Panorama internacional

Conflito entre Congo e Ruanda: quais os interesses de EUA e Catar na paz?

O Mundioka explora o possível fim da guerra na República Democrática do Congo, os detalhes do acordo de paz após um conflito de 30 anos e por que países como Catar e EUA estão interessados em mediar a paz na região.
Sputnik
No dia 23 de julho de 2025, a República Democrática do Congo (RDC) assinou uma declaração de princípios que afirmava que acordos de paz e de cessar-fogo seriam assinados com o Movimento 23 de Março (M23), grupo ligado a Ruanda, em Doha. No dia 27 de julho, foi assinado um acordo de paz entre as partes em Washington, sinalizando o possível fim de um conflito que perdurou por 30 anos.
Apesar desse tratado, ofensivas do M23 se agravaram no início de dezembro, dias depois de um encontro dos líderes congolês e ruandês nos EUA, na presença do presidente norte-americano, Donald Trump.
No episódio desta sexta-feira (12) do Mundioka, podcast da Sputnik Brasil, especialistas comentaram a retirada de tropas do M23, os itens tratados no acordo, a participação do Catar para o fim da guerra e o elo entre o Movimento 23 de Março e Ruanda, que enfrenta acusações de armar o grupo militar rebelde.
Charly Kongo, defensor de direitos humanos, professor de francês e refugiado congolês, conta que recebeu com cautela a notícia de que o confronto em sua terra natal pode estar próximo de acabar. Ele lembra que tal anúncio "já aconteceu várias vezes no passado" e que o atual acordo "não promete um futuro bom".
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"Deixa um pouquinho com um pé atrás. Apesar de que o desejo é que realmente a guerra acabe, para acabar com o sofrimento dos congoleses que moram naquela região", pontua Charly. Sobre a participação do Catar na mediação do conflito, o professor aponta a influência financeira que o país árabe tem tanto na RDC quanto em Ruanda. Doha tem se vangloriado de sua mediação para a paz, afirmando uma conquista que nem as Nações Unidas, nem os EUA, nem a União Africana conseguiram em 30 anos.
Para Charly, o acordo é um "fait de route", ou "passo intermediário", uma etapa antes de um acordo final entre as nações, e o diferencial do governo catariano seriam justamente os altos investimentos feitos nos dois países africanos.

"O Catar investe mais que outros países nesta região. O aeroporto de Kigali foi financiado em mais de 80% pelo Catar, por exemplo. Eles acabaram de assinar um contrato maior pelo ouro da RDC. O Catar tem esse desejo de ser o mediador dos conflitos, como a gente viu a mediação que eles fizeram entre Israel e Hamas na guerra de Gaza."

O ativista é cético quanto a uma reintegração do M23 à República Democrática do Congo, já que as duas partes, o governo e os rebeldes, têm desconfiança mútua. Ele lembra também que o grupo conquistou mais locais logo depois do acordo em Doha.
"Na verdade, a guerra não acabou. Mesmo no momento que a gente está falando, tem ainda troca de tiros naquela parte do leste. Então essa etapa de integração dos rebeldes nas Forças Armadas da RDC é uma coisa que vai ser muito difícil, porque, primeiramente, os congoleses têm medo da infiltração dos militares ruandeses", sublinha.

Outros desdobramentos

José Ricardo Araújo, pesquisador de África Subsaariana do Núcleo de Avaliação da Conjuntura (Escola de Guerra Naval), aborda a complexidade da negociação, ressaltando haver dois acordos de paz: um entre a República Democrática do Congo e o M23, mediado pelo Catar; e outro entre a RDC e Ruanda, mediado pelos Estados Unidos.
"Mas, ao mesmo tempo, existe uma complexidade muito grande em relação àquela região, aos grupos beligerantes que estão ali, às comunidades locais, às opiniões delas sobre o conflito, à atuação da operação de paz", explica Araújo.
Ele cita as Forças Democráticas Aliadas (ADF), um grupo atuante na região ligado ao Daesh (organização extremista proibida na Rússia e em outros países), como um dos grupos que não foram considerados para as negociações de paz. Além dele, as Forças Democráticas pela Libertação de Ruanda (FDLR), um grupo paramilitar, também não foram incluídas. Este grupo é acusado pelo governo ruandês de ser responsável pelo genocídio em Ruanda em 1994 com apoio do governo congolês.
"Ruanda acredita que ela tem tem, de certa forma, o dever de entrar nesse território da República Democrática do Congo para poder garantir a sua própria segurança nacional, neutralizando esse grupo."
Araújo também elenca os motivos para os Estados Unidos terem interesse no conflito africano: projeção norte-americana na África, aquisição de minérios, como coltan, cobalto e ouro, e disputa de mercados com a China.

"A China é um país que acaba ali tomando boa parte das empresas mineradoras da RDC. Se a gente olhar principalmente para o cobalto, por exemplo, 70% dele é minerado no Congo. Isso no setor de extração, que a gente fala que é o setor upstream. E aí quando a gente vai para o setor de processamento, que é quando esse minério é processado, o setor downstream, ele ocorre cerca de 80% mundialmente na China. Ou seja, existe o que o próprio [ex-presidente americano] Joe Biden já trouxe, um certo monopólio virtual da China em relação ao setor de cobalto da RDC. Então, a participação dos EUA e, no caso, do Trump, é estratégica."

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