Opinião: A Rússia não vai dobrar a espinha em função da hostilidade americana

© Sputnik / Alexander Vilf / Acessar o banco de imagensSistema de mísseis antiaéreos S-400 Triumf, em exposição no fórum militar ARMY 2015, em Kubinka, região de Moscou
Sistema de mísseis antiaéreos S-400 Triumf, em exposição no fórum militar ARMY 2015, em Kubinka, região de Moscou - Sputnik Brasil
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Em entrevista exclusiva à Sputnik Brasil, o Professor Diego Pautasso, da Unisinos – Universidade do Vale dos Sinos, comenta aspectos do pronunciamento do Presidente Vladimir Putin no Fórum Econômico Internacional de São Petersburgo, iniciado na quinta-feira, 18.

Entre outras afirmações, Putin disse que os Estados Unidos estão levando a Rússia a ingressar numa nova corrida armamentista, e que a Rússia não aceita ultimatos.

A seguir, a entrevista com o  Professor Diego Pautasso.

 

Sputnik: O Fórum de São Petersburgo é tido como um dos maiores eventos da economia mundial. No entanto, o Presidente Vladimir Putin aproveitou a oportunidade, já que se trata de um acontecimento da pauta global, para enviar diversas advertências ao mundo. Uma delas é de que a retirada unilateral dos Estados Unidos do Tratado de Limitação de Armas faz com que a Rússia retorne à corrida armamentista. Como o senhor vê esta declaração do chefe de Estado russo?

Diego Pautasso: O Presidente Putin está constatando, de forma correta, que as questões econômicas da Rússia estão hoje diretamente ligadas às questões geopolíticas, ou seja, há uma tentativa ocidental, liderada pelos EUA e pelos seus parceiros, de isolamento da Rússia, cujas consequências impactam diretamente a economia, o que envolve, por exemplo, o embargo e, obviamente e em paralelo a isso, a hostilidade à Rússia e às lideranças russas em âmbito regional, e a resposta de Putin é uma sinalização de que este caminho é inadequado para uma convivência amistosa no âmbito das relações entre a Rússia e a União Europeia e a Rússia e os Estados Unidos.

S: E como deve ser interpretada pela comunidade internacional a declaração de que a Rússia terá que reingressar na corrida armamentista?

DP: Diante da hostilidade ocidental, da tentativa de expansão da OTAN, do golpe e do conflito sustentado na Ucrânia, a Rússia está sinalizando ao Ocidente que ela está disposta a garantir a sua segurança nacional e a sua independência econômica e diplomática. O desfile no Dia da Vitória, os investimentos no setor de defesa, a aproximação com a China, as visitas à América Latina são todas sinalizações que apontam na mesma direção, de que a Rússia não irá dobrar a espinha em função dessa posição americana bastante hostil com as lideranças russas e com a Rússia como um todo.

S: O responsável por um dos mais importantes comandos militares norte-americanos disse que os EUA estão providenciando a instalação de uma base de mísseis na Romênia, um país que não faz fronteira com a Rússia porém fica em suas vizinhanças. Isto representa uma nova ameaça para a Rússia?

DP: Eu noto uma determinada estratégia americana de provocar os russos para que a Rússia responda à altura e com isso aprofunde as divisões e as cisões existentes entre ela e a Europa e o Ocidente. Esta tentativa de vilanizar a Rússia e construir esse discurso da nova Guerra Fria é muito funcional aos interesses americanos e aos interesses de manter a Europa subordinada à OTAN e aos EUA. A construção de bases na Romênia, assim como ter fomentado o golpe na Ucrânia, faz parte desta mesma estratégia, desta mesma lógica de nova Guerra Fria.

S: Neste mesmo segmento de afirmações, o presidente russo afirmou: “A Rússia não aceita a linguagem dos ultimatos, e o ultimato não é o tom de voz mais recomendado para a comunidade internacional se relacionar com a Rússia.” É uma advertência, é um aviso, como é que deve ser entendido?

