Pressão sobre a Grécia visa a sufocar tendências alternativas de esquerda na Europa

© REUTERS / Alkis KonstantinidisBandeira da Grécia ao lado da deusa Atena
Bandeira da Grécia ao lado da deusa Atena - Sputnik Brasil
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No domingo, 5, o eleitorado da Grécia vai participar de um referendo sobre a postura do Governo em relação às exigências dos credores do país. O Professor Daniel Aarão Reis, em entrevista exclusiva à Sputnik Brasil, diz que “os assalariados é que pagam o preço para salvar o sistema financeiro internacional, causador da crise”.

O Professor Daniel Aarão Reis, da Universidade Federal Fluminense, afirma que é preciso entender o real sentido deste referendo. Em suas palavras, “os gregos não irão às urnas para dizer se o país deve ou não permanecer na Zona do Euro, mas, sim, se aceitam submeter-se às injunções determinadas pela Troika, o trio de credores formado pelo Fundo Monetário Internacional, o Banco Central Europeu e a União Europeia”.

Moedas com bandeira da Grécia ao fundo - Sputnik Brasil
FMI confirma o não recebimento do pagamento de dívida da Grécia
Nesta terça-feira, 30, venceu o prazo para que a Grécia pagasse ao FMI uma parcela de 1,6 bilhão de euros. No entanto, logo nas primeiras horas da manhã, o Primeiro-Ministro Alexis Tsipras afirmou que “não havia dinheiro para pagar”. No decorrer do dia, o jornal Financial Times informou que a Grécia pediu mais um plano de socorro, da ordem de 29 bilhões de euros, mas, algumas horas depois, a chanceler da Alemanha, Angela Merkel, veio a público dizer que “qualquer novo acordo da Europa com a Grécia só será considerado depois de conhecido o resultado do referendo de domingo”.

A seguir, a entrevista exclusiva em que o Professor Daniel Aarão Reis fala sobre a crise vivida pela Grécia e sua população.

Sputnik: O Governo grego ainda tem opções razoáveis frente às exigências de seus credores europeus, da execução de uma política de austeridade?

Daniel Aarão Reis: O que verificamos é que essas políticas de austeridade não deram certo. E é contra elas que o Syriza, o partido hoje majoritário na Grécia, foi eleito. Se o partido aceitasse as imposições da Troika, estaria rompendo com o mandato que lhe foi conferido. Seria um desvio antidemocrático se esse partido renunciasse ao seu programa, ou seja, essas negociações que se desdobraram de fevereiro até o momento atual evidenciaram, da parte dos gregos, uma certa flexibilidade, uma certa disposição ao diálogo, enquanto que da parte da chamada Troika – a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional – o que nós observamos é uma posição muito intransigente, pouco flexível. E é preciso também ressaltar que a dívida grega atualmente foi quase que completamente transferida dos bancos privados para as instituições públicas, como o FMI, ao qual a Grécia deve 1,6 bilhão de euros. E esta instituição tem procedimentos e métodos capazes de promover um parcelamento das dívidas. A crise está nos evidenciando uma contradição que é muito mais política do que econômica, ou seja, estas instituições internacionais têm perfeitas condições econômicas de conversar com flexibilidade e com disposição de diálogo com a Grécia. Mas é uma orientação política que está gerando esta inflexibilidade e esta rigidez das instituições. Trata-se muito mais de abater uma perspectiva alternativa de esquerda que tem crescido muito na Grécia e que está crescendo também em outros países da Europa, como na Itália, com o Partido Cinco Estrelas, e na Espanha, com o Podemos, que acabou de ganhar as eleições em Barcelona e Madri e se prepara para disputar, com muitas chances de ganhar, as eleições nacionais em novembro próximo. Embora a situação econômica mereça atenção e uma discussão específica, nós precisamos, em relação à crise grega, também considerar sua dimensão política, que está sendo muitas vezes esquecida. O Syriza se articula com outras forças na Europa, e elas são forças políticas alternativas de esquerda em substituição à velha socialdemocracia, que a partir da crise de 2008, ao invés de tomar partido pelas camadas populares, ao invés de cobrar dos grandes bancos, das grandes empresas capitalistas a sua contribuição para superar a crise, resolveu, com receio da reação que pudessem ter essas grandes empresas, descarregar o peso da crise nas costas dos trabalhadores e das camadas populares. Por isso a socialdemocracia europeia tem perdido gradativamente seu apelo popular, sua importância, e as tendências alternativas de esquerda vêm crescendo em toda a Europa, respondendo às demandas das camadas populares e dos trabalhadores.

