Desde 2023, o Sudão está envolto em uma
sangrenta guerra civil, fruto da disputa de poder entre as Forças Armadas Sudanesas (SAF) e o grupo paramilitar Forças de Apoio Rápido (RSF). Em 2019, ambos tiveram papel ativo na
derrubada do governo de Omar al-Bashir, após 30 anos no poder.
Após a destituição, um arranjo de partilha de poder foi criado entre o Exército e lideranças civis, mas em 2021 o pacto se fragmentou após Abdel Fattah al-Burhan, líder das SAF, e Mohamed Hamdan Dagalo, da RSF, assumirem o controle do país de forma conjunta. Dois anos depois, a aliança foi rompida, desencadeando a disputa pelo poder.
O cenário é agravado pelo fato de o Sudão ter perdido sua principal fonte de financiamento. Em 2011, quando ocorreu a fragmentação do país em duas partes, Sudão e Sudão do Sul, a parte meridional ficou com três quartos das reservas de petróleo que o país detinha.
Leonardo Paz Neves, pesquisador do Núcleo de Inteligência Internacional da FGV, explica ao
Mundioka, podcast da
Sputnik Brasil, que a disputa interna no Suão é agravada por influências externas que até hoje lucram com o conflito. É o caso dos Emirados Árabes Unidos ao apoiar as Forças de Apoio Rápido, que controlam boa parte do país, incluindo áreas onde estão minas de ouro, principal riqueza do país.
A riqueza em recursos naturais do Sudão, no entanto, não se traduz em desenvolvimento. Neves destaca que a população do país "vive numa situação de pobreza muito forte", com problemas graves no acesso à educação, saneamento básico, saúde, entre outras áreas.
"O Sudão é um caso que não é nenhuma surpresa. Você tem diversos países do mundo [...] que, de fato, têm uma riqueza natural bastante importante, mas que ela é capturada, obviamente, por uma pequena elite."
Para Neves, gerada pela violência,
a migração em países vizinhos é o principal impacto do conflito no Sudão. Além disso, grupos extremistas que atuam na região acabam apoiando um dos lados do conflito e usam a porosidade das fronteiras para fugir ou
promover ataques em outros países.A crise humanitária gerada pelo conflito no Sudão se agrava sistematicamente a cada ano, como ponta ao programa Patrícia Teixeira dos Santos, professora titular de história da África da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e autora do livro "Fé, Guerra e Escravidão: uma história da conquista colonial do Sudão", publicado em coedição da Unifesp com a Universidade de Pernambuco (UPE).
Essa crise humanitária, que já soma 14 milhões de deslocados e 12 mil mortos em um país de 50 milhões de pessoas, só ganhou notoriedade porque a Arábia Saudita está chamando a atenção das potências, em grande parte por ações da Arábia Saudita, que está "preocupadíssima" com os efeitos que o conflito tem em sua ligação com o norte da África e com a África Oriental.
Somado com a Faixa de Gaza, as duas guerras influenciam o equilíbrio estratégico no mar Vermelho, avalia a pesquisadora.
Por conta disso, Riad chama atenção do globo para o conflito, em especial de seu principal aliado, os Estados Unidos. Nesse ponto, o príncipe herdeiro saudita, Mohammad bin Salman, demonstra uma grande desconfiança com as atitudes do presidente dos Emirados Árabes Unidos (EAU), Mohamed bin Zayed, que hoje surge como um mediador no conflito.
Conforme explicita Santos, Zayed, assim como a maior parte das nações ocidentais que hoje chamam atenção para a crise no Sudão, lucravam, direta ou indiretamente, com a desorganização política do país.