A América Latina, em especial o mar do Caribe, vive um momento de incerteza com o anúncio do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de uma operação militar na região sob o pretexto de combater o tráfico de drogas ao sul do continente americano. Um dos países mais ameaçados por uma ação estadunidense nesta área é a Venezuela, que viu Washington oferecer uma recompensa milionária pela captura do presidente Nicolás Maduro.
A região está no chamado entorno estratégico brasileiro, isto é, no perímetro de segurança ao redor do país, onde o Brasil deve exercer sua influência em termos políticos, econômicos e militares.
No primeiro episódio da série sobre entorno estratégico do podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, o professor de relações internacionais da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) Augusto Teixeira Júnior destacou que um dos maiores afetados por uma eventual incursão norte-americana na Venezuela seria o Brasil, que faz fronteira com o território de Caracas pelos estados do Amazonas e Roraima.
Na segunda parte desta série, o professor adjunto do Instituto de Relações Internacionais e Defesa (IRID) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Bernardo Rodrigues explica que, para alcançar os objetivos de garantir seu entorno, é preciso investir em defesa para garantir soberania econômica e política, além da militar. Só assim seria possível exercer influência além das fronteiras nacionais.
"É uma preocupação que eu gosto de elencar nas aulas de geopolítica. A preocupação com defesa não é só para a soberania em termos militares, é a soberania econômica, é a soberania política. A gente conseguir traçar os rumos do nosso país. Esse que é o grande ponto. E se a gente tem essas questões de ingerência, a gente tem que ter também a possibilidade de maiores investimentos na área de defesa."
Rodrigues, autor do livro "Sementes de Futuro da Geopolítica Brasileira", destaca que uma ação norte-americana na Venezuela pode abrir uma prerrogativa para que posteriormente algo parecido aconteça no Brasil.
Para evitar este tipo de situação, o especialista acredita ser necessário diminuir a diferença de capacidade militar entre Brasília e Washington, ao mesmo tempo que faz uma provocação sobre como o orçamento de defesa do país é gasto.
"Gosto também de detalhar que não são investimentos por investimento. Qual é a estrutura que a gente tem na estrutura das Forças Armadas? Isso é um debate que as próprias FAs fazem, só que não se modifica. Grande parte do orçamento que vai para pagamento de pessoal, pensões, salários. Cadê a parte de investimento? Cadê a parte de ciência e tecnologia?"
O especialista ressaltou o Programa de Desenvolvimento de Submarinos (Prosub) como um bom exemplo brasileiro de revitalização militar e capacidade de dissuasão. Com a entrega do submarino Almirante Karam (S43) na última quarta-feria (27), o projeto agora focará na construção do submarino nuclear Álvaro Alberto.
"Um submarino nuclear, ele tem muito mais vantagens do que um submarino convencional. Seja em tempo que você consegue ficar por baixo da água, seja em capacidade de deslocamento, que é muito mais rápida. Se a gente proteger a Amazônia Azul, é fundamental esse submarino nuclear."
Rodrigues destaca que mais de 90% das exportações brasileiras são enviadas pelo mar, o que mostra a importância das águas nacionais para os planos de influência de Brasília, não só na região, mas no mundo.
"Se não tem mar, a gente não tem comércio exterior, a gente não tem conexão com o mundo. São fundamentos importantes para gente refletir um papel do Atlântico Sul."
Há interesse em deixar o Brasil ser grande?
Para falar em relações exteriores na América Latina, é inevitável falar de Estados Unidos e décadas de políticas que pregavam a região como área de influência de Washington. Rodrigues cita o cientista político Nicholas J. Spykman como um exemplo da forma como a Casa Branca enxerga o que está em seu entorno estratégico.
"O Spykman fala explicitamente: não pode ter uma união entre Brasil, Argentina e Chile porque é contrário aos anseios geopolíticos dos Estados Unidos no hemisfério ocidental."
Mas nem toda interferência, necessariamente, precisa ser negativa. Rodrigues destaca o caráter de oportunidade que situações como essa causam e cita a Rússia como um ótimo exemplo de como negociar com aqueles países que desejam se relacionar mutuamente.
"A Rússia foi excluída do sistema de pagamento internacional, excluída de tudo. O que ela fez? [...] Vou olhar para o Oriente. Vou fazer um tratado de amizade infinita com a China, eu vou olhar para uma Coreia do Norte, vou intensificar as minhas relações com a Índia, vou olhar para o Oriente."
O professor adjunto da UFRJ, porém, adverte que não é possível culpar só agentes externos pelo insucesso do Brasil de fazer traduzir a imponência continental de seu território em influência: "Se tem uma ausência de um projeto, necessariamente a gente faz parte do projeto geopolítico e geoeconômico de alguém".
Rodrigues questiona que o Brasil não possui um projeto de estado, ficando à mercê de governos que mudam caminhos a cada alternância política em Brasília.
"Quando eu estou fazendo algumas palestras, a primeira pergunta que eu coloco para as pessoas se questionarem, para as pessoas refletirem, é: qual é o projeto brasileiro, seja ele econômico, social, militar, para 2050? Fica um silêncio."