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Opinião: Sem alternativa, a Grécia vai sair da Zona do Euro
S: A Grécia permanece ou sai da Zona do Euro?

DAR: O referendo que vai se realizar domingo próximo não se trata de decidir se a Grécia quer ficar ou não na Europa, se quer ficar ou não na Zona do Euro. O que os gregos vão votar é se eles aceitam essa política de humilhação que a Troika quer impor à Grécia, essa política de encurralamento do povo grego. É isso que vai ser votado.

S: O senhor entende esse referendo como uma divisão de responsabilidades entre Governo e população da Grécia?

DAR: Acho muito razoável porque se trata de uma crise profunda, e embora o Syriza tenha sido eleito numa perspectiva de mudar essas políticas de austeridade, frente a esse momento do não pagamento da parcela que vence agora, eu penso ter sido muito correta a decisão de discutir em profundidade com o povo grego se ele acompanha o Governo nessa decisão ou não. O que é importante sublinhar, e às vezes a grande mídia, ou por falta de informação ou por opção política, não está informando, é que os gregos não vão decidir se vão ou não sair da Europa e da Zona do Euro. Eles vão decidir sobre uma política determinada que está sendo imposta por essa Troika. Os acordos celebrados nos processos de integração europeia não preveem expulsão de nenhum membro. Se algum membro quiser se retirar, ele se retira, mas não é o caso, a Grécia não quer se retirar da Europa. Ela quer construir uma outra Europa, de solidariedade, favorável às camadas populares, que tenha essa integração não no sentido apenas de engordar lucros das grandes empresas capitalistas, mas no sentido de produzir bem-estar coletivo, de atender as demandas das amplas camadas populares europeias. Isso é um falso dilema. Eles querem continuar, mas mudar a política, e isso é muito importante porque o que a Troika quer é que a Grécia se retire da Zona do Euro, mas ela não vai se retirar. Se os gregos recusarem essa política de austeridade, caberá às autoridades das instituições europeias ou reformular as suas propostas, os seus planos, as suas imposições, ou decretar a expulsão da Grécia. Se a Troika quiser expulsá-la, vai ter que inventar mecanismos, e isso já foi sustentado pelo Primeiro-Ministro Alexis Tsipras, pois não há, no momento, um dispositivo, um arranjo, um procedimento constitucional que promova a expulsão de países-membros. A questão toda é termos clareza sobre o que vai ser votado neste referendo. As autoridades europeias, na sua arrogância tradicional, querem pautar o referendo como sendo o ato que vai decidir se os gregos querem continuar ou não na Europa. Eles querem continuar, mas querem uma outra política, uma outra Europa, eles querem autoridades institucionais abertas ao diálogo.

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Jean-Claude Juncker vira cabo eleitoral do 'sim' em referendo na Grécia
S: Qual é a origem da imposição dessas políticas de austeridade?

DAR: Acontece que depois da crise de 2008 os Governos europeus, a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu têm sido dominados por orientações hegemonizadas pelo governo conservador de Angela Merkel. Essas instituições europeias, assim como o Governo estadunidense, se deixaram dominar por uma orientação de salvar os bancos, as grandes empresas, e fazer as camadas populares pagarem o custo da superação da crise. Este é que é o ponto. E que está levando na Europa à degradação dos serviços públicos, das condições de trabalho, à elevação do desemprego. São as camadas populares que estão pagando o custo de uma crise que foi resultado da chamada desregulamentação do mercado, da voracidade desse capital especulativo, que manobra em todo o mundo e extrai lucros extraordinários muitas vezes inclusive de atividades que não têm nada a ver com produção, que têm a ver com a especulação nas bolsas de valores. Esses políticos, inclusive os socialdemocratas da Europa, foram dominados pela orientação de salvar os bancos e as grandes empresas. Salvem os bancos, salvem as grandes empresas, mas que eles paguem, porque a crise não foi produto da ação dos assalariados. A crise foi produto da ação dos bancos e das grandes empresas, eles são os responsáveis pela crise. Seria muito persuasório mostrar à população que ela teria que aceitar alguns sacrifícios para sair da crise, desde que esses sacrifícios estivessem sendo exigidos dos grandes bancos e das grandes empresas. O que nós vemos não é isso. O que vemos são trilhões e trilhões de dólares sendo despejados para salvar o sistema financeiro internacional, causador da crise, e os assalariados é que estão pagando por isso.

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