intermitentes, a nuclear é uma fonte firme, ou seja, fornece energia elétrica continuamente, 24 horas por dia, sete dias na semana."
Ele acrescenta que outros desafios para tornar o Brasil um polo de data centers são a aprovação do arcabouço legal para a regulação dos centros; investimentos em infraestrutura; e a garantia de distribuição e confiabilidade da energia elétrica para os data centers, especialmente em regiões mais remotas não conectadas ao Sistema Integrado Nacional (SIN).

"Para esse último desafio, a energia nuclear pode desempenhar um papel muito importante, porque há atualmente um grande interesse global em pequenos reatores modulares, que são uma classe emergente de reatores nucleares menores, mais seguros e mais flexíveis do que os reatores nucleares convencionais, e que, além disso, podem operar em locais remotos."

Eduardo Fagundes, fundador e CEO da nMentors Engenharia e autor no think tank efagundes.com, afirma que o fator decisivo que faz do Brasil um potencial polo de data centers é o diferencial de valor agregado: a possibilidade de ancorar serviços digitais em três pilares que os grandes players buscam — baixa pegada de carbono, incentivos fiscais específicos e conectividade global de alta capacidade.
"A matriz elétrica brasileira é majoritariamente renovável e de baixa intensidade de carbono, com participação relevante de hidrelétricas, eólicas e solares. Em um contexto em que grandes provedores de nuvem e de inteligência artificial são pressionados por metas climáticas e critérios ESG [sigla em inglês para governança ambiental, social e corporativa], poder contratar energia limpa em escala é um ativo estratégico."
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Fagundes acrescenta que instrumentos como o Redata e o uso de Zonas de Processamento de Exportação (ZPEs), para atrair investimentos, reduzem o custo tributário, ao mesmo tempo que vinculam benefícios a compromissos de energia limpa, investimento local e geração de empregos qualificados.
Ele aponta que há casos concretos que ilustram essa agenda, como o hub de Pecém, no Ceará, onde a integração entre ZPE, porto, projetos de energia renovável em larga escala e cabeças de cabos de fibra óptica e cabos submarinos cria um corredor de exportação de serviços digitais.

"A região de Fortaleza já é um ponto de ancoragem de vários cabos que conectam o Brasil a América do Norte, Europa e África, o que permite processar dados aqui e entregar serviços digitais com baixa latência para o resto do mundo."

Segundo Fagundes, somados ao tamanho e à sofisticação do mercado interno brasileiro, esses fatores "constituem um pacote de valor agregado competitivo para o país disputar um papel de protagonismo na nova geografia global de data centers".
No entanto, Fagundes também alerta sobre o risco de aumento no custo da energia por conta da alta demanda dos data centers.
"Nesse contexto, o armazenamento em baterias cumpre um papel simples de explicar: ele permite armazenar energia renovável nos momentos de sobra e utilizá-la horas depois, nos horários de pico. Em termos práticos, é o que ajuda a 'firmar' a energia renovável, transformando uma fonte intermitente em uma oferta mais previsível e compatível com a exigência de alta confiabilidade dos data centers", explica.
Para Fagundes, o Brasil terá de investir também em capital humano para operar os data centers, cibersegurança e proteção de dados, já que a chegada de grandes cargas de processamento relacionadas a plataformas globais faz ganhar peso a dimensão de soberania digital.

"Se conseguir articular esses elementos com planejamento de rede, investimentos em baterias e uma política industrial orientada a valor agregado — e não apenas a benefícios fiscais —, o país tem condições reais de se posicionar como um polo relevante de data centers e serviços digitais em escala."

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