Entrevista: Partisan que vive no Rio conta como combateu junto com o Exército Vermelho

© Sputnik / Artyom KreminskyMemorial aos partisans na Crimeia
Memorial aos partisans na Crimeia - Sputnik Brasil
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Em entrevista exclusiva à Sputnik, Izak Kimelblat, partisan soviético, nascido na Ucrânia, que lutou ao lado do Exército Vermelho na Segunda Guerra Mundial, falou sobre as dificuldades e glórias durante os anos de conflito e sobre como veio parar no Brasil após a vitória sobre os nazistas.

Senhor Izak Kimelblat, quais são suas lembranças daquele difícil período da Segunda Guerra Mundial, na qual o senhor e seu irmão, o saudoso Natan Kimelblat, estiveram tão envolvidos?

Bandeira da Vitória - Sputnik Brasil
No Dia da Vitória, um lugar para a bandeira russa

– As lembranças que eu tenho é que eu estou ferido e tenho ainda a bala dundum na perna e estou sofrendo até hoje. Mas eu nunca me esqueci do que passamos, da nossa ação nos Cárpatos para limitar petróleo e tudo… Isso foi a maior coisa que nós fizemos. O nosso próprio general, Kovpak, saiu de lá carregado na maca. E outros morreram lá. Caíram porque não conseguiram mais aguentar. Sei que foi uma coisa muito importante na minha vida. Nunca vou me esquecer.   

– O que é o partisan?

– O partisan é aquele que não deixa que o inimigo consiga receber armas e tudo mais que ele precisa. Pois, sem isso, ele não pode ir adiante. E nós fizemos de tudo para atrapalhar a vida dele (do inimigo). Arrebentamos as pontes onde os trens passavam e lutamos e fizemos tudo para atrapalhar a vida deles. E nós conseguimos. Isso que é o principal.

© Sputnik / Oksana ZhavoronkinaPartisan soviético Izak Kimelblat
Partisan soviético Izak Kimelblat - Sputnik Brasil
Partisan soviético Izak Kimelblat

– O partisan não era um militar, era um civil combatendo na guerra.

– Sim.

– E como o senhor e o seu irmão se vincularam ao grupo de partisans?

– O primeiro fuzil era meu. Eu tinha um fuzil guardado, porque já sabia que a situação estava ruim, com os nazistas. E de um fuzil a gente conseguiu dois, e depois quatro etc. Quanto mais arma a gente tem na mão, mais possibilidade a gente tem de conseguir armas do inimigo.

– Vocês moravam em uma cidadezinha da Ucrânia, Legist…

– Era uma aldeia.

– Quando vocês decidiram efetivamente combater os nazistas?

– Eles cercaram a aldeia e mataram todo mundo, num mesmo dia. Eles prepararam as covas e tudo… e ninguém sabia de nada porque ninguém podia sair de casa. Cercaram a gente e mataram todo mundo. Alguns se salvaram. Mais ou menos, uns 27 ou 28 rapazes, que conseguiram se reunir depois. E resolvemos que a única saída seria fazer um grupo de partisans e nos juntar à União Soviética (combater ao lado dos soldados soviéticos).

– Isso aconteceu em 1942?

– Isso, 1942. Nós reunimos um grupo de 27 e depois recebemos cinco russos que desceram de paraquedas e nos explicaram o caminho e disseram o que tínhamos que fazer. E nós fomos pelo caminho que eles mandaram. Fomos direto para a Bielorrússia, nos encontrar com a Divisão de Kovpak, Sydir Artemovych Kovpak. Ele nos recebeu muito bem, de braços abertos, nos dividiu em grupos, para aprendermos melhor, e nós lutamos. Depois, recebemos uma ordem de Moscou para ir até os Cárpatos para arrebentar petróleo [destruir poços de petróleo]. Nós fomos e não foi brincadeira. Nós entramos lá com, mais ou menos, 1.800 pessoas, e saíram vivas 540.