DP: Uma das questões de fundo que a Rússia está enfatizando é que ela não é mais a Rússia dos anos 90, que estava numa situação de completa vulnerabilidade, disposta a aceitar todos os termos de acordos e contratos, e que a Rússia voltou ao xadrez internacional e portanto tem que ser reconhecida como um ator relevante, que requer o respeito e a equidade, e que os hegemonismos não vão funcionar. Esse é exatamente o recado. Recado que os EUA obviamente perceberam. Que a Rússia se apresenta hoje como um ator que desafia o hegemonismo americano, que, de novo, usa a estratégia de vilanização e de construção da Rússia como um inimigo.

S: Teria chegado o momento de pensar em estabelecer novamente uma nova ordem internacional?

DP: É a tentativa8, evidentemente, da Rússia, que é um país que precisa diversificar sua matriz produtiva, precisa recuperar o tempo perdido da década de 90. O interesse da Rússia é ampliar suas relações com o mundo, diversificar sua pauta produtiva e se tornar um país mais assertivo em termos diplomáticos e geopolíticos. E, diante desta ambição russa, a estratégia americana só pode ser a estratégia da contenção, até porque ela sabe que a Rússia tem um potencial de atuação diplomática, de autonomia, que a maior parte, eu diria quase todos os outros países do mundo não têm. Eu não sei se interessam, na atualidade, aos EUA a pactuação com a Rússia e um convívio amistoso. Eu diria que a Rússia é autônoma demais para os interesses americanos, e isso acaba gerando atrito e tensionamento porque não é isso que os EUA atualmente esperam de um país como esse.

S: Em outras palavras: os EUA não admitem que a Rússia tenha vida própria.

DP: Exatamente. Nem a Rússia, nem o Irã, nem mesmo países de âmbito regional, países mais frágeis da América Latina, quando estes buscam construir um projeto nacional de desenvolvimento, com algum tipo de autonomia e de inserção internacional mais diversificada.

S: Nós tivemos uma nova reunião dos membros da União Europeia com os EUA na qual ficou decidido que as sanções contra a Rússia serão mantidas e até mesmo intensificadas até que o Acordo de Minsk esteja plenamente implementado. O que o senhor pensa desta decisão?

DP: Eu acho que mais uma vez a Europa está comprando uma decisão que é de interesse predominantemente dos EUA, e isso pode ter um custo elevado, não só do ponto de vista econômico, porque o embargo pesa nas relações comerciais com a Rússia, pesa tanto para a Rússia quanto para a Europa, ainda mais que a Europa está numa situação de crise, de recessão. Pesa do ponto de vista da segurança energética, porque a Rússia é o principal fornecedor de hidrocarbonetos, e pesa também do ponto de vista geopolítico, porque se cria uma animosidade nas fronteiras imediatas da Europa, da União Europeia, e cujos desdobramentos podem irradiar, em médio prazo, para outras regiões.

S: Por quanto tempo a Europa e os EUA conseguirão sustentar essas sanções contra a Rússia?

DP: Os EUA eu acho que não têm maiores problemas, porque o nível de relacionamento econômico e comercial com a Rússia é bastante modesto, inclusive em função do tamanho da economia americana. Os EUA são um grande produtor de gêneros alimentícios e agora também energéticos. Para a Europa, o custo é mais alto, sobretudo do ponto de vista comercial. Como a Rússia acabou pontuando, numa visita de Sergey Lavrov a John Kerry, nos EUA, entregando uma cesta com alimentos e dizendo: “Olha, a Rússia não vai se dobrar, e vai usar esta sanção para diversificar a produção interna e diversificar as parcerias internacionais.” O que o governo russo está deixando bastante claro é que essas sanções não serão suficientes para fazer a Rússia se dobrar aos interesses ocidentais e abrir mão das suas posições nas suas fronteiras imediatas – leiam-se Ucrânia e expansão da OTAN.

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