A novela, inédita no Brasil, foi publicada em 1792 na revista Moskovsky Zhurnal (Revista de Moscou). Já em 1796, virou livro. Trata-se de um exemplo dos mais brilhantes e importantes do sentimentalismo russo, corrente literária que expirou por volta dos anos 1820, cedendo lugar à geração de Alexander Pushkin.
O que atrai um brasileiro ou uma brasileira na Rússia? Isso foi o tema de nossa conversa com a tradutora.
– Você recentemente voltou da Rússia, onde estava em São Petersburgo. Gostou da cidade?
– Sim, muito. A Rússia era um sonho já muito tempo. Foi incrível, parece que se confirmou a ideia de que quero ir mais vezes, ficar por mais tempo na Rússia.
– E como você descobriu o seu interesse à Rússia?
– O meu interesse para a Rússia surgiu quando eu estava no ensino médio, eu li “Crime e Castigo”, de Dostoievski, no quadro de um projeto que a gente tinha de Literatura Universal. Isso mudou a minha vida. Foi assim que eu comecei a procurar outras obras de Dostoievski e outros autores russos. E foi assim que eu decidi que ia estudar o russo para conhecer mais ao fundo a cultura, a literatura e a própria língua, para poder ler os escritores russos no original.
– Quantos anos você tem estudado a língua russa?
– Comecei a estudar o russo no segundo ano da graduação da faculdade. Agora eu estou fazendo o mestrado, também estudo a cultura e a literatura russa. Eu acho bom estar na Rússia, falar com as pessoas, é diferente do que a gente faz durante a aula. Você tem que falar, e é bem diferente falar com outra pessoa na rua, em situações cotidianas, do que no ambiente de uma sala de aula.
– Eu tive a ideia de traduzir “Pobre Liza” junto com a minha orientadora, tradutora Fátima Bianchi. Era uma novela inédita no Brasil. E como é de grande importância para a literatura russa, a gente considerou isso como uma oportunidade para trazer ao público brasileiro esta novela e um estudo sobre ela, para que possam compreendê-la os leitores que não tenham conhecimento a fundo da cultura e da literatura russa. Quando ela sai na coletânea (“Nova Antologia do Conto Russo”), mais pessoas, não necessariamente da nossa área poderão conhecer a novela.
– Você poderia comentar o processo da tradução? Segundo profissionais, tradução literária não é só traduzir palavras e frases, mas também traduzir realidades e ideias. Foi difícil trazer realidades da Rússia século XVIII para as realidades do Brasil século XXI?
– O processo da tradução foi realizado em várias etapas, depois de uma pesquisa bastante grande sobre a Rússia do século XVIII, o como e o porquê das causas de “Pobre Liza”, as noções linguísticas e históricas do próprio idioma russo. Trazê-la para o século XXI do Brasil foi um trabalho de vocabulário mesmo, porque tive que manter um vocabulário que deixasse transparecer que a novela foi escrita no século XVIII e ao mesmo tempo que ela não ficasse incompreensível para o público do século XXI. Então, na verdade, foi um processo bastante denso, porque o conto possui várias palavras arcaicas em russo bem antigo. Demora para a gente achar uma palavra em português que se encaixasse para mostrar a noção do tempo, da época. Foi a base de um estudo, a escolha de um vocabulário certo, de uma sintaxe que correspondesse ao que eu pretendia.
– Poderia citar algumas palavras que ficaram mais interessantes para você como tradutora?
– Eu me lembro de uma palavra. É uma das frases em que a pobre Liza fala para Erast e usa o termo “Prosti” (“Прости”). Os dicionários apresentam dois significados: “Adeus” e “Perdoa”. Eu fiz o cotejo de outras traduções de outras obras, uma falava “Adeus” e outra falava “Perdoa”. Mas aí, em “Pobre Liza”, é uma palavra só! Através da análise do contexto, eu preferi deixar apenas como “Perdoa”. O contexto é mais ou menos assim: ela fala, “Amanhã nos veremos”, então eu acredito que “Perdoa” serve melhor para caracterizar a personagem. E outras preferências que eu coloquei na tradução seria a referência aos lugares, os mosteiros, lugares que no Brasil permanecem fora do conhecimento. Os mosteiros ganharam uma nota falando de quando foi fundado, da sua história. A própria construção da personagem que eu tinha que manter. Karamzin recebeu algumas críticas porque a pobre Liza é uma camponesa analfabeta, mas ela fala um russo extremamente coerente e elevado, ela não representa nenhum erro, é extremamente fluente. Os críticos falavam que camponês não fala essa língua tal elevada.
– Qual é a repercussão das traduções dos clássicos russos no Brasil?
– Normalmente, as traduções diretas, em grande maioria editadas pela Editora 34 e pela Cosac Naify, atingiram uma grande aceitação do público leitor brasileiro. É um boom literário russo. Hoje eu acredito que a literatura russa para os brasileiros tem uma parte de identificação. Embora sejam países distantes, a representação das personagens e até o próprio modo de sentir são bem parecidos com os brasileiros. Eu acredito que as traduções ganham repercussão muito grande pela própria identificação do povo brasileiro com aquilo que é traduzido. Por isso as obras de Dostoievski, Tolstói, Tchekhov apresentam um grande número de vendas atualmente no Brasil.
– Você planeja continuar o trabalho de tradutora? Tem alguns autores que planeja traduzir?
– Sim, eu planejo continuar o trabalho de tradutora. Atualmente no mestrado eu estou fazendo uma tradução da “Crônica de Petersburgo” de Dostoievski. Agora estou com Dostoievski de novo atualmente, mas pretendo continuar com outros autores russos. Quem sabe, até eu traduzo alguns autores contemporâneos, para que as pessoas aqui conheçam mais literatura russa. Outra coisa que chamou minha atenção quando eu estive na Rússia é que toda vez que eu falava para as pessoas na rua que era brasileira, elas me perguntavam sobre Paulo Coelho. Eu falava, “Não, leia Machado de Assis!” Parece que tem uma tradução muito antiga e um pouco difícil de achar de Machado de Assis. Acho que seria interessante traduzir literatura brasileira para o russo, para as pessoas conhecerem mais autores do que Paulo Coelho. Tem Machado de Assis, Guimarães Rosa, outros autores que são mais importantes do que Paulo Coelho.