– Algum de vocês já sabia usar armas de guerra ou todos tiveram que aprender em curtíssimo tempo?

– Nós aprendemos rápido, com os paraquedistas russos, na floresta. Eles nos ensinaram a montar minas e a fazer outros serviços que eles faziam. E nós fomos então até as linhas de trem para arrebentar os trens que passavam pra lá e pra cá. E depois fomos atacados, porque os ucranianos, que moravam lá, também ajudaram o nosso inimigo. Os nazistas prometeram dar para eles uma Ucrânia e eles acreditaram. Então, eles ajudaram e nós fomos cercados. Mas aguentamos essa luta com eles e saímos todos vivos.

Mas aí o comandante Alyosha falou: “Nós (russos) recebemos uma ordem de Moscou para ficar aqui neste ponto. Nós não podemos sair daqui. Agora, vocês têm que sair daqui ou, dentro de uma semana, eles (nazistas e ucranianos colaboracionistas) vão cercar tudo, com muita gente, e ninguém vai sobrar vivo. Vocês têm que sair daqui agora. E, de presente, vou lhe dar uma bússola. E vocês vão seguir nessa direção da bússola. Indo nessa direção, vocês vão encontrar os nossos partisans, russos. E serão bem recebidos lá, eu garanto”.

E nós fomos até lá. Demorou uns três ou quatro dias. Andamos até chegar lá. E nós acertamos. E fomos bem recebidos e já éramos preparados, porque, nesse curto tempo que ele (Alyosha) teve com a gente, na floresta, ele nos ensinou. De tal forma que, quando realmente atacaram a gente, nós ganhamos essa luta. Mas tivemos que sair de lá. Saímos de lá e fomos até a Bielorrússia. E entramos no Kovpak. Aí, ao invés de partisans simples, nós já éramos kovpakovskis, os melhores que existiam.

– E por quanto tempo você e seu irmão foram partisans?

– Por uns dois anos. Eu fiquei ferido com essa bala dundum. Então veio um avião lá de Kiev e apanhou a gente.

– E vocês foram levados para onde?

– Para Kiev. E eu fiquei lá junto com todo mundo.

– E ao final da guerra? O que vocês estavam fazendo no final da Segunda Guerra Mundial?

– Nós voltamos, para ver se alguém ficou vivo. Mas não tinha ninguém. Éramos solitários, feridos, e andávamos de muletas. O que a gente podia fazer?

Aí, naquela época, todo mundo procurou um caminho para onde ir. E nós lembramos que tínhamos tios aqui no Brasil, no Rio de Janeiro. Dois irmãos, com as famílias, com os filhos, os netos etc. Eu entrei na embaixada brasileira em Roma e eles me deram uma lista telefônica, que eu não conhecia na minha vida, pois a gente não tinha telefone. Eu vi na lista e, em cinco minutos, eu achei o endereço dos meus tios. Aí eu me comuniquei com eles e eles preparam tudo para a gente vir para o Brasil.

– Vieram direto para o Rio de Janeiro?

– Sim, direto para o Rio de Janeiro. E aqui cada um já tem a sua família, com as mulheres, filhos, netos… Fizemos aqui a nossa vida.

– Para terminar, senhor Izak: quem venceu a Segunda Guerra? Foi a União Soviética? Algumas partes dizem que não foi a União Soviética, mas outro país.

– Esses que dizem isso não sabem o que falam. Quem ganhou foi a União Soviética. Sem dúvida.

– E por que alguns insistem em dizer que não foi a União Soviética?

– Porque eles não sabem. É desconhecimento e propaganda dos outros. E ninguém fala disso, ninguém se interessa. Eu escrevi um livro (“Os Partisans – Guerrilheiros Judeus na II Guerra Mundial”, 2007) narrando tudo e todo o nosso sofrimento como partisans, mas falando também da glória depois de ganhar a guerra.